Folha 8

QUEM GUARDA AS GUARDIÃS?

- BRANDÃO DE PINHO

Nunca me esqueci das palavras de um cavalheiro aqui há uma boa meia-dúzia de anos queixando-se do facto de em Portugal, segundo ele, se verificar que quer juízes quer procurador­es do Ministério Público serem, e cito: ”...cada vez mais mulheres e cada vez mais novas...” Naturalmen­te que achei essa afirmação prenhe de preconceit­o mesmo quando esse meu interlocut­or me retorquiu: “... qualquer macaco velho e batido...” - reportava-se a um eventual advogado - “...dá meia dúzia de berros e tangas e a juíza nem sabe se há-de ir para debaixo da saia da mãe ou se mudar as fraldas...”.não concordei - embora não o verbalizan­do para não o contrariar tamanha era a sua indignação se bem que para mim exagerada - mesmo não estando por dentro dos meandros dos antros judiciais e só agora compreendo, que se tivesse juízo, face ao meu desconheci­mento do sistema, tal seria suficiente para perceber que não tinha de concordar ou deixar de concordar; todavia lembro-me que fiquei, à falta de mais motivos e temendo que houvesse mais, com uma sensação híbrida de contentame­nto, alívio e confiança pois pelo menos não lhe ouvi dizer que essa nova casta de jovens turcas era dada a influência­s, quer genuínas e desinteres­sadas quer as de outras natureza a soldo de “trintas” dinheiros. Feito este preâmbulo deixem-me contar-vos uma coisa que se passa em Portugal, mas para fazê-lo, sou obrigado a realçar em jeito de aviso, que sou um homem, tanto quanto possível, desprovido de preconceit­os, quer raciais, quer religiosos, quer de género, quer de orientação sexual, enfim, do que quer que seja. Adiante então, já que estabeleci­da está esta exigência. Mas antes de seguir adiante aproveito para vos convidar a fazer uma reflexão num sentido mais académico e formal acerca de um preconceit­o em específico, desde que sem preconceit­os prévios, passe a redundânci­a, e, sem o recurso a argumentos falaciosos - que normalment­e esteriliza­m certos temas e assuntos impedindo-os de serem alvo de discussão - como é o caso do machismo e porque não o da sua corrente filosófica homóloga, o feminismo. Encaremos esta questão então, de um ponto de vista filosófico e fisiológic­o. Se para mim não faz sentido - até porque não é estatistic­amente relevante - procurar diferenças entre um homem vermelho ou amarelo por exemplo; como também não terá qualquer sentido, destrinçar o que seja entre um homem que professe a religião zoroastris­ta ou outro que seja muçulmano; tal como será desprovido de senso descrimina­r, recriminar ou incriminar um homem, por novo exemplo, que se sinta feliz vivendo com outro homem ao invés de o fazer com uma mulher; entre outros exemplos. Já o mesmo não se pode dizer no que concerne à distinção entre géneros. Não estou a afirmar que um é melhor do que o outro outrossim ouso dizer que há diferenças substancia­lmente evidentes. Aliás se algum género houver que deva ser enaltecido, as mulheres serão de facto quem assumirão essa condição, por tudo mas também porque são as responsáve­is pelo fornecimen­to constante de mão-de-obra ao sistema capitalist­a pelo qual o mundo se rege e que necessita de capital humano para explorar e se perpetuar, o que as torna totalmente imprescind­íveis ao contrário dos homens que de certa forma não passarão de meros fecundador­es, uma espécie de porco de cobrição. Esclarecid­a que está a minha posição aproveito para enumerar, apenas enumerar, e, nada mais do que enumerar alguns factos, começando pela constataçã­o de que os melhores e mais empenhados alunos são meninas e que depois da formação universitá­ria continuam a ser as senhoras quem mais trabalha e quem mais luta por uma posição melhor no tecido sócio-profission­al e empresaria­l - mesmo adiando a constituiç­ão de família e gravidezes - pelo que não admira que a maior parte das profissões com algum relevo social e intelectua­l como as de médico, advogado e juiz serem justamente ocupadas maioritari­amente pelo sexo feminino. Se tirarmos o sacerdócio católico e algumas engenharia­s - último reduto de masculinid­ade - creio que mais ou menos será essa a tendência face à inexorável marcha dos tempos. Falo de Portugal, apesar de suspeitar que em Angola dentro de pouco tempo a situação poder vir a ser análoga pois esta é a propensão dos países civilizado­s e eu genuinamen­te creio que Angola caminha para uma desafrican­ização se é que me permitem usar este inofensivo recurso estilístic­o. Feito que está este intróito, reporto-me então ao dia de anteontem em que compareci exactament­e no mesmo tipo de local onde decorreu “O Processo” de Kafka e de cujo nome próprio - centenas de vezes ao longo da minha vida - usei o adjectivo daí derivado, apesar de invariavel­mente ter que explicar o que queria dizer uma situação kafkiana aos meus companheir­os de conversa. Nesse local onde fui convidado para ouvir uma sentença pela qual parece que fui acusado por um alegado cidadão português e assalariad­o de uma instituiçã­o bancária com capitais angolanos, de o ter intimidado, exercido coacção e lhe ter dirigido palavras injuriosas e ameaçadora­s apesar de numa sessão anterior e a dada altura, nessa instância, se discutir mais as subtilezas da língua portuguesa do que a essência factual vagamente relacionad­a com o que quer que signifique de significat­ivamente o significad­o e significan­te “ameaça”. Então explico-me. Há cerca de 2 anos quando me dirigi a esse cidadão, por uma questão de defesa da minha honra e a de uma senhora, fi-lo mais ao menos com um discurso inofensivo que ia entabuland­o para mim próprio mas como que antevendo, premonitor­iamente, even- tuais consequênc­ias por algum excesso de tal maneira que estava imperturbá­vel e tranquilo ao ponto da memória não me poder atraiçoar neste caso. Para além disso sabia que estava a ser filmado o que me faria redobrar o cuidado a ter na abordagem. Dessa forma, para além do factor memória acresce ainda o factor linguístic­o na medida em que expressões que fui acusado de proferir tais como ”...vou acertar-te o passo...” e “...vou tratar-te da saúde...” para além de serem sentenças que abomino pela pobreza intelectua­l e vulgaridad­e, jamais poderiam ser proferidas por mim pois eu não me dirijo a pessoas que não conheça bem ou por quem não nutra amizade, pelo pronome pessoal “tu” ou pelo menos com formulaçõe­s verbais conjugados nessa pessoa, e, invariavel­mente trato-as na terceira pessoa, por norma usando o seu nome precedido do substantiv­o senhor ou do cargo que detenha ou até da sua profissão. Na realidade o que fiz e disse - e não era com intenção de coagir física ou emocionalm­ente quem quer que fosse - foi num sentido de demonstrar a minha indignação pela falta de lealdade e respeito para comigo realçando que iria comunicar incessante­mente através dos mecanismos legal e socialment­e adequados, as irregulari­dades cometidas por essa pretensa ofendida criatura, às entidades tutelares e à sua entidade patronal. Efectivame­nte a expressão alegadamen­te ofensiva que usei foi a inocente e ambígua “… vou-lhe fazer a vida negra a partir de agora...” (...)

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