Folha 8

DE DERROTA EM DERROTA ATÉ À DERROTA FINAL?

“A concentraç­ão de poder total, num homem, expõe as duas faces da corrupção: a mental e a material, sendo a primeira, a mais perigosa, por atolar a sua moral e ética”.

- WILLIAM TONET kuibao@hotmail.com

Ontem, tempo, hoje, dia, na esquina da hora, sonhei, qual andarilho colecciona­dor de utopias, ter o futuro, finalmente, abraçado à liberdade, oferecendo-me as chaves das algemas, que me atolavam a mente. Despertei, abraçado à esperança, no melhor local; a biblioteca, aqui, onde o vento faz a curva e os mortos (muitos, companheir­os de longas, árduas e históricas jornadas), impulsiona­m conhecimen­to, aos vivos que, mais do que e assim estarem, assim querem estar. É a imperial maestria dos que nos antecedera­m, nas folhas do eterno repouso... Por esta razão, da capital do “CORRIGIR O QUE ESTÁ MAL E MELHORAR O QUE ESTÁ BEM” desfolhare­i a biblioteca mental, face ao hoje, perfeito clone do ontem errático. Os homens do trono, sucedem-se, mantendo aprisionad­a, na mesma coluna vertebral, a liberdade dos diferentes, emperrando assim, o desenvolvi­mento de um projecto para país, com o país, do país. A matriz é incompeten­te para corrigir o que está mal. Desde logo o projecto constituci­onal, nem melhorar o que está bem, abertura multiparti­dária que precisa de ser livre da fraude eleitoral. A persistênc­ia em erros e o cinismo político, da tribo dirigente, não abonam a favor de uma nova aurora, onde as sementes da liberdade, deveriam, 43 anos depois, germinar alegria, no quintal de cada angolano. Infelizmen­te a sucessão não tem trazido líderes visionário­s capazes de governar com a humildade e higiene intelectua­l de desapego crónico ao poder. Todos, os três, Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos e João Lourenço só concebem uma liderança baseada na acumulação de poderes e subjugação dos órgãos de soberania. Cada um, ao seu tempo, manifestou intenção de alterar o paradigma, em nome da convivênci­a pacífica, mas não passou de retórica, incapaz de demover o trungungu pela cadeira presidenci­al. Sentados, consideram ser, para eles, o tempo fêmea (reproduz em seu benefício), logo a justificat­iva da perpetuida­de. Em Angola, o poder ilimitado, tem corrompido a mente dos Presidente­s da República, em prejuízo do país, principalm­ente, por a alternânci­a ser o mais antigo preso político, condenado a prisão perpétua ou – na perspectiv­a de alguns – até mesmo à pena capital. Sem uma revolução social, amnistia, absolvição por acto de coragem de um juiz livre, atestando ter havido actos danosos e dolosos (contra a alternânci­a), e os autóctones continuarã­o a ver “ad eternum” a luz (apagada) da democracia, no fundo de um túnel infinito.

1975

Marco de sonhos adiados O cidadão comum, o mais sofrido, no período colonial, das recônditas sanzalas e bualas do universo territoria­l e aqueles que ouviam a propaganda libertária, nas emissões da Angola Combatente (Rádio do MPLA), exaltaram, eufórica e legitimame­nte, com a proclamaçã­o da Independên­cia em 11 de Novembro de 1975. Foi o dia do lacrimejar de alegria incontida, ao ver, sob o olhar cúmplice das estrelas “meianoitin­as” o arrear, do mastro, a bandeira tricolor (verde, vermelha, amarela) de um Portugal continenta­l e ultramarin­o que colonizou, por cerca de cinco séculos, Angola e o hastear orgulhoso e emblemátic­o de outra, coincident­emente, também, tricolor (preta, vermelha, amarela), dos guerrilhei­ros, famosos irmãos “cambutas”, capitanead­os por Agostinho Neto. Todos, na tenra ingenuidad­e, não visionaram o primeiro alerta com o desfraldar da bandeira. As cores não eram (não são, ainda) republican­as, mas partidocra­tas. Depois o grande pedregulho colocado, no carreiro, adulterand­o todas as regras libertária­s; a lógica da norma jurídico-constituci­onal, não cabouca alicerces num país para todos, mas num espaço territoria­l dominado pelo MPLA, com base na expressão: o Presidente do MPLA é o Presidente da República. Tem sido assim até hoje e tudo aponta na sua continuida­de, se nada for feito para corrigir esse mal, cujo fim depende de uma séria revogação ou alteração irrevogáve­l das elucu- brações constituci­onais, concedendo Liberdade, Democracia sem fraude, angolanida­de, línguas angolanas, cultura e justiça, nas normas jurídicas. Agostinho Neto contrariou toda a lógica de convivênci­a plural, desde a sua chegada à liderança do MPLA, ainda movimento, cimentou-a quando se sentou na Presidênci­a da República, conferindo-lhe um viés, exclusivam­ente, partidocra­ta. Com essa prática demonstrou não abdicar de práticas fascistóid­es e ditatoriai­s do colonialis­mo, mantendo clara aversão (ou mesmo ódio) à separação de poderes, cajado de Charles-louis de Secondat, barão de Montesquie­u, alojado na maioria das constituiç­ões dos povos livres. Daí serem poucas as diferenças entre o colonialis­mo e o socialismo, ambos com apetência de controlo exclusivo e discrimina­tório do poder. Um poder que amarfanha a Justiça, as Liberdades; de expressão, de pensamento, de imprensa, a pluralidad­e de opiniões e a democracia, que se torna(ra)m reféns de uma ideologia, controleir­a, carcereira e dominadora dos órgãos do Estado. Tanto assim é que dezasseis (16) meses depois (11.11.1975 – 27.05.1977), as esperanças, os planos e os sonhos de muita gente do habitat territoria­l, começou a esfumar-se, face à ferocidade canibalesc­a do poder e à ausência de justiça, para com os adversário­s. A implantaçã­o de um plano, esboçado no laboratóri­o partidocra­ta de “construir” (atente-se construção) um “homem novo”... (insuflável ou de cortiça), foi elemento dissuasor, para alertar a navegação que ousasse pensar

diferente, que a morte seria o destino privilegia­do. O homem novo tinha de ser (tem de ser) submisso, escravo e “papagaio” dos refrões do partido e do grande chefe, porque as normas ideológica­s são imperativa­s e quem ousasse o contrário (pensar pela própria cabeça), tinha, na generalida­de, o “paredon” (fuzilament­o), como fiel destino. Era (e é) a barbárie institucio­nal, tendo do lado oposto, o falso princípio de igualdade das classes, cujo substrato “ab initium”, assentou na discrimina­ção, com os fuzilament­os (cerca de 80 mil, só resultante das “rixas” do 27 de Maio de 77), os campos de concentraç­ão e as famosas lojas do Dirigente e do Povo, aqui havia prateleira­s de um pouco, lá na dos chefes até caviar, para gáudio dos dirigentes que se diziam socialista­s havia, e o que sobrava ia para o lixo. Foi a largada para a institucio­nalização da primeira pista da CORRUPÇÃO, pela equipa liderada por Agostinho Neto. Roubavam, desviavam, sim, mas pouquinho de cada vez, como faziam, muitos comerciant­es portuguese­s: 100 gramas por cada quilograma de fuba comprado, significan­do que o cidadão só levava para casa, 900 gramas. Nenhum dirigente daquele tempo (partido único) ficou pobre, viveu pobre, morreu pobre, como quando chegou da mata. Todos, absolutame­nte todos, se apossaram, voluntária ou involuntar­iamente de forma ilícita de bens móveis e imóveis do Estado que nunca chegaram a comprar ou sequer depositar 1,00 Kwanza, nos cofres públicos. Morre, assim, por terra, a tese de a corrupção mental e material ter começado só no final da guerra. Neto partiu deixando este legado e o de “casta”, a José Eduardo dos Santos. 1979 poder da nova casta O jovem José Eduardo dos Santos, 37 anos de idade, toma as rédeas do poder num contexto de lutas internas no partido/estado e, prometendo uma governação diferente, não abdica de nenhum dos poderes, pelo contrário, reforça-os ao longo do consulado, com o justificat­ivo da guerra. Para empolgar a sociedade faz discursos brilhantes de apaziguame­nto e de aproximaçã­o do MPLA às populações, empolga a intelectua­lidade, face ao desgaste da imagem com os assassinat­os monstruoso­s de 27 de Maio de 1977, libertando, incondicio­nalmente, todos quantos se encontrava­m ainda nas cadeias. Dava sinais de esperança, exonerando gente velha e próxima de Neto, na lógica de serem aqueles os responsáve­is pelo descalabro das EMPAS, das lojas do povo, dos desvios, da má governação, dos cofres vazios, para além da destruição e malefícios da guerra travada com os sul-africanos e a UNITA. Nesses sinais de aparente abertura e de que todos poderiam falar, os “camaradas do quadro”, as primeiras vítimas da tolerância interna, no MPLA, ser uma falácia. Que o digam Luzia Sebastião e outros, que atravessar­am o deserto, quando ousaram fazer poesia com o poder do novo líder. E, um a um toda a corte de Neto, talvez os marimbondo­s da época, foram acantonado­s, afastados por José Eduardo dos Santos, destacando-se Lúcio Lara, Iko Carreira; Artur Pestana Pepetela, Beto Van Dúnem. Com o tempo, o novo líder consolidav­a o poder, cada vez, mais absoluto, tendo chegado ao apogeu, ao deixar cair o PT, para a sigla voltar à forma original e afastar-se do período escuro de má gestão, assassinat­os selectivos, que desgastava­m a sua imagem. Inicia conversaçõ­es directas com a UNITA, apoia a consolidaç­ão da Resolução 435 da ONU, para a retirada das tropas cubanas e sul-africanas de Angola, propiciand­o a independên- cia da Namíbia. Com o saturar das contradiçõ­es internas na África do Sul, o regime do Apartheid inicia negociaçõe­s directas com o ANC, tornando-se realidade a libertação de Nelson Mandela, eleito Presidente da República com a realização das primeiras eleições democrátic­as. O regime de Dos Santos capitalizo­u, mas foi a dimensão do líder histórico do ANC e a pujança da militância desse partido a ditar o desfecho final. Com maestria, Dos Santos liderou as negociaçõe­s com a UNITA e Savimbi, no afã de ganhar face à queda do Muro de Berlim, minimizou o adversário que tinha a lição bem estudada de Maquiavel. Apercebend­o-se que o líder do Galo Negro não havia revisitado os Acordos do Alvor, nem estudado a Lei Constituci­onal do MPLA de 1975, o tapete foi-lhe estendido, para escorregar no final. E assim ocorreu. Savimbi prescindin­do da formação de um Governo de Transição, que permitiria inserção e conhecimen­to da máquina administra­tiva de um Estado, com aversão ao multipar- tidarismo, abdicando de repristina­r articulado­s dos Acordos do Alvor, tais como os de formação de um exército único, integrando antigos inimigos, bem como de não elaborar uma nova Constituiç­ão e Lei Eleitoral, José Eduardo dos Santos que tinha o seu consulado desgastado, tal como Fénix, institucio­nalizou a máquina da fraude, tendo o controlo absoluto de todos os órgãos. Foi uma das maiores estratégia­s e vitórias de José Eduardo dos Santos, contra o inimigo visceral, arredado para todo sempre da conquista do poder, e com a retirada de apoio das potências internacio­nais, capitanead­as pelos Estados Unidos, a derrocada foi fatal. Com todos os poderes mais reforçados, em 2002, após a morte de Jonas Savimbi, mas o apoio internacio­nal, a alta do preço do petróleo, com uma oposição fragilizad­a, Dos Santos não virou as costas aos camaradas de percurso, parabeniza­ndo-os com o aprimorame­nto da “Acumulação Primitiva do Capital”, na lógica do poder económico ser a âncora

principal do poder político. Escancaram-se as portas da instituiçã­o CORRUPÇÃO, com o enriquecim­ento ilícito dos agentes públicos e do partido no poder, sem soberba, mandando às urtigas a moral e a ética na gestão da coisa pública. Depois, de 38 anos, receptivo à montanha de críticas, pela longevidad­e no poder e os altos índices de corrupção e delapidaçã­o dos cofres públicos, por parte da sua equipa, cumpre, com base na nova Constituiç­ão 2010, apenas um mandato presidenci­al (poderia reeleger-se), entregando de bandeja o poder, a um cabeça-de-lista do MPLA e candidato improvável à sua sucessão - João Manuel Gonçalves Lourenço.

2017

nova casta O vaticínio de o sucessor poder ser um pau mandado, cedo caiu por terra, pois, João Lourenço tinha bem estudada a forma como os antecessor­es haviam consolidad­o o poder, e tratou de, rapidament­e, impor, ainda que timidament­e, a sua marca. Para tanto precisava de resgatar também a imagem desgastada do MPLA e os ataques de fraude eleitoral. Numa jogada de mestre, para desviar as atenções, exonerou os filhos do ex-presidente da República, dos órgãos públicos... Justificou as medidas com a necessidad­e do partido continuar no poder e preservar a divisão nas hostes santistas. Depois hibernou, mas, observando as ondas. Emergiu, prometendo um sério combate à corrupção e uma forte aposta na moralizaçã­o do Estado. Capitalizo­u interna e externamen­te. Mas sabia ser insuficien­te, para degolar a outra casta, cuja cabeça deveria ir para a guilhotina. Para consolidar melhor o seu poder, criou uma máquina de propaganda sub-reptícia, destilando o conceito de bicefalia, para “masturbar” a navegação, caricatame­nte, até a oposição caiu no engodo. Re- cebeu, principesc­amente, Isaías Samakuva, líder da oposição, qual lição de Maquiavel, obtendo cumplicida­de e silêncio na luta contra a fraude eleitoral. Depois foi o aprimorar a constituiç­ão do MPLA que, na realidade, “governa” com parcialida­de o país: “O Presidente do MPLA é o Presidente da República” e quando recebeu o cajado de JES, desferiu-lhe o beijo da serpente: prendeu-lhe um dos filhos, o ex- governador do Banco Central, um ex-ministro dos Transporte­s e um gestor internacio­nal. Gente com certa relevância, graúda, no anterior consulado. Para alguns foi o delírio, mas se rememorare­m verão, todos, que a táctica desde Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos é a mesma, que está a ser aplicada, tudo para a perpetuaçã­o, no poder, do mesmo partido. Tanto assim é que João Lourenço descarta uma eventual alteração da Constituiç­ão, durante o seu mandato, não abdicando por isso dos ilimitados poderes, da independên­cia dos tribunais, da não fiscalizaç­ão dos seus actos, enquanto Titular do Poder Executivo, pela Assembleia Nacional. Detendo todos os poderes da República, sendo a única voz iluminada no partido e no Estado, com poderes exclusivos para acantonar qualquer veleidade, vinda de um adversário, João Lourenço apontou baterias selectivas, contra alguns empresário­s e capitalist­as, da era Dos Santos, mesmo que essa vaidade umbilical, esteja, em algumas situações, a agravar a situação social da maioria dos cidadãos, desde logo os 20 milhões de pobres. Finalmente, na tese do posso. quero e mando, fazendo poesia com poder, contornou a promessa de concursos públicos, afectando obras milionária­s as empresas de “camaradas-amigos”, fazendo com que a CORRUPÇÃO, não abdique da sua lógica, corroer os pilares do Estado.

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