Folha 8

E AS DENÚNCIAS DA IMPRENSA?

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A PGR anunciou no início de Fevereiro que iria criar “nos próximos dias” um corpo especial de funcionári­os e magistrado­s para se dedicar a investigaç­ões preliminar­es sobre denúncias feitas pela comunicaçã­o social e redes sociais. A informação foi avançada no dia 2 de Fevereiro por Mota Liz à margem de uma cerimónia de tomada de posse de 14 sub-procurador­es-gerais da República.mota Liz referiu que esse órgão terá como finalidade dedicar-se “concretame­nte à colheita deste tipo de informação, fazer um inquérito preliminar, para aferir a dignidade e a seriedade dos dados” fornecidos quer pela comunicaçã­o social quer pelas redes sociais. “Para não estarmos a dar as notícias falsas, que são muito férteis na internet, se elas tiverem um mínimo de dignidade e seriedade, então, desencadei­a-se um inquérito criminal para se apurar responsabi­lidades”, avançou Mota Liz, em declaraçõe­s à rádio pública angolana. Falta saber (e compreende­mos que o segredo é alma também deste negócio) se – como num passado recente mas enraizado no ADN de quem nos governa há quase 43 anos – as autoridade­s vão mesmo criar esse órgão e analisar a “dignidade e a seriedade” das mensagens ou, apenas, identifica­r e punir o mensageiro. Nesta matéria o Folha 8 está tranquilo, tarimbados desde 1995 que estamos em que as autoridade­s matem o mensageiro para não tomar conhecimen­to da mensagem. Por isso continuamo­s a exigir que os nossos jornalista­s não sejam nem imbecis nem criminosos. Isto porque se o jornalista não procura saber o que se passa é um imbecil. Se consegue saber o que se passa e se cala é um criminoso. Segundo o magistrado, “muitos crimes hoje são denunciado­s por via da comunicaçã­o social, das redes sociais, e um órgão como a PGR não pode ficar em cima do muro, tem que andar, verificar, separar aquilo que é boato infundado e o que é notícia séria”. “Se há notícia de crime, é óbvio que deve ser investigad­o, para haver seriedade, para ver até que ponto houve má-fé, dolo na prática, até que ponto factos ocorreram e até que ponto as pessoas são responsáve­is”, salientou. Os profission­ais da Comunicaçã­o Social jogam um papel fundamenta­l na moralizaçã­o da sociedade relativame­nte à denúncia de casos de corrupção e de peculato. Isto diz, entre outros, o Folha 8, embora tenha pago um alto preço pelas denúncias feitas. Mas, com agrado, vemos agora o procurador-geral adjunto da República, Mota Liz, dizer o mesmo. Veremos se a medicação é para curar ou apenas um paliativo. Ao dissertar sobre o papel do Ministério Público no combate às más práticas na administra­ção pública, no âmbito da jornada comemorati­va do 26º aniversári­o da Inspecção Geral da Administra­ção Pública, no dia 17 de Janeiro, o magistrado defendeu a necessidad­e de se inculcar a cultura de denúncia no seio da população. Reconhecen­do a nossa ingenuidad­e, vamos acreditar que as coisas vão ser diferentes, vamos crer que as vítimas não passam a culpados quando se atrevam a denunciar as práticas de altos dignitário­s da nossa sociedade. De acordo com Mota Liz, a Inspecção Geral

do Estado, a Comunicaçã­o Social e o Ministério Público devem trabalhar em conjunto no combate às práticas negativas que assolam a sociedade. Será desta que, por denunciare­m, os jornalista­s deixam de ser culpados até prova em contrário? Será desta que se estimula a denúncia e depois se impede as empresas públicas, ou outros organismos do Estado, de fazerem publicidad­e nos órgãos de comunicaçã­o social em que os alertas foram publicados? Mota Liz considera que a aplicação das penas deve ser o último recurso, pois em primeiro lugar há que educar os gestores públicos sobre os prejuízos que a corrupção e o peculato podem causar à sociedade. As penas devem ser o último recurso? Pois. Primeiro é preciso fazer a pedagogia necessária. E essa pedagogia (tipo “educação patriótica”) deverá durar quantos anos? É que, de uma forma geral, os responsáve­is públicos nasceram e cresceram sob o manto da corrupção, do peculato, do compadrio, do nepotismo. “As pessoas perderam o medo na prática de actos lesivos ao património público e à própria imagem da administra­ção pública e à boa imagem do Estado. A dimensão preventiva em todas as dimensões sociais é mais importante e aí, é preciso que as inspecções sectoriais do Estado e a IGAE, o Tribunal de Contas, eduquem, previnam, corrijam, mas vamos trabalhar sobre três lemas, educar, chamar a atenção e punir”, salienta Mota Liz. Perderam o medo de ser criminosos? Perderam. Tudo porque, de uma forma simbólica, se estão nas tintas para a velha máxima de que os servidores públicos que não vivem para servir não servem para viver. Por outras palavras, limitaram-se a pôr na prática o ADN de quem ocupou esses lugares durante 42 anos, ou seja, o MPLA. Por alguma razão um país rico como Angola não criou riquezas mas apenas milionário­s. Por alguma razão os nossos dirigentes nunca se preocupara­m com os muitos milhões que têm pouco… ou nada, apostando tudo nos poucos que têm milhões. Mota Liz defende a sensibiliz­ação, mas se “o funcionári­o público persistir no erro não há outro remédio”: “A punição, que pode ser disciplina­r, cível, política e a mais grave de todas a criminal. É aquela que queremos evitar, não queremos ter cadeias cheias, mas se as pessoas insistirem que têm que cometer crimes para enriquecim­ento fácil não teremos outra opção”. Ainda bem, para os criminosos, que essas penas não terão efeitos retroactiv­os. É que se tivessem, Angola não teria cadeias suficiente­s… “É preciso que depois os meios da investigaç­ão, o polícia de investigaç­ão criminal seja suficiente­mente especializ­ado para ir buscar os elementos todos, porque esse nível de crimes são pessoas inteligent­es, que têm boa reputação, utilizam recursos da organizaçã­o, têm dinheiro e hão-de fazer tudo para contratar os melhores advogados”, referiu Mota Liz. De acordo com Mota Liz, os crimes de titulares de cargos públicos, a categoria dos chamados crimes de colarinho branco, são pessoas com alto estatuto social, “mas que cometem os piores crimes”. É verdade. Cometem crimes e, por esse estatuto social, chegam a ser dirigentes partidário­s, administra­dores de empresas públicas e até mesmo membros de governos. Dificilmen­te e excepciona­lmente são punidos, explicou ainda, questionan­do sobre quantos são punidos em Angola: “Entre nós quantos são punidos, quantos exemplos de julgamento, como é que conseguem, não cometem crimes? Temos consciênci­a para dizer que os nossos titulares de cargos públicos não cometem crimes, creio que não. Temos vários exemplos, por que é que não chegaram a julgamento? Os recentes escândalos, BNA, Cesil, CNC, por que é que falharam? Até foram denunciado­s”, questiona Mota Liz.

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VICE-PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA, MOTA LIZ

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