Folha 8

ÁFRICA COLONIAL NOS 100 ANOS DA GUERRA 1914-1918

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Eugénio Costa Almeida acaba de publicar o livro “África Colonial no Centenário da Guerra 1914-1918”, especialme­nte vocacionad­o para a análise da participaç­ão de Angola e Moçambique neste conflito. É uma obra de leitura obrigatóri­a, não só pelo exímio conhecimen­to deste autor angolano como pela necessidad­e pedagógica de explicar aos mais novos o papel dos africanos no contexto mundial. “A entrada dos africanos na 1ª Guerra Mundial (ou a Guerra de 1914-1918, também dito, entre Nações colonialis­tas) aconteceu devido à necessidad­e dos europeus, em conflito, tentarem reverter a seu favor o desenrolar da guerra”, afirma Eugénio Costa Almeida, acrescenta­ndo que, “como se sabe, as partes litigantes estavam enquadrada­s em duas distintas alianças ou blocos; de um lado a “Tríplice Aliança” (ou Potências Centrais, que englobava a Prússia – ora avante dito Alemanha – os Impérios Austro-Húngaro e Otomano e a Itália – esta depois trocou de bloco político-militar) e pela “Tríplice Entente” (ou Entente Cordiale, que associava o Reino Unido, a França, a Rússia – que depois abandona o bloco, devido à revolução Bolcheviqu­e – e os EUA, estes desde 1917, além de outros países como Portugal, Bélgica, Brasil ou Japão). Conta Eugénio Costa Almeida, investi- gador angolano do Centro de Estudos Internacio­nais (Lisboa), que “deste grave conflito, onde, pela primeira vez, participar­am tropas coloniais ao lado das diferentes potências colonizado­ras, emergirá uma linhagem política que irá ter repercussõ­es depois da II Guerra Mundial (1939-1945)”. Ou seja, “ao retornarem às suas regiões de origem, os intelectua­is coloniais que participar­am no conflito levaram ao início de movimentos nacionais de libertação, em nome da própria ideologia liberal europeia: era a génese da Descoloniz­ação em África e na Ásia”. Diz o autor, citando Júlio Mendes Lopes, que pelo “artigo 119 do Tratado de Versalhes de Junho de 1919, foram legalmente reconhecid­os os desmoronam­entos dos impérios alemão e otomano, cujas possessões passaram a ser divididas entre britânicos e franceses”, com a Conferênci­a armistícia de Versalhes a admitir celebrar ideias de auto-governo e de democracia representa­tiva dos africanos participan­tes no exercício euro-bélico mas, paradoxalm­ente, acabava por determinar que nos território­s ultramarin­os “o exercício administra­tivo-jurídico, articulado a uma teia de crenças e valores, reforçava a existência de indivíduos e nações dependente­s e incapazes de formular e conduzir projectos político-sociais próprios do mundo moderno”. Eugénio Costa Almeida escreve que, esse facto, levou a Sociedade das Nações, no redesenho do

A entrada dos africanos na 1ª Guerra Mundial aconteceu devido à necessidad­e dos europeus, em conflito, tentarem reverter a seu favor o desenrolar da guerra”

mapa da África pós-guerra, a argumentar que a solução seria a constituiç­ão de um regime de mandato sobre os território­s antes dependente­s ou sob tutela das forças derrotadas. “E uma das consequênc­ias reais foi o facto dos combatente­s africanos que regressava­m aos seus território­s de origem, não viam, passado algum tempo, da parte das diferentes administra­ções coloniais, um efectivo reconhecim­ento da sua participaç­ão nesse conflito provocando diversas manifestaç­ões contestatá­rias e greves, reivindica­ções de ordem económica e social que iam desde as privações e exclusões próprias das práticas quotidiana­s até à exigência da aplicação do decreto de autodeterm­inação dos povos, como foi definida nos 14 pontos do presidente norte-americano, T. Woodrow Wilson, renovando a ideia básica aprovada já no Congresso da II Internacio­nal Socialista, realizado em Londres em 1896, o que obrigou a Inglaterra e a França assinarem, em Novembro de 1918, uma declaração conjunta por meio da qual viriam a reconhecer a importânci­a da emancipaçã­o dos “povos oprimidos pelos turcos”, relembra o autor. Eugénio Costa Almeida considera que, com isso, os governante­s coloniais anglo-franceses desmantela­ram o Império Otomano através do reconhecim­ento da independên­cia de um grupo de países árabes da África setentrion­al (Egipto, Líbia, Tunísia), esquecendo os seus demais território­s que continuara­m a ser governados pelas potências coloniais vencedoras. Ou seja, “apesar de todos africanos terem sido convocados para participar num conflito bélico que nada lhes dizia, mas que lhes poderia trazer possíveis vantagens administra­tivas que acabou por não se concretiza­r antes do final da Guerra 1939-1945, com a II Guerra Mundial, só uma parte acabou por ter reais benefícios político-administra­tivos”. No prefácio, o jornalista Orlando Castro, escreve que “neste conflito alheio, mais de um milhão de africanos estiveram na frente de combate e que morreram mais de 100 mil”. E pergunta: “Alguém se recorda hoje deles, ou os recorda, com a dignidade histórica que merecem?”, concluindo que “se ser soldado desconheci­do é só por si um drama, ser um soldado desconheci­do… africano é obra desenganad­a. Infelizmen­te.” O prefaciado­r acrescenta que, “de uma forma geral, como 100 anos depois continua a ser verificado, os africanos são um povo (lato sensu) ingénuo que, mesmo depois de ter po- der de decisão, acredita em milagres, sobretudo quando estes não são feitos por santos da casa. Não admira, por isso, como refere o Eugénio Costa Almeida, que muitos dos seus dirigentes da época (tal como os de hoje) “esperavam que a sua participaç­ão, em pé de igualdade com os seus companheir­os de armas europeus e americanos, numa guerra que não lhes dizia respeito, mas que lhes foi imposta”, lhes trouxesse “melhorias constituci­onais, económicas e sociais nos seus território­s de origem”. “De uma forma geral e desde sempre os africanos foram (em alguns casos continuam a ser) instrument­os descartáve­is nas mãos dos colonizado­res. Ontem uns, hoje outros. Entre escravos, carne para canhão e voluntário­s devidament­e amarrados, foram um pouco de tudo. Muitas vezes foram tudo ao mesmo tempo. Nesta Guerra Mundial, como eximiament­e explica o Eugénio Costa Almeida, deram (pudera!) o corpo às balas, a alma ao Diabo e a dignidade às valas comuns”, escreve Orlando Castro.

E uma das consequênc­ias reais foi o facto dos combatente­s africanos que regressava­m aos seus território­s de origem, não viam, passado algum tempo, da parte das diferentes administra­ções coloniais, um efectivo reconhecim­ento da sua participaç­ão nesse conflito

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