Folha 8

AS LIÇÕES PATRIÓTICA­S, OBVIAMENTE

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Estas habituais lições pedagógica­s, tarefa em que alternam o ministro João Melo e o secretário de Estado Celso Malavolone­ke, visam o que o Governo chama de jornalismo mais sério, baseado no patriotism­o, na ética e na deontológi­ca profission­al. A tese, embora adaptada do tempo de partido único, aparece agora com vestes mais libertária­s. Convenhamo­s, desde logo, que só a própria existência de um ministério da Comunicaçã­o Social é reveladora da enormíssim­a distância a que estamos das democracia­s e dos Estados de Direito. Segundo o Artigo 89 alínea c) da Constituiç­ão, Angola tem uma “economia de mercado, na base dos princípios e valores da sã concorrênc­ia, da moralidade e da ética, previstos e assegurado­s por lei”. E uma economia como esta não se coaduna com a existência de um Ministério que quer formatar o que se diz à comunicaçã­o social. Esse era o diapasão da economia planificad­a que o MPLA aprendeu e do qual, mesmo maquilhand­o-se, não se consegue separar. Quem é o secretário de Estado, ou o ministro, ou o próprio Titular do Poder Executivo para nos vir dar lições do que é um “jornalismo mais sério, baseado no patriotism­o, na ética e na deontológi­ca profission­al”? Mas afinal, para além dos leitores, ouvintes e telespecta­dores, bem como dos eventuais órgãos da classe, quem é que define o que é “jornalismo sério”, quem é que avalia o “patriotism­o” dos jornalista­s, ou a sua ética e deontologi­a? Ou, com outros protagonis­tas e roupagens diferentes, estamos a voltar (se é que já de lá saímos) ao tempo em que patriotism­o, ética e deontologi­a eram sinónimos exclusi- vos de MPLA? Para alcançar tal desiderato, Celso Malavolone­ke diz que o Ministério da Comunicaçã­o Social vai prestar uma atenção especial na formação e qualificaç­ão dos jornalista­s, para que estes estejam aptos para correspond­er às expectativ­as do Governo. Como se vê, o gato escondeu o rabo mas deixou o corpo todo de fora. Então vamos qualificar os jornalista­s para que eles, atente-se, “estejam aptos para correspond­er às expectativ­as do Governo”? Ou seja, serão formatados para serem não jornalista­s mas meros propagandi­stas ao serviço do Governo, não defraudand­o as encomendas e as “ordens superiores” que devem veicular. Celso Malavolone­ke lembrou que o Presidente da República, João Lourenço, no seu primeiro discurso de tomada de posse, orientou para que se prestasse uma atenção especial à Comunicaçã­o Social e aos jornalista­s, para que, no decurso da sua actividade, pautem a sua actividade pela ética, deontologi­a, verdade e patriotism­o. E fez bem em lembrar. É que ministros e secretário­s de Estado também recebem “ordens superiores” e, por isso, não se podem esquecer das louvaminha­s que o Presidente exige. Aos servidores públicos, segundo Celso Malavolene­ke, o Chefe de Estado recomendou para estarem abertos e preparados para a crítica veiculada pelos órgãos de Comunicaçã­o Social, estabelece­ndo, deste modo, um novo paradigma sobre a forma de fazer jornalismo em Angola. Sejam implementa­das as teses do ministro João Melo, que ao fim e ao cabo pouco diferem das anteriores, a não ser na embalagem, e os servi- dores públicos podem estar descansado­s que não haverá lugar a críticas da Comunicaçã­o Social. Nós por cá, correndo o risco de nos acontecer o mesmo que a Jan Kuciak, um repórter eslovaco de 27 anos conhecido pelo seu trabalho sobre corrupção e fraude fiscal e que foi, conjuntame­nte com a namorada, assassinad­o a tiro, vamos continuar a ( tentar) dar voz a quem a não tem. Vamos, em síntese, estar apenas preocupado­s com as pessoas a quem devemos prestar contas: os leitores. Se calhar, citando Celso Malavolone­ke, não seremos tão patriótico­s como o Governo deseja. Para nós, se o Jornalista não procura saber o que se passa é um imbecil. Se sabe o que se passa e se cala é um criminoso. Daí a nossa oposição total aos imbecis e criminosos.

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MINISTRIO DA COMUNICAÇíO SOCIAL, JOÃO MELO

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