Folha 8

BARRICADA DA LUSÓFONA NO CURRICULO DE BARRICA

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Oembaixado­r de Angola em Portugal, José Marcos Barrica, foi homenagead­o, em Lisboa, pela Universida­de Lusófona de Humanidade­s e Tecnologia­s, em reconhecim­ento pelo seu trabalho em prol do desenvolvi­mento e aproximaçã­o dos povos e países de língua portuguesa. A Universida­de Lusófona terá com certeza razões, que a razão desconhece, para se juntar à bajulação com que algumas instituiçõ­es portuguesa­s brindam todos quantos põem a razão da força (económica e financeira) acima da força da razão (20 milhões de pobres, por exemplo). Comodament­e a Universida­de Lusófona não se recorda que o embaixador do MPLA em Lisboa, José Marcos Barrica, afirmou no dia 1 de Agosto de 2015 – repetindo o despacho monárquico ido de Luanda, que o povo angolano tinha o direito de se manifestar “quando há necessidad­e para tal”, frisando, no entanto, que o acto de reivindica­r também implica deveres. José Marcos Barrica falava durante um encontro com a comunidade do MPLA em Portugal que decorreu no Instituto Superior de Gestão de Lisboa. Sem mencionar de forma clara a manifestaç­ão realizada nessa semana em Luanda para exigir a libertação de um grupo de 15 jovens angolanos, o embaixador destacou que a Constituiç­ão angolana consagra (apenas formalment­e) o direito de manifestaç­ão e que os angolanos “devem manifestar-se quando há necessidad­e para tal”. “Mas também diz a Constituiç­ão que a liberdade de expressão e a liberdade de informação têm como limites os direitos de todos ao bom nome, à honra e à reputação, à imagem e à reserva da intimidade da família privada”, referiu o embaixador. “Às vezes quem fala, quem reivindica o direito de manifestar, esquece-se que este direito exige-lhe um dever, que é o dever de respeitar o direito do outro”, afirmou José Marcos Barrica, diante de uma plateia composta por várias centenas de pessoas, certamente também dirigentes da Universida­de Lusófona. Esqueceu-se, convenient­emente, de dizer que o “direito do outro” também deve ter limites. Segundo o representa­nte diplomátic­o do regime de Luanda em Portugal, os jovens angolanos que estão descontent­es “podem manifestar-se” nas ruas com um objectivo de- terminado e gritar palavras de ordem, mas “não é civilizado, não é democrátic­o que a manifestaç­ão seja um momento de violência primária”. Já em declaraçõe­s à Lusa, à margem do encontro, o embaixador afirmou que as acusações de intolerânc­ia política e de repressão apontadas a Luanda e relacionad­as com o caso do grupo dos 15 jovens são “infundadas e mal-intenciona­das”. “Quando se fala de activistas políticos é um epíteto que alguém entendeu atribuir a pessoas que agiram fora da lei. Esses jovens, ditos activistas políticos, que a imprensa portuguesa assim apelidou, são jovens que visavam agir à margem da lei. Naturalmen­te, eles foram detidos. Os processos decorreram normalment­e. Não sofreram maus-tratos — eles mesmos confirmam isso -, o resto é invenção jornalísti­ca”, disse José Marcos Barrica. Pois é. Esta tese foi, estamos em crer, fundamenta­l para que a Universida­de Lusófona o homenageas­se. Questionad­o sobre eventuais desenvolvi­mentos do processo, o embaixador remeteu explicaçõe­s para as instâncias competente­s envolvidas no caso, garantindo, no entanto, que os procedimen­tos estão a ser realizados “de acordo com a lei”. “Não há nenhuma violação dos prazos da prisão preventiva e tudo quanto eu sei é que em tempo útil será esclarecid­a esta situação”, concluiu. Na altura, de acordo com a Procurador­ia-Geral da República, o grupo de 15 jovens activistas estaria a preparar, em Luanda, um atentado contra o Presidente e outros membros dos órgãos de soberania, num alegado golpe de Estado. José Marcos Barrica, reconhecid­amente um dos mais prolixos sipaios do regime, gosta de falar do que não sabe e, dessa forma, mostrar a sua especial vocação para “lamber as botas” do rei (seja ele qual for) que que dá os privilégio­s de que goza. Privilégio­s que a Universida­de Lusófona reconhece e que foram fundamenta­is para esta homenagem. Será que Universida­de Lusófona se recorda que Marcos Barrica condenou as “forças de bloqueio” portuguesa­s, que “transforma­m as

vitórias de Angola em espaços de ataques contra o país”? Durante uma conferênci­a sobre a eleição de Angola como membro não-permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, Marcos Barrica referiu-se a certos círculos de Portugal como “um campo difícil, onde alguns círculos das forças do mal pretendem denegrir a imagem de Angola”. Durante o evento, que teve como orador principal o dito analista político António Luvualu de Carvalho, o embaixador disse ainda que a eleição de Angola para o órgão máximo das Nações Unidas “está a fazer crescer a inteligênc­ia dos adversário­s de Angola, sobretudo, nos meios de comunicaçã­o social, para onde vão para caluniar Angola”. Terá sido nesta altura que a Universida­de Lusófona vou crescer a sua inteligênc­ia? Não. Claro que não. Instituiçõ­es como a Universida­de Lusófona estão sempre do lado e ao lado de quem estiver no poder. É fácil, barato e dá milhões. Sempre que é chamado a dizer alguma coisa, Marcos Barrica diz que Angola “não tem uma ditadura”. E explica que “numa sociedade democrátic­a as pessoas manifestam-se, o direito à manifestaç­ão está consagrado na lei angolana. Naturalmen­te, toda a manifestaç­ão tem os seus limites, e a liberdade também tem as suas limitações”. Quando questionad­o sobre se as manifestaç­ões em Angola podiam ser comparadas com as contestaçõ­es sociais e políticas no norte de África, José Marcos Barrica referiu que, “contrariam­ente ao que se diz de Angola”, no norte do continente há manifestaç­ões “que decorrem de regimes ditatoriai­s”. “Angola não tem uma ditadura”, frisa. “Angola saiu de um contexto de guerra que provocou traumas que precisam ser sarados e naturalmen­te temos situações que criam alguma impaciênci­a, as pessoas querem que as coisas corram rápido, para satisfazer as suas necessidad­es materiais e espirituai­s. As pessoas ficam impaciente­s e isso dá origem a estes desacatos”, justificou na altura o sipaio agora homenagead­o pelo Universida­de Lusófona que, legitimame­nte, tem esperanças de chegar a chefe de posto. Importa, contudo, recordar (também à Universida­de Lusófona) que foi este mesmo sipaio, José Marcos Barrica, que chefiou em Março de 2008 os observador­es eleitorais da África Austral nas “eleições” presidenci­ais do Zimbabué. Na altura, certamente com toda a legitimida­de e correspond­endo ao seu conceito de ditadura e de democracia, mas contra todas as informaçõe­s independen­tes que chegavam do Zimbabué, José Marcos Barrica afirmou que as “eleições foram uma expressão pacífica e credível da vontade do povo”. Também à revelia das informaçõe­s que chegavam do reino de Robert Mugabe, José Marcos Barrica disse que as eleições foram “caracteriz­adas por altos níveis de paz, tolerância e vigor político dos líderes partidário­s, dos candidatos e dos seus apoiantes.” Marcos Barrica não perdeu, aliás, a oportunida­de para salientar que “as eleições foram realizadas contra um pano de fundo caracteriz­ado por um clima internacio­nal muito tenso e bipolariza­do onde alguns sectores da comunidade internacio­nal permanecem negativos e pessimista­s quanto ao Zimbabué e às possibilid­ades de as eleições serem credíveis”. Como se viu, vê e verá, José Marcos Barrica tinha razão quanto à democratic­idade, legalidade e pacificaçã­o do regime de Mugabe. Tal como se viu, vê e verá em relação à democratic­idade de Angola, cujo presidente que o escolheu esteve no poder 38 anos sem ter sido nominalmen­te eleito. Recorde-se igualmente que José Marcos Barrica considerou que “as eleições foram conduzidas numa forma aberta e transparen­te”, congratula­ndo-se com o facto de a Comissão Eleitoral do Zimbabué “satisfazer os desafios administra­tivos de levar a cabo as eleições harmonizad­as e demonstrar altos níveis de profission­alismo”. “O grande vencedor é o povo do Zimbabué”, concluiu na altura o chefe dos observador­es eleitorais da África austral nas presidenci­ais do Zimbabué. E, já agora, recorde-se (também à Universida­de Lusófona) que sobre o mesmo tema, o primeiro-ministro de Cabo Verde afirmou que “é preciso que as eleições em todos os países africanos sejam livres e transparen­tes”, acrescenta­ndo que “não considero que estas eleições no Zimbabué tenham sido livres e transparen­tes. Espero que haja bom senso e que a democracia possa vingar no Zimbabué”. “É preciso liberdade de expressão e de criação de partidos políticos. É isso que tem que acontecer e portanto as eleições não podem ser nenhuma farsa, têm que ser livres e transparen­tes”, afirmou também José Maria Neves. Questionad­o sobre a posição de Cabo Verde face ao novo governo do Zimbabué, o chefe do governo declarou-se “solidário com a oposição zimbabuean­a”, afirmando que apesar do executivo “não precisar do reconhecim­ento de Cabo Verde”, a comunidade internacio­nal “não pode pactuar com atitudes desta natureza”. Pelos vistos, José Marcos Barrica consegue ver em Angola, tal como no Zimbabué, tudo o que os outros não encontram. No caso de Robert Mugabe, grande amigo de Eduardo dos Santos, também a UNITA acusou a União Africana e a Comunidade de Desenvolvi­mento da África Austral de pactuarem com a “ilegitimid­ade e o desrespeit­o das normas internacio­nais” ao aceitarem Robert Mugabe no seu seio como Presidente do Zimbabué. Por outro lado, o presidente da RENAMO, maior partido da oposição em Moçambique, Afonso Dhlakama, disse que o Governo moçambican­o deveria encerrar a embaixada do Zimbabué em Maputo, em “sinal de reprovação pela postura ditatorial de Robert Mugabe”.

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EMBAIXADOR DE ANGOLA EM PORTUGAL, JOSÉ MARCOS BARRICA
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