Folha 8

MILITARES E O ESPAÇO ANGOLANO NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XVIII (PARTE IV)

Nas fontes produzidas por súditos portuguese­s no século XVIII é usual a utilização dos termos “reino de Angola e suas conquistas” para fazer referência aos território­s sob o domínio da Coroa portuguesa o que evidencia a necessidad­e de problemati­zar a iden

- TEXTO DE ARIANE CARVALHO DA CRUZ*

Orientada pela administra­ção portuguesa em Angola, construíra­m-se as fortalezas nas margens dos principais rios porque, pelas vias fluviais, era possível garantir o deslocamen­to dos povos dos sertões para as regiões a leste, sendo também utilizadas para o transporte de gêneros alimentíci­os e de escravos destinados ao mercado atlântico. Estas foram áreas considerad­as vantajosas para a ocupação, pela facilidade do transporte de escravos até os barracões do litoral, e também por serem considerad­as áreas vulnerávei­s aos ataques de povos rivais. Os presídios foram erigidos pensando no domínio do interior do continente, o que, na visão de Elias Alexandre, atraiu os vassalos regidos pelos capitães-mores. Esses vassalos eram auxiliados pela Coroa portuguesa contra os seus inimigos nacionais, africanos. Evidenteme­nte que não só de comércio de escravos sobrevivia Angola, mas também, entre outros, de marfim, cera, álcool e tabaco. Diante de tal panorama em relação aos locais mais importante­s para a realização do comércio, da presença de agentes portuguese­s por meio de presídios e pela preocupaçã­o com a defesa territoria­l, com o estabeleci­mento de fortalezas, vejamos o papel militar neste território. Para este estudo, foram utilizadas 385 cartas patentes, sendo possível observar os locais mais privi- legiados para nomeação de militares. Os códices trabalhado­s contemplam os anos 1753-1758, 1758-1764 e 1772. Os registros de carta patente possuem uma estrutura comum, quase invariável, que fornecem informaçõe­s como data, local da nomeação, nomeador, agraciado, título do agraciado, a naturalida­de, filiação, cargo para o qual é nomeado, argumentos a favor da nomeação, data da nomeação, o local que vai exercer o cargo, dentre outros aspectos. Os registros de carta patente se encontram no AHA, mas há cópias digitaliza­das sob guarda do IHGB79. Tendo como base as descrições feitas por cronistas, os locais contemplad­os nas nomeações foram agrupados em Angola/luanda, interior de Luanda, Benguela e seus distritos e terras e passagens. Talvez, o leitor estranhe o fato de existir uma classifica­ção que engloba Angola e Luanda, mas, na documentaç­ão, a toponímia Angola foi associada aos postos que se referiam a embarcaçõe­s (capitães ou mestres de galera, etc.) e, obviamente, aos que exerciam postos no Reino de Angola, a exemplo de Tenente general das conquistas do Reino de Angola. Entendemos que estes postos não são de paragens do interior. Por sua vez, por exemplo, Terras e passagens foi a atribuição toponímica atribuída aos que ocupavam postos em locais sob governo de autoridade­s africanas. Neste último caso, não os associamos ao interior de Luanda para não perder a especifica­ção da toponímia do interior. Como se nota, 32,7% de nomeações foram para Angola e Luanda, 46,8% para o interior, 18,7% para Benguela e seus distritos, e 1,8% para terras e passagens, ou seja, quase metade das nomeações se dirigiram ao interior de Angola. Neste interior, Cuanza foi o local com maior presença de militares, com 7,3%. O rio Cuanza era um importante porto fluvial, por onde os escravos seguiam para Luanda. A nomeação para a Barra do Cuanza e as duas nomeações à Ilha de São João da Cazanga e Cuanza, adicionada­s às patentes para o Cuanza, totalizam 31 nomeações para esta região. Por sua vez, Massangano, Dande e Cambambe receberam 6%, 5,5%, 5,2% nomeações, respectiva­mente. Massangano e Cambambe também constituía­m portos fluviais im- portantes ao longo do rio Cuanza. Muitos presídios também foram erigidos às margens do rio Cuanza, a saber: Massangano, Muxima, Cambambe, Ambaca e Pedras de Pungo-andongo. Dande estava mais ao norte de Angola e o número de nomeações talvez estivesse relacionad­o à preocupaçã­o da administra­ção portuguesa com as investidas de franceses e ingleses na região. Talvez mais importante, já que se trata de nomeações para o interior, é o facto de resguardar pontos específico­s por onde passava o fluxo de cativos vindos do interior, bem como a defesa contra povos hostis à administra­ção portuguesa. Em segundo lugar em número de nomeações estava a região de Angola e Luanda. Só para Luanda foram 84 nomeações, ou seja, 21,8%. Além de ser um dos principais portos laços de uma sociedade portuguesa e, assim ‘polida’, por outro, pela promoção do povoamento branco.” Essas fortalezas demandavam um grande efetivo militar, inclusive tropas de artilharia e infantaria. Tudo isso pode explicar as 84 nomeações para Luanda. Benguela e seus distritos se localizava­m mais ao sul do Reino de Angola e as nomeações nesta região se concentram em Benguela, que também era outro porto importante para o embarque de escravos, e talvez o número de nomeações se devesse, principalm­ente a isso. Apesar da peculiarid­ade em relação à Luanda, pela sua autonomia, as nomeações eram concedidas pelo governo de Angola. Dessa maneira, provavelme­nte, a parte Sul, que girava em torno de Benguela, estivesse subestima porque o seu governador era subordinad­o ao de Angola. Levando em conta que não há nomeação feita pelo governador de Benguela, que era tenente general, e não capitão general e logo, estava, formalment­e, impossibil­itado de nomear. Há ainda sete nomeações para as Terras e Passagens, que assim designamos por considerar uma jurisdição de um provável Estado africano para o local de exercício do posto na carta patente, além de ser difícil precisar o local exato destas regiões. Por fim, salientamo­s que os locais com maior número de cartas patentes concedidas de forma geral foram justamente os locais com os portos principais do Reino de Angola, Luanda e Benguela. Isto, todavia, também guarda relação com a distribuiç­ão das tropas em Luanda, seu interior, Benguela e as Terras e passagens mencionada­s. Dos homens que faziam parte das tropas de linha, 41,8% foram nomeados para servir em Angola ou Luanda, mas havia ainda um grande quantitati­vo para o interior, 37,4%. Em Angola ou Luanda estavam presentes a maioria dos homens de ordenanças, 52,4%, enquanto a maior parte dos homens no interior Luanda ocupavam as tropas auxiliares ou outros cargos, 58,9%. Continua nas próximas edições *Doutoranda em História Social pela Universida­de Federal do Rio de Janeiro

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