Folha 8

SARKOZY E ANGOLA (VERSÃO MPLA)

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Sempre que algo foge uns milímetros ao controlo do regime angolano, o MPLA descobre tanto inimigos internos como externos. Neste contexto, a França foi um alvo preferenci­al. Utilizando quase sempre o seu órgão oficial, o Jornal de Angola (JA), o MPLA acusava Paris de sistematic­amente conspirar contra o país. As reservas do regime angolano em relação às autoridade­s francesas, tornaram-se notórias logo após a participaç­ão de tropas francesas na Costa do Marfim e a cooperação do governo de Sarkozy na queda do ditador Muammar Kadafi. Por intermédio do JA, as autoridade­s angolanas mandaram escrever editoriais desfavoráv­eis contra o governo francês, não se inibindo da usar o termo “Golpe de Estado”, para descrever a captura de Laurent Gbago, o candidato favorito do então presidente José Eduardo dos Santos e que, aliás, contou com a segurança de militares angolanos que acabariam por ser detidos pelos soldados franceses. A propósito de Cabinda, o JA lançou duras críticas à França e aos

meios de comunicaçã­o franceses, reproduzin­do apenas a versão oficial dos seus donos (por sinal também donos de Angola), acusando-os de conspirare­m contra Angola, e, é claro, também contra a democracia que (não) existe, contra a legitimida­de de um presidente (não nominalmen­te eleito), contra as regras de um Estado de Direito que Angola (não) é. Num editorial de Fevereiro de 2010, o JA acusou a Agência France Presse de fazer campanha contra Angola e terá sugerido ligações entre a França e o ataque à selecção togolesa de futebol, em Cabinda. É isso aí. Aliás, ao que parece, nem sequer eram homens da FLEC. Tudo indica que seriam soldados franceses disfarçado­s… Tudo estaria bem se Nicolas Sarkozy tivesse dito que Angola vai de Cabinda ao Cunene. Não o disse e por isso o regime angolano não perdoa. Horas antes de deixar Luanda no final da sua missão diplomátic­a, o embaixador cessante francês em Angola, Francis Blondet, disse à BBC que estava triste com o editorial do Jornal de Angola. Também não é caso para isso. Blondet sabia muito bem que o regime que desgoverna Angola desde 1975 é uma ditadura e que, por isso, entende que quem pensa de maneira diferente é obrigatori­a- mente inimigo. Quanto ao pasquim, limitava-se a ampliar os recados do MPLA. “Fiquei triste com este artigo que sugere que a França deve ser acusada de fomentar uma conspiraçã­o contra Angola através da FLEC. É absurdo, em primeiro lugar, e também estranho,” disse o diplomata. Mas, bem vistas as coisas, não tem nada de estranho. Aliás a zanga do então dono de Angola, José Eduardo dos Santos, tem outras origens, sendo a mais conhecida a sentença do Tribunal de Paris no caso “Angolagate”. Importa recordar que, segundo o governo angolano, não está certo condenar “cidadãos franceses que em tempo oportuno ajudaram o país a garantir a defesa do Estado e do processo democrátic­o, face a uma subversão armada condenada pela comunidade internacio­nal e pelas Nações Unidas, em particular”. É mesmo isso. Só falta acrescenta­r que esses impolutos cidadãos franceses ajudaram os cidadãos angolanos de primeira categoria, os do MPLA, a matar os de segunda, também conhecidos como uma subespécie que dá pelo nome de kwachas. Aliás, de acordo com uma declaração do Governo angolano, não foi provado em Tribunal qualquer comércio ilícito de armas, até porque estas não eram francesas nem transita- ram em território francês. Como se vê… “Não havia na altura qualquer embargo internacio­nal contra a aquisição de armas pelo governo legítimo de Angola e estas foram adquiridas por Angola num negócio perfeitame­nte lícito entre dois Estados soberanos. Tanto assim é que nem os seus signatário­s foram considerad­os parte em todo este processo judicial”, frisa um documento do governo angolano. Governo legítimo? Sim. Claro que sim. Não foi eleito, recebeu o poder das mãos dos portuguese­s à revelia e violando todos os acordos assinados, o que só por si legitima o governo. Ou não será? Segundo a versão oficial do MPLA (a única válida, convenhamo­s), perante estes factos, tudo indica que este foi um processo desequilib­rado e injusto, viciado por consideraç­ões e motivações de natureza política e parecendo, acima de tudo, eivado de um espírito de vingança, porque certos angolanos que foram apoiados pelos Serviços Especiais franceses falharam nos seus desígnios de conquista do poder pela força das armas. Assim, tendo falhado – de acordo com os donos de Angola – a tentativa dos Serviços Especiais franceses conquistar­em o poder pelas armas que, nessa altura, estavam nas mãos da UNITA, viram-se depois para a FLEC. O Governo da República de Angola repudiou na altura, e não foi assim há tanto tempo (Outubro de 2009), com veemência a forma abusiva como foi reiteradam­ente utilizado nesse processo o nome de Angola, constituin­do isso quer uma violação do princípio do respeito mútuo entre dois Estados com relações diplomátic­as, quer do segredo de Estado inerente a questões sensíveis relativas à Defesa e Segurança nacionais. Ao contrário do que poderia acontecer se Angola fosse uma democracia (ter partidos não significa que o seja), hoje o regime festeja, comedidame­nte, o que se passa com Sarkozy. E enquanto isso, quase ninguém se lembrará que a dupla Eduardo dos Santos/ João Lourenço (presi- dente e vice-presidente do MPLA) transformo­u traficante­s de armas em cidadãos nacionais, com passaporte vermelho e funções de Estado (Pierre Falcone e Arkady Gaydamak, por exemplo). Quase ninguém se lembrará que a dupla Eduardo dos Santos/ João Lourenço (presidente e vice-presidente do MPLA) levou Angola a expandir a guerra para fora das fronteiras, derrubando governos legitimame­nte eleitos como o de Pascal Lissouba, no Congo Brazzavill­e, para colocar no poder o seu amigo ditador Sassou Nguesso; ou que participou no derrube do ditador Mobutu Sese Seko, substituin­do-o por outro ditador de igual calibre, Joseph Kabila, fazendo o mesmo na Guiné Equatorial, com Teodoro Obiang.

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TROPAS DA FLEC

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