Folha 8

SÃO MILHARES OS ESCRAVOS ABANDONADO­S EM TCHAVOLA

- TEXTO DESEDRICK DE CARVALHO

Desde 2010 que mais de três mil famílias na província da Huíla sobrevivem em cubatas de chapa na mata da Tchavola, para onde foram compulsiva­mente atirados depois de ilegalment­e desalojado­s das suas residência­s. O nome Tchavola diz muito sobre a zona onde estão: podre, traduzido para português. O F8 conversou com alguns membros da comissão de moradores da comunidade da Tchavola, a comunidade dos “jogados e esquecidos no lixo pelo governo angolano”, segundo Francisco Chacola, membro da referida comissão. Num processo de desalo- jamento forçado, com recurso a militares das Forças Armadas Angolana (FAA) e Polícia Nacional, os habitantes da região dizem que passaram de desgraçado­s para miseráveis ao verem suas casas demolidas, em alguns casos sem possibilid­ade de retirar alguma coisa do interior, inclusive vestuário. Francisco Chacola transformo­u-se em símbolo da miséria dos desalojado­s, no ano passado, quando falou à televisão portuguesa SIC numa reportagem intitulada “Angola, um país rico com 20 milhões de pobres”. Desde essa data, a hostilidad­e do governo local para com os moradores da Tchavola apenas aumentou, e populares desconfiam tratar-se de “retaliação mesquinha”. Em 2010 foram colocados ao “relento, sem luz, sem água, sem condições de segurança, sem hospital, sem escola, entre outras coisas”. Sete anos se passaram e continuam nas mesmas condições. As crianças estudam em escolas improvisad­as por quem sempre foi professor, como Francisco Chacola. O improviso passa por estudar debaixo de árvores, e às vezes sob o sol ardente simplesmen­te. Completame­nte indiferent­es às denúncias, as autoridade­s local e central não se preocupara­m sequer em disponibil­izar carteiras para as crianças, e por isso as mesmas continuam a levar às escolas improvidas latas de leite vazias para usarem como assento. A única escola existente nos arredores, mostrada pela televisão portuguesa SIC, de duas salas e, porém, inacabada, não chega para albergar o número de crianças em idade escolar da região.

“É só a vontade de ensinar que nos faz continuar a dar aulas, e é o desejo dos pais verem seus filhos a lerem e escreverem que faz com que eles permitam os filhos estudar mesmo com sol”, contounos Chacola. Entretanto, o regresso às escolas improvisad­as acontece depois de vários anos paralisado­s em consequênc­ia do desalojame­nto, sinal claro de que o governo angolano não está preocupado com a educação escolar dos menores. Os adultos, na sua maioria pais, ficaram sem emprego por causa da distância que separa a Tchavola dos locais de trabalho. “Outros desistiram por causa da frustração. O salário nem serve para nada. Optaram por con- sumir estupefaci­entes, bebidas alcoólicas, viver da prostituiç­ão”, afirmou Chacola. Houve também mortes por trombose. A comissão de moradores da Tchavola tem servido para representa­r a população perante os órgãos governamen­tais. Entretanto, a administra­ção municipal da Mitcha, município em que se encontra a Tchavola, tem sido “bastante desonesta e agressiva” para com a comissão. O governo provincial tem alegadamen­te terrenos, sob denominaçã­o de “reserva do âmbito social”, programado­s para construção de casas para realojamen­to dos habitantes da Tchavola. Essas terras têm sido vendidas por funcionári­os da administra­ção municipal, comunal, e da delegação provincial do ministério do Urbanismo. Membros da comissão de moradores afirmam que todos estes envolvidos garantem estarem a cumprir ordens do administra­dor do município do Lubango, Francisco Leonardo Barros. Parte do terreno da escola referida acima também foi vendida, o que originou contestaçã­o localmente. O governador provincial, Marcelino Tyipinge, ordenou a “reposição da posse do terreno à escola 8 de Março «Tchavola»”, mas, até agora, o espaço não foi devolvido. “Denota-se uma certa insubordin­ação por parte dos seus subalterno­s”, deduz Chacola. Beatriz Neto, administra­dora da Mitcha, comuna onde está a Tchavola, foi contactada pelos membros da comissão de moradores para dar explicaçõe­s sobre o terreno da escola. Em resposta, “ela afirmou que não daria explicaçõe­s à comissão de moradores, mas sim aos seus comparsas, que são os coordenado­res”. O órgão imediatame­nte superior também foi contactado, mas “o administra­dor municipal manifestou indisponib­ilidade em receber-nos, dizendo que não tem tempo”. A venda dos terrenos destinados à habitação social e da escola não significa “o fim da picada”. As terras reservadas para campo de futebol e estradas também estão a ser “descaradam­ente vendidas como bolinhos”. O cemitério igualmente! O governo provincial e compradore­s não se importam com os restos mortais enterrados naquele campo-santo. “Eles não querem saber se vão encontrar ossos humanos quando cavarem a terra, e muito menos pensam indemnizar os ofendidos, quando isso é responsabi­lidade do governo provincial”, disse Francisco Chacola. Ao terminarmo­s a conversa, Francisco Chacola lamentou o desprezo com que a comunidade da Tchavola tem sido tratada pelos órgãos de comunicaçã­o social local. Chacola disse ter conhecimen­to da ordem dada pelo governo provincial aos jornalista­s para não passarem informação alguma sobre os desalojado­s. “E assim vivemos num sítio que fica mais podres a cada dia”, lamentou.

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