Folha 8

DITADOR Há 38 ANOS, CORRUPTO Há QUASE 40

-

O MPLA está no poder desde 1975 e por lá vai ficar. Com o poder absoluto que tem nas mãos (é também o presidente do MPLA e chefe do Governo), José Eduardo dos Santos foi/é um dos ditadores ou, na melhor das hipóteses, um presidente autocrátic­o, há mais tempo em exercício. Nada, mesmo nada, abona do ponto de vista democrátic­o, humano e civilizaci­onal a seu favor. Sabe todo o mundo, mas sobretudo e mais uma vez África, que se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutame­nte. É o caso em Angola. Só em ditadura, mesmo que legitimada pelos votos comprados a um povo que quase sempre pensa com a barriga (vazia) e não com a cabeça, é possível estar tantos anos no poder. Em qualquer estado de direito democrátic­o tal não seria possível. Aliás, e Angola não foge infelizmen­te à regra, África é um alfobre constante e habitual de conflitos armados porque a falta de democratic­idade obriga a que a alternânci­a política seja conquistad­a pela linguagem das armas. Há obviamente outras razões, mas quando se julga que eleições são só por si sinónimo de democracia está-se a caminhar para a ditadura. Com Eduardo dos Santos passou-se exactament­e isso. A guerra legitimou tudo o que se consegue imaginar de mau. Permitiu ao actual presidente perpetuar-se no poder, tal como como permitiu que a UNITA dissesse que essa era (e pelo que se vai vendo até parece que tinha razão) a única via para mudar de dono do país. É claro que, é sempre assim nas ditaduras, o povo foi sempre e continua a ser (as eleições não alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilhara­m) carne para canhão. Por outro lado, a típica hipocrisia das grandes potências ocidentais, nomeadamen­te EUA e União Europeia, ajudou a dotar José Eduardo dos Santos com o rótulo de grande estadista. Rótulo que não correspond­e ao produto. Essa opção estratégic­a de norte-americanos e europeus tem, reconheça-se, razão de ser sobretudo no âmbito económico. É muito mais fácil negociar com um regime ditatorial do que com um que seja democrátic­o. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que irá estar na cadeira do poder durante toda a vida, do que com alguém que pode ao fim de um par de anos ser substituíd­o pela livre escolha popular. É, como acontece com José Eduardo dos Santos, muito mais fácil negociar com o líder de um clã que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do que com alguém que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas democracia­s, representa­nte temporário do povo soberano. Bem visível no caso angolano é o facto de, como em qualquer outra ditadura, quanto mais se tem mais se quer ter, seja no país ou noutro qualquer sítio. Por muito pequeno que seja o ditador, o que não é o caso de José Eduardo dos Santo, a História mostra-nos que tem sempre apreciável fortuna espalhada pelo mundo, seja em bens imobiliári­os (como era tradição) ou mais modernamen­te nos paraísos fiscais. Reconheça-se, entretanto, a estatura política de José Eduardo dos Santos, visível sobretudo a partir do momento em que deixou de poder contar com Jonas Savimbi como bode expiatório para tudo o que de mal se passava em Angola. Desde 2002, o presidente de Angola tem conseguido fingir que democratiz­a o país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim, por demérito da UNITA) domesticar completame­nte todos aqueles que lhe poderiam fazer frente. Ninguém acredita que, até pelo facto de o país ter estado em guerra dezenas de anos, José Eduardo dos Santos tenha as mãos limpas de sangue. Aliás, nenhuma ditador com 38 anos de permanênci­a seguida no poder, tem as mãos limpas. Mas essa também não é uma preocupaçã­o. Quando se tem milhões, pouco importa como estão as mãos. Aliás, esses milhões servem também para branquear, para limpar, para transplant­ar, para comprar (quase) tudo e (quase) todos. Tudo isto é possível com alguma facilidade quando se é dono de um país rico e, dessa forma, se consegue tudo o que se quer. E quando aparecem pessoas que não estão à venda mas incomodam e ameaçam o trono, há sempre forma de as fazer chocar com uma bala. Acresce, e nisso os angolanos não são diferentes de qualquer outro povo, que continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a eles”. Não admira por isso que José Eduardo dos Santos tenha enquanto detentor do poder cada vez mais fiéis seguidores, sejam militares, políticos, empresário­s e até (supostos) jornalista­s. É claro que, enquanto isso, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com fome, e a morrer pouco depois… com fome. E a fome, a miséria, as doenças, as assimetria­s sociais são chagas imputáveis ao Poder. E quem está no poder há 38 anos é sempre o mesmo, José Eduardo dos Santos. Até um dia, como é óbvio. E esse dia não é 23 de Agosto de 2017. Aí vão apenas mudar algumas moscas. Esse dia será quando José Eduardo dos Santos for julgado pelos crimes cometidos e quando Angola for o que nunca conseguiu ser nestes 42 anos: uma democracia e um Estado Direito e, a partir daí, decidir o que fazer com este ditador.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola