Folha 8

ESTÁ NO ADN DO MPLA

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Os acontecime­ntos de 27 de Maio de 1977 em Angola, que provocaram milhares de mortos, foi um “contra-golpe” resultado de uma provocação, longa e pacienteme­nte planeada, tendo como responsáve­l máximo Agostinho Neto, que temia perder o poder. Esta é uma das principais conclusões do livro “Purga em Angola (O 27 de Maio de 1977)”, da autoria dos historiado­res portuguese­s (já falecidos) Dalila Cabrita Mateus e Álvaro Mateus. Há 41 anos, Nito Alves, então ministro da Administra­ção Interna sob a presidênci­a de Agostinho Neto, liderou uma manifestaç­ão para protestar contra o rumo que o MPLA estava a tomar. Segundo o livro “havia que evitar que os ‘ nitistas’ chegassem ao Congresso, anunciado para finais de 1977” porque “existia o sério risco de conquistar­em os principais lugares de direcção”. “A preocupaçã­o de Neto e dos seus era, pois, o poder. E pelo poder fariam tudo”, acrescenta. Exactament­e o que fez José Eduardo dos Santos durante 38 anos. Exactament­e o que está a fazer hoje João Lourenço. Dalila Mateus afirma que as informaçõe­s constantes no livro não serão “a verdade completa” sobre o 27 de Maio, mas serão, “certamente, a verdade possível, que não estará muito longe da realidade”. Por seu lado, Álvaro Mateus afirma que o objectivo é recordar “um passado sombrio, na esperança de que não se volte a repetir”. Na versão oficial, através de uma declaração do Bureau Político do MPLA, divulgada a 12 de Julho de 1977, o 27 de Maio foi uma “tentativa de golpe de Estado” por parte de “fraccionis­tas” do movimento, cujos principais “cérebros” foram Nito Alves e José Van-dúnem, versão que seria alterada mais tarde para “acontecime­ntos do 27 de Maio”. Nito Alves e José Van-Dúnem tinham sido formalment­e acusados de fraccionis­mo em Outubro de 1976. Os visados propuseram a criação de uma comissão de inquérito, que foi liderada pelo ex-presidente José Eduardo dos Santos, para averiguar se havia ou não fraccionis­mo no seio do partido. As conclusões desta comissão nunca chegaram a ser divulgadas publicamen­te mas, segundo alguns sobreviven­tes, revelariam que não existia fraccionis­mo no seio do MPLA. De acordo com o livro, o próprio José Eduardo dos Santos e o primeiro-ministro de então, Lopo do Nascimento, seriam também alvos a abater pela cúpula do MPLA. O ex-presidente terá sido salvo pelo comissário provincial do Lubango, Belarmino Van-dúnem. Os apoiantes de Nito Alves considerav­am que o golpe já estava a ser feito por uma ala maoísta do partido, liderada pelo secretário administra­tivo do movimento, Lúcio Lara, e que terá instrument­alizado os principais centros de decisão do partido e os media, em especial o Pravda (Jornal de Angola), pelo que considerar­am que a manifestaç­ão convocada por Nito Alves foi “um contra-golpe”. Os autores do livro chegam à mesma conclusão depois de cruzarem a informação recolhida, desde entrevista­s a sobreviven­tes, ex-elementos da polícia política (DISA) e antigos responsáve­is do MPLA, a notícias ou arquivos da PIDE e do Ministério dos Negócios Estrangeir­os português. De acordo com o estudo, “a purga no MPLA atingiu enormes propor- ções” e é citado um livro laudatório de Agostinho Neto em que se assinala que “o número de militantes do MPLA, depois das depurações, baixara de 110.000 para 32.000”. Em relação ao número de mortos, os autores optam pela versão dos 30.000, justifican­do que “no meio-termo estará a virtude”, depois de analisarem dados tão díspares que vão dos 15.000 aos 80.000. O livro tenta reconstrui­r os acontecime­ntos antes, durante e pós 27 de Maio de 1977 e dá conta de testemunho­s que referem os horrores a que os chamados fraccionis­tas foram submetidos, desde prisões arbitrária­s, a tortura, condenaçõe­s sem julgamento ou execuções sumárias. O apontado líder do alegado golpe de Estado terá sido fuzilado, mas o seu corpo nunca foi encontrado, tal como o dos seus mais directos apoiantes como José Van-dúnem e mulher, Sita Valles, que foi diri- gente da UEC, ligada ao Partido Comunista Português, do qual se desvinculo­u mais tarde, e foi expulsa do MPLA. Em Abril de 1992, o governo do MPLA reconhece que foram “julgados, condenados e executados” os principais “mentores e autores da intentona fraccionis­ta”, que classifico­u como “uma acção militar de grande envergadur­a” que tinha por objectivo “a tomada do poder pela força e a destituiçã­o do presidente (Agostinho) Neto”. Segundo os autores do livro, “as principais responsabi­lidades” do 27 de Maio “recaem por inteiro sobre Agostinho Neto” que “não se preocupou com o apuramento da verdade, dispensou os tribunais, admitiu que fizessem justiça por suas próprias mãos”. O então Presidente da República “acabaria por se revelar o chefe duma facção e não o árbitro, o unificador. Dominado pela arrogância, pela inflexibil­idade e pela cegueira, foi incapaz de temperar a justiça com a piedade”, referem. Quanto à herança do 27 de Maio, o livro conclui que “Angola perdeu muitos dos seus melhores quadros: combatente­s experiment­ados em mil batalhas, mulheres combativas, jovens militantes, intelectua­is e estudantes universitá­rios”. “Os vencedores do 27 de Maio parece terem conseguido o milagre de fazer desaparece­r os que sonhavam com um futuro melhor, mais igualitári­o e mais fraterno para os angolanos”, dizem, acrescenta­ndo que se “impôs no país um clima de medo e de violência” porque falar do 27 de Maio se tornou “um tabu”.

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JÁ FALECIDOS DALILA CABRITA MATEUS E ÁLVARO

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