DEPOIMENTOS SOBRE O DIA DA CULTURA NACIONAL
A CULTURA NÃO PEDE «GENTE FINA»; PEDE GENTE CAPAZ DE SUJAR A ROUPA
Assinalou-se a 8 de Janeiro, o Dia da Cultura Nacional. O Folha8 ouviu a opinião de três fazedores de arte, nomeadamente: Hélder Simbad, escritor, crítico de arte e coordenador do Movimento Litteragris, António Feliciano “Kidá” artista plástico e antigo director nacional de formação artística do Ministério da Cultura e Sophia Buco, actriz e produtora de teatro.
STEXTO DE HÉLDER SIMBAD* (LITTERAGRIS) abendo-se que Angola é um país multiétnico e consequentemente multilíngue, as expressões «cultura nacional» e «cultura angolana» seriam hiperónimos das mais variadas culturas que compõem o nosso mosaico cultural, constituindo-se como abstracções – com ramificações na sociolinguística – que dariam origem a expressões como Cultura ambundu, Cultura Bacongo, Cultura Cokwe, Cultura Ovimbundu etc., pois, o que temos é indubitavelmente um conjunto de culturas que se vão influenciando e recebendo elementos de outras culturas. «Cultura nacional» e «cultura angolana» funcionam como ferramentas políticas que pregam – com «sucesso» – se quisermos comparar Angola com outros países nos quais os conflitos étnicos se evidenciam ano apôs anos – a unidade e a coesão dos povos de Angola dentro dessa diversidade cultural ou pluralidade de culturas. Em todos os dias 8 de Janeiro, celebra-se o dia da «Cultura Nacional»: uma data que, pelo que temos vindo a observar, nos parece ser «exclusiva» para «reflexão» e reconstrução de utopias. A cultura não pode ter uma data-excepção para que se lhe seja levada à reflexão. A cultura é agora porque ela caminha connosco e a todo o instante. Ela, a cultura, não pede «gente fina»; pede, pelo contrário, gente disposta a colocar a mão na massa, gente capaz de sujar a roupa, gente que dê corpo ao manifesto – a cultura pede «militância», minhas senhoras e meus senhores. Que fique claro que não nos referimos à militância partidária; referimo-nos à devoção que se exige quando se ocupa qualquer cargo de direcção. Ninguém pode estar feliz com o estado actual da nossa cultura: um ministério com bastantes limitações; uma indústria cultural que se resume à música e ainda assim se nos afigura pobre; uma imprensa (televisiva e radiofónica) em cuja grelha de programação, numa escala de 90 %, o entretenimento é diariamente matéria de destaque, colocando-se os programas culturais num «terceiro mundo» de «curtitos» episódios quinzenais e por vezes mensais, repetidos por anos, como se não houvessem outros factos culturais, num país de CULTURAS. E mesmo na tal imprensa escrita que seria a tábua de salvação do jornalismo contempo- râneo não se lêem com alguma frequência reportagens que nos levam a conhecer as culturas nacionais. São sempre marimbondos aqui, marimbondos acolas, como se a vida se resumisse à política. Mas não é a política que constrói a sociedade?! Em termos de bolsas de investigação, se é que existe, o melhor é não tecer comentários face ao estado de morbidez. Dá-se a conhecer uma cultura quando há investigação, quando ela é estudada «in loco» por grupos de pesquisa. Fala-se do monstro da crise financeira, mas quem co- nhece a força da «cultura» sabe o que ela pode dar aos cofres do estado. Dizendo essas coisas, levantar-se-ão outros problemas e concluiremos que muita coisa vai mal ou quase tudo. * Escritor. Vencedor do Prémio Literário António Jacinto 2017