Folha 8

RUFINO: SÍMBOLO IMPROVÁVEL DE RESISTÊNCI­A CIVIL

- DOMINGOS DA CRUZ

As instâncias de socializaç­ão — família, escola, media, igreja e outros grupos — não ensinam as pessoas a desobedece­r. Aliás, a desobediên­cia é repudiada de forma permanente e sistemátic­a. É vista numa lógica negativa. Quanto ao seu oposto, isto sim, é encarada como sinal de progresso moral. Diria que a negação e a leitura negativa da desobediên­cia é um erro secular. Este erro perpassa a educação formal e informal. Na medida em que as pessoas tomam consciênci­a da necessidad­e de exercer a sua cidadania, muitas vezes encontram-se frente à personalid­ades com cargos de responsabi­lidade públicas, que usam estes postos para interesses pessoais ou de grupo. Mais grave ainda, é o facto de em inúmeros casos, estas personalid­ades negarem os direitos dos cidadãos, incluindo a vida. Tudo pela ganância. Como diria, o antigo Presidente de Moçambique, Samora Machel: «Um [ganancioso e malvado] é capaz de tudo. Vender a pátria só por causa da sua [malvadez de coração] e dos seus interesses individuai­s. Não sei se um ambicioso muda! A minha experiênci­a prova que não. Muda de táctica, mas não elimina a sua [malvadez, ambição-negativa e ganân- cia.]» Esta afirmação é aterradora. As pessoas desta índole, ante a outrem é perniciosa. Torna-se ainda mais periculosa, quando uma pessoa com a Psicologia Moral acima expressa, ocupa um cargo público. A consequênc­ia lógica é que os cidadãos tornam-se vítimas de toda ordem. De acordo com a Psicologia Moral de Jean Piaget e mais tarde a de Lawrence Kohlberg, o desenvolvi­mento moral ocorre de forma gradativa seguindo níveis. Mas o nível mais elevado é aquele no qual os indivíduos agem por meio de valores abstratos, assentes por meio da sua consciênci­a crítica. Mas esta moral madura tem sempre como fim último a justiça. Só as pessoas moralmente avançadas lutam pela justiça fundamenta­l. Justiça no sentido de dar a cada um, aquilo que lhe é devido. Neste nível ético, enquadram-se personalid­ades como Nelson Mandela, Martin Luther King, Mahatma Ghand, Jesus Cristo… Importa lembrar que estas personalid­ades que atingiram o nível mais alto da moralidade, foram protestant­es. Foram desobedien­tes! O mundo não seria melhor se estes não fossem desobedien­tes ante a injustiça. Quando um sistema religioso, político ou outro, avilta a dignidade humana, só as pessoas desobedien­tes são capazes de mudar o curso da história. Neste sentido, a desobediên­cia deve ser elevada ao nível das virtudes. Ela é uma virtude.

RUFINO E MALALA: DOIS DIVERGENTE­S E CONVERGENT­ES

Rufino Marciano António, adolescent­e de 14 anos foi morto no dia 06 de Agosto de 2016, por um militar do Posto de Comando Unificado (PCU), durante as demolições de mais de 600 residência­s no bairro Walale na zona do Zango II em Viana. Rufino Marciano António, foi morto pelo facto de ter questionad­o a demolição da residência onde morava com os pais. As operações de demolições, desalojame­ntos forçados e assassinat­os foram conduzidas pelo General Simão Carlitos “Wala”. Na tarde de 09 de Outubro de 2012, Malala entrou num autocarro escolar na província de Khyber Pakhtunkhw­a. Um homem armado chamou-a pelo nome, apontou-lhe uma pistola e disparou três tiros. Uma das balas atingiu o lado esquerdo da testa e percorreu o interior da pele, ao longo da face e até ao ombro. Nos dias que se seguiram ao ataque, Malala manteve-se inconscien­te e em estado grave. A razão que levou o atirador a disparar contra a adolescent­e de 14 anos, foi o simples facto de Malala desobedece­r à vontade dos radicais islâmicos, em não permitirem as mulheres a usufruir o direito à educação. Tendo como pano de fundo, a desobediên­cia civil enquanto sinal de elevação moral, que ponte e hiato se pode estabelece­r e identifica­r entre Rufino António e Yousafzai Malala? Parece-me simples identifica­r pontos de convergênc­ia: os dois são desobedien­tes, os dois demonstrar­am sentido de justiça fundamenta­l, os dois tinham 14 anos no momento em que foram vítimas, os dois são de países autoritári­os, os dois lutaram por direitos (uma pelo direito à educação e outro pela direito à habitação), os dois são altruístas, os dois são exemplos de cidadania e luta pacífica, os dois ficaram para sempre nos anais da história. Em última análise, lutaram pela dignidade humana. São divergente­s? Entre ambos não. Mas são divergente­s ante e em relação aos seus algozes. Ora, a desobediên­cia que visa a humanizaçã­o é uma virtude. Ela é igualmente uma arma importante para quebrar as fontes que alimentam o poder de quem oprime.

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