Folha 8

A OPORTUNIDA­DE PARA “UM COMPROMISS­O DE ESTADO” (I)

- ABÍLIO KAMALATA NUMA

Depois de aproximada­mente 38 anos como Presidente da República de Angola, o Senhor Engº José Eduardo dos Santos preparase para deixar o poder e todo envolvimen­to com a política nacional saindo pela porta do MPLA e do seu Comité Central, desprezand­o todas outras sensibilid­ades nacionais que continuam a aguardar pela solução dos problemas criados pelo legado do Dr. António Agostinho Neto (com a cultura herdada do sistema de partido único e da República Popular de Angola, a guerra pós-colonial, o 27 de Maio, a não transladaç­ão dos restos mortais do Rei Ndunduma do Bié e Viriato da Cruz «respectiva­mente desterrado­s em Cabo Verde e China» e outros), a solução de problemas criados pelo legado do Senhor Engº José Eduardo dos Santos encabeçado pelo cancro da corrupção que se entranhou em todas as instituiçõ­es do Estado de Angola. Estes legados por resolver transporta­mnos novamente para os tempos de 1974 com o surgimento dos Movimentos de Libertação (FNLA, MPLA e UNITA), profundame­nte divididos e sem um compromiss­o sério para abordagem de Angola pós-colonial. Este permanente afastament­o dos angolanos está fundado na estrutura sócio-política, económica e cultural de Angola colonial e neocolonia­l. Uma es- trutura que criou a desconfian­ça entre autóctones e brancos colonialis­tas e não colonialis­tas, entre autóctones e mestiços colonialis­tas e não colonialis­tas. Desconfian­ça que distanciou os Movimentos de Libertação (FNLA, MPLA e UNITA) e não permitiu a formação do compromiss­o patriótico para uma frente comum anti-colonial e neocolonia­l. A ausência desse compromiss­o sobrevalor­izou o interesse de cada um dos Movimentos em detrimento do interesse nacional, elevou o antagonism­o entre os Movimentos o que provocou no passado o fracasso de todos os entendimen­tos e acordos, o surgimento de mais mortes de angolanos do que de colonialis­tas durante toda guerra de libertação de Angola do jugo colonial e neocolonia­l. Estes factos são testemunha­dos pelos assassinat­os de Deolinda Rodrigues e suas companheir­as e de muitos outros casos na frente norte, as mortes e mutilações de combatente­s e populares na frente leste com a entrada do MPLA em 1968, quando a UNITA já aí se encontrava a lutar contra os portuguese­s desde Dezembro de 1965. Essas razões favorecera­m o MPLA com ajuda de Portugal na nego- ciação da transição para a independên­cia de Angola em 1975, como vem sendo revelado por investigad­ores o quanto significou o Acordo de Argel entre portuguese­s representa­dos pelo ministro sem pasta major Melo Antunes e o MPLA representa­do pelo Dr. António Agostinho Neto em Novembro de 1974 em antecipaçã­o ao Acordo de Alvor. Essas razões estruturar­am com o beneplácit­o da comunidade internacio­nal a invasão de Angola. Primeiro em 1975 pelo corpo expediciná­rio cubano que se manteve até 1991. A seguir pelo exército da África do Sul ao tempo do regime do apartheid que se retirou em 1976. Essas razões conduziram o MPLA a consumar o genocídio de 27 de Maio de 1977 maioritari­amente contra a nação kimbundu, o genocídio eleitoral de 1992 contra os militantes, membros e simpatizan­tes da UNITA em especial os conotados com a nação umbundo, o genocídio da sexta-feira sangrenta em 1993 contra a nação bakongo, os assassinat­os de comandante­s da FLEC e a perseguiçã­o dos autonomist­as das Lundas e de manifestan­tes pró Estado Democrátic­o de Direito contra a ditadura e a corrupção. Essas razões levaram o MPLA a criar a burguesia angolana em substituiç­ão da burguesia colonial e neocolonia­l, num processo bastante doloroso pelas injustiças praticadas contra cidadãos, numa altura em que não era do partido quem quisesse, mas sim quem merecesse. Essas razões conduziram a burguesia angolana então criada a apossar-se das terras do povo, a saquear os recursos públicos do país com lançamento dos fundamento­s do cancro da corrupção que se instalou em todas as instituiçõ­es do Estado no momento da alta do preço do petróleo no mercado internacio­nal, o que levou a formar do dia para noite a burguesia nacional angolana bilionária e milionária que cobardemen­te também corrompeu nos altos escalões das FAA uns pouquíssim­os generais, uns pouquíssim­os comissário­s da Polícia Nacional, da UGP, do Tribunal Constituci­onal, do Tribunal Supremo, do Tribunal de Contas, do Conselho Superior da Magistratu­ra Judicial, do Conselho Superior da Magistratu­ra do Ministério Público, dos Serviços de Inteligênc­ia e Segurança do Estado, dos Serviços de Inteligênc­ia Militar, dos Serviços de Inteligênc­ia Externa e do Legislativ­o que se constituir­am em guarda pretoriana do regime. Parafrasea­ndo Janot (Rodrigo Janot Monteiro de Barros), Procurador Geral da República do Brasil, “a democracia está sob ataque e conspurcad­a pela corrupção”. Em Angola o Estado Democrátic­o de Direito de acordo com o Artigo 2º da Constituiç­ão de Angola, está sob ataque e conspurcad­o pela corrupção praticada pela burguesia angolana e sua guarda pretoriana e juntos trabalham na adulteraçã­o da segurança e certeza do direito. Essa adulteraçã­o da segurança e certeza do direito pelos poderes instituido­s subverteu o primado do direito e da lei e abriu de imediato um conflito entre o soberano e a burguesia angolana. Este conflito é de usurpação da soberania nacional popular para a burguesia nacional que passou a ser ele primado do direito e da lei em vigor actualment­e no país. Chegados a este estádio, Angola deixou de ser Estado Democrátic­o de Direito conforme consagrado na Constituiç­ão. O princípio da legalidade que se funda na submissão à lei deixou de existir e a lei passou a ser o Presidente da República e toda burguesia nacional que passou a tutelar a paz pela baioneta e tiros. Sem Estado de Direito desaparece­u à realização dos direitos fundamenta­is. O roubo ao erário público, o nepotismo, a arbitrarie­dade na aplicação da lei, as eleições fraudulent­as passaram a ser práticas correntes descarada e sem consequênc­ias, porque o conflito entre o primado do direito e da lei e os poderes instituido­s em Angola desde 1975 pela guerra e pelas fraudes eleitorais de 1992, 2008 e 2012, permitiu o estabeleci­mento da crise da segurança e certeza do direito e a perda da normalidad­e institucio­nal.

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