DE DERROTA EM DERROTA ATÉ À DERROTA FINAL?
“A concentração de poder total, num homem, expõe as duas faces da corrupção: a mental e a material, sendo a primeira, a mais perigosa, por atolar a sua moral e ética”.
Ontem, tempo, hoje, dia, na esquina da hora, sonhei, qual andarilho coleccionador de utopias, ter o futuro, finalmente, abraçado à liberdade, oferecendo-me as chaves das algemas, que me atolavam a mente. Despertei, abraçado à esperança, no melhor local; a biblioteca, aqui, onde o vento faz a curva e os mortos (muitos, companheiros de longas, árduas e históricas jornadas), impulsionam conhecimento, aos vivos que, mais do que e assim estarem, assim querem estar. É a imperial maestria dos que nos antecederam, nas folhas do eterno repouso... Por esta razão, da capital do “CORRIGIR O QUE ESTÁ MAL E MELHORAR O QUE ESTÁ BEM” desfolharei a biblioteca mental, face ao hoje, perfeito clone do ontem errático. Os homens do trono, sucedem-se, mantendo aprisionada, na mesma coluna vertebral, a liberdade dos diferentes, emperrando assim, o desenvolvimento de um projecto para país, com o país, do país. A matriz é incompetente para corrigir o que está mal. Desde logo o projecto constitucional, nem melhorar o que está bem, abertura multipartidária que precisa de ser livre da fraude eleitoral. A persistência em erros e o cinismo político, da tribo dirigente, não abonam a favor de uma nova aurora, onde as sementes da liberdade, deveriam, 43 anos depois, germinar alegria, no quintal de cada angolano. Infelizmente a sucessão não tem trazido líderes visionários capazes de governar com a humildade e higiene intelectual de desapego crónico ao poder. Todos, os três, Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos e João Lourenço só concebem uma liderança baseada na acumulação de poderes e subjugação dos órgãos de soberania. Cada um, ao seu tempo, manifestou intenção de alterar o paradigma, em nome da convivência pacífica, mas não passou de retórica, incapaz de demover o trungungu pela cadeira presidencial. Sentados, consideram ser, para eles, o tempo fêmea (reproduz em seu benefício), logo a justificativa da perpetuidade. Em Angola, o poder ilimitado, tem corrompido a mente dos Presidentes da República, em prejuízo do país, principalmente, por a alternância ser o mais antigo preso político, condenado a prisão perpétua ou – na perspectiva de alguns – até mesmo à pena capital. Sem uma revolução social, amnistia, absolvição por acto de coragem de um juiz livre, atestando ter havido actos danosos e dolosos (contra a alternância), e os autóctones continuarão a ver “ad eternum” a luz (apagada) da democracia, no fundo de um túnel infinito.
1975
Marco de sonhos adiados O cidadão comum, o mais sofrido, no período colonial, das recônditas sanzalas e bualas do universo territorial e aqueles que ouviam a propaganda libertária, nas emissões da Angola Combatente (Rádio do MPLA), exaltaram, eufórica e legitimamente, com a proclamação da Independência em 11 de Novembro de 1975. Foi o dia do lacrimejar de alegria incontida, ao ver, sob o olhar cúmplice das estrelas “meianoitinas” o arrear, do mastro, a bandeira tricolor (verde, vermelha, amarela) de um Portugal continental e ultramarino que colonizou, por cerca de cinco séculos, Angola e o hastear orgulhoso e emblemático de outra, coincidentemente, também, tricolor (preta, vermelha, amarela), dos guerrilheiros, famosos irmãos “cambutas”, capitaneados por Agostinho Neto. Todos, na tenra ingenuidade, não visionaram o primeiro alerta com o desfraldar da bandeira. As cores não eram (não são, ainda) republicanas, mas partidocratas. Depois o grande pedregulho colocado, no carreiro, adulterando todas as regras libertárias; a lógica da norma jurídico-constitucional, não cabouca alicerces num país para todos, mas num espaço territorial dominado pelo MPLA, com base na expressão: o Presidente do MPLA é o Presidente da República. Tem sido assim até hoje e tudo aponta na sua continuidade, se nada for feito para corrigir esse mal, cujo fim depende de uma séria revogação ou alteração irrevogável das elucu- brações constitucionais, concedendo Liberdade, Democracia sem fraude, angolanidade, línguas angolanas, cultura e justiça, nas normas jurídicas. Agostinho Neto contrariou toda a lógica de convivência plural, desde a sua chegada à liderança do MPLA, ainda movimento, cimentou-a quando se sentou na Presidência da República, conferindo-lhe um viés, exclusivamente, partidocrata. Com essa prática demonstrou não abdicar de práticas fascistóides e ditatoriais do colonialismo, mantendo clara aversão (ou mesmo ódio) à separação de poderes, cajado de Charles-louis de Secondat, barão de Montesquieu, alojado na maioria das constituições dos povos livres. Daí serem poucas as diferenças entre o colonialismo e o socialismo, ambos com apetência de controlo exclusivo e discriminatório do poder. Um poder que amarfanha a Justiça, as Liberdades; de expressão, de pensamento, de imprensa, a pluralidade de opiniões e a democracia, que se torna(ra)m reféns de uma ideologia, controleira, carcereira e dominadora dos órgãos do Estado. Tanto assim é que dezasseis (16) meses depois (11.11.1975 – 27.05.1977), as esperanças, os planos e os sonhos de muita gente do habitat territorial, começou a esfumar-se, face à ferocidade canibalesca do poder e à ausência de justiça, para com os adversários. A implantação de um plano, esboçado no laboratório partidocrata de “construir” (atente-se construção) um “homem novo”... (insuflável ou de cortiça), foi elemento dissuasor, para alertar a navegação que ousasse pensar
diferente, que a morte seria o destino privilegiado. O homem novo tinha de ser (tem de ser) submisso, escravo e “papagaio” dos refrões do partido e do grande chefe, porque as normas ideológicas são imperativas e quem ousasse o contrário (pensar pela própria cabeça), tinha, na generalidade, o “paredon” (fuzilamento), como fiel destino. Era (e é) a barbárie institucional, tendo do lado oposto, o falso princípio de igualdade das classes, cujo substrato “ab initium”, assentou na discriminação, com os fuzilamentos (cerca de 80 mil, só resultante das “rixas” do 27 de Maio de 77), os campos de concentração e as famosas lojas do Dirigente e do Povo, aqui havia prateleiras de um pouco, lá na dos chefes até caviar, para gáudio dos dirigentes que se diziam socialistas havia, e o que sobrava ia para o lixo. Foi a largada para a institucionalização da primeira pista da CORRUPÇÃO, pela equipa liderada por Agostinho Neto. Roubavam, desviavam, sim, mas pouquinho de cada vez, como faziam, muitos comerciantes portugueses: 100 gramas por cada quilograma de fuba comprado, significando que o cidadão só levava para casa, 900 gramas. Nenhum dirigente daquele tempo (partido único) ficou pobre, viveu pobre, morreu pobre, como quando chegou da mata. Todos, absolutamente todos, se apossaram, voluntária ou involuntariamente de forma ilícita de bens móveis e imóveis do Estado que nunca chegaram a comprar ou sequer depositar 1,00 Kwanza, nos cofres públicos. Morre, assim, por terra, a tese de a corrupção mental e material ter começado só no final da guerra. Neto partiu deixando este legado e o de “casta”, a José Eduardo dos Santos. 1979 poder da nova casta O jovem José Eduardo dos Santos, 37 anos de idade, toma as rédeas do poder num contexto de lutas internas no partido/estado e, prometendo uma governação diferente, não abdica de nenhum dos poderes, pelo contrário, reforça-os ao longo do consulado, com o justificativo da guerra. Para empolgar a sociedade faz discursos brilhantes de apaziguamento e de aproximação do MPLA às populações, empolga a intelectualidade, face ao desgaste da imagem com os assassinatos monstruosos de 27 de Maio de 1977, libertando, incondicionalmente, todos quantos se encontravam ainda nas cadeias. Dava sinais de esperança, exonerando gente velha e próxima de Neto, na lógica de serem aqueles os responsáveis pelo descalabro das EMPAS, das lojas do povo, dos desvios, da má governação, dos cofres vazios, para além da destruição e malefícios da guerra travada com os sul-africanos e a UNITA. Nesses sinais de aparente abertura e de que todos poderiam falar, os “camaradas do quadro”, as primeiras vítimas da tolerância interna, no MPLA, ser uma falácia. Que o digam Luzia Sebastião e outros, que atravessaram o deserto, quando ousaram fazer poesia com o poder do novo líder. E, um a um toda a corte de Neto, talvez os marimbondos da época, foram acantonados, afastados por José Eduardo dos Santos, destacando-se Lúcio Lara, Iko Carreira; Artur Pestana Pepetela, Beto Van Dúnem. Com o tempo, o novo líder consolidava o poder, cada vez, mais absoluto, tendo chegado ao apogeu, ao deixar cair o PT, para a sigla voltar à forma original e afastar-se do período escuro de má gestão, assassinatos selectivos, que desgastavam a sua imagem. Inicia conversações directas com a UNITA, apoia a consolidação da Resolução 435 da ONU, para a retirada das tropas cubanas e sul-africanas de Angola, propiciando a independên- cia da Namíbia. Com o saturar das contradições internas na África do Sul, o regime do Apartheid inicia negociações directas com o ANC, tornando-se realidade a libertação de Nelson Mandela, eleito Presidente da República com a realização das primeiras eleições democráticas. O regime de Dos Santos capitalizou, mas foi a dimensão do líder histórico do ANC e a pujança da militância desse partido a ditar o desfecho final. Com maestria, Dos Santos liderou as negociações com a UNITA e Savimbi, no afã de ganhar face à queda do Muro de Berlim, minimizou o adversário que tinha a lição bem estudada de Maquiavel. Apercebendo-se que o líder do Galo Negro não havia revisitado os Acordos do Alvor, nem estudado a Lei Constitucional do MPLA de 1975, o tapete foi-lhe estendido, para escorregar no final. E assim ocorreu. Savimbi prescindindo da formação de um Governo de Transição, que permitiria inserção e conhecimento da máquina administrativa de um Estado, com aversão ao multipar- tidarismo, abdicando de repristinar articulados dos Acordos do Alvor, tais como os de formação de um exército único, integrando antigos inimigos, bem como de não elaborar uma nova Constituição e Lei Eleitoral, José Eduardo dos Santos que tinha o seu consulado desgastado, tal como Fénix, institucionalizou a máquina da fraude, tendo o controlo absoluto de todos os órgãos. Foi uma das maiores estratégias e vitórias de José Eduardo dos Santos, contra o inimigo visceral, arredado para todo sempre da conquista do poder, e com a retirada de apoio das potências internacionais, capitaneadas pelos Estados Unidos, a derrocada foi fatal. Com todos os poderes mais reforçados, em 2002, após a morte de Jonas Savimbi, mas o apoio internacional, a alta do preço do petróleo, com uma oposição fragilizada, Dos Santos não virou as costas aos camaradas de percurso, parabenizando-os com o aprimoramento da “Acumulação Primitiva do Capital”, na lógica do poder económico ser a âncora
principal do poder político. Escancaram-se as portas da instituição CORRUPÇÃO, com o enriquecimento ilícito dos agentes públicos e do partido no poder, sem soberba, mandando às urtigas a moral e a ética na gestão da coisa pública. Depois, de 38 anos, receptivo à montanha de críticas, pela longevidade no poder e os altos índices de corrupção e delapidação dos cofres públicos, por parte da sua equipa, cumpre, com base na nova Constituição 2010, apenas um mandato presidencial (poderia reeleger-se), entregando de bandeja o poder, a um cabeça-de-lista do MPLA e candidato improvável à sua sucessão - João Manuel Gonçalves Lourenço.
2017
nova casta O vaticínio de o sucessor poder ser um pau mandado, cedo caiu por terra, pois, João Lourenço tinha bem estudada a forma como os antecessores haviam consolidado o poder, e tratou de, rapidamente, impor, ainda que timidamente, a sua marca. Para tanto precisava de resgatar também a imagem desgastada do MPLA e os ataques de fraude eleitoral. Numa jogada de mestre, para desviar as atenções, exonerou os filhos do ex-presidente da República, dos órgãos públicos... Justificou as medidas com a necessidade do partido continuar no poder e preservar a divisão nas hostes santistas. Depois hibernou, mas, observando as ondas. Emergiu, prometendo um sério combate à corrupção e uma forte aposta na moralização do Estado. Capitalizou interna e externamente. Mas sabia ser insuficiente, para degolar a outra casta, cuja cabeça deveria ir para a guilhotina. Para consolidar melhor o seu poder, criou uma máquina de propaganda sub-reptícia, destilando o conceito de bicefalia, para “masturbar” a navegação, caricatamente, até a oposição caiu no engodo. Re- cebeu, principescamente, Isaías Samakuva, líder da oposição, qual lição de Maquiavel, obtendo cumplicidade e silêncio na luta contra a fraude eleitoral. Depois foi o aprimorar a constituição do MPLA que, na realidade, “governa” com parcialidade o país: “O Presidente do MPLA é o Presidente da República” e quando recebeu o cajado de JES, desferiu-lhe o beijo da serpente: prendeu-lhe um dos filhos, o ex- governador do Banco Central, um ex-ministro dos Transportes e um gestor internacional. Gente com certa relevância, graúda, no anterior consulado. Para alguns foi o delírio, mas se rememorarem verão, todos, que a táctica desde Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos é a mesma, que está a ser aplicada, tudo para a perpetuação, no poder, do mesmo partido. Tanto assim é que João Lourenço descarta uma eventual alteração da Constituição, durante o seu mandato, não abdicando por isso dos ilimitados poderes, da independência dos tribunais, da não fiscalização dos seus actos, enquanto Titular do Poder Executivo, pela Assembleia Nacional. Detendo todos os poderes da República, sendo a única voz iluminada no partido e no Estado, com poderes exclusivos para acantonar qualquer veleidade, vinda de um adversário, João Lourenço apontou baterias selectivas, contra alguns empresários e capitalistas, da era Dos Santos, mesmo que essa vaidade umbilical, esteja, em algumas situações, a agravar a situação social da maioria dos cidadãos, desde logo os 20 milhões de pobres. Finalmente, na tese do posso. quero e mando, fazendo poesia com poder, contornou a promessa de concursos públicos, afectando obras milionárias as empresas de “camaradas-amigos”, fazendo com que a CORRUPÇÃO, não abdique da sua lógica, corroer os pilares do Estado.