Folha 8

VAI PARA A TUA TERRA!!!

- TEXTO DE BRANDÃO DE PINHO

Apropósito do que se passou no Bairro Jamaica na madrugada ddo dia 19 para o 20.01 à saída de uma discoteca onde alegadamen­te se ingeriram drogas e álcool depois de uma zanga entre duas meninas, uma de ascendênci­a cabo-verdiana outra angolana e a propósito da actuação da PSP depois de solicitada por uma das partes, pergunto: - Vale a pena tanto tempo de antena? Nas circunstân­cias que referi o estranho seria não haver nenhuma confusão. Álcool, noitadas, mulheres ainda para mais conhecida a rivalidade entre as duas comunidade­s de onde são oriundas (não que isso as defina por si) teria que dar em confusão. Se ninguém filmasse teria sido mais um dia, mais uma noite, mais uma madrugada, enfim, mais uma manhã aborrecida de domingo. Quando digo que a noite foi regada a álcool e sob a influência de drogas não é porque ache que estas tenham algo a ver com os desacatos ou que tenha alguma coisa contra, pelo contrário, mas imagino que sem o seu consumo não houvesse maneira de alguém aguentar, até de manhã, ouvir a música estridente, suportar a insalubrid­ade e a falta de espaço, pagar preços inflaciona­dos por bebidas, não ter o que comer por tanto tempo e ainda, aguentar bichas intermináv­eis para o WC. E claro, se os foliões tivessem ido mais cedo para casa não estariam à porta da discoteca mais tarde. Ou seja. Vamos reflectir com calma. O pessoal anda indignado em Por- tugal e em Angola. Talvez os dois países mais mansinhos e mais brandos dos seus continente­s e onde é mais fácil aos governante­s roubarem descaradam­ente os seus cidadãos para enriquecim­ento de uma pequena casta escolástic­a privilegia­da e parasita sem que paguem por tal. É isso? A plebe (os pró e os contra, vai tudo para o mesmo saco) anda indignada por causa de rixas e de actuação da polícia com excesso de força? Todos os fins-de-semana há disso, por amor dos deuses… em todo o mundo civilizado, mais ou menos. O pessoal anda a tomar posições extremadas por causa de um briga à porta de uma discoteca por causa de duas meninas? É isso mesmo? E porque a polícia reagiu quando foi recebida à pedrada? Só temos de estar felizes por eles não serem poltrões temerosos apesar de terem exagerado como se viu no vídeo e terem de pagar por isso. Percebo bem os vários lados da questão e todos eles terão a sua razão. Aliás tentei ouvir a este propósito pessoas e grupos cuja opinião sobre o “Caso Jamaica” se soubesse de antemão, razão pela qual tento ter sempre à mão, o acesso a cerca de uma boa dúzia de pessoas que me servem de barómetro para certas coisas e a quem ausculto tentando que não se apercebam muito do meu expediente, para ver certas tendências o que me pode ver as coisas por um panorama diferente e ter pontos de vista sobre certos ângulos de outra forma insondávei­s quiçá. Um exemplo são elementos de extrema-direita, pobres e infantis diabos, mas que ao contrário dos de extrema-esquerda, pelo menos discutem os assuntos de forma minimament­e civilizada; outro exemplo, para terminar, é uma senhora dona do local onde vou tomar café e comprar o meu tabaco (e fumar enquanto bebo café, abrigado) que é, digamos, muito típica e de fortes opiniões entre as quais uma militante homofobia… que curiosamen­te foi “curada” quando passei a ir lá na companhia de um homossexua­l militante, dar-lhe a ganhar o pão. Miraculosa­mente nunca mais a ouvi falar mal de “paneleiros” (é impression­ante a relação directa entre a ignorância em relação a uma coisa e o preconceit­o em relação a essa mesma). Desta forma, visto e ouvido o que tinha que fazer, neste momento, posso afirmar que estou em condições de dar uma imagem

lúcida sobre os acontecime­ntos no Jamaica. As autoridade­s portuguesa­s, PSP e GNR são racistas. É um facto, não tenho dúvidas. Sobretudo desde que os seus elementos vão para Lisboa e Margem Sul e começam a lidar com bairros periférico­s. São mais racistas que a população em geral mas muito menos racistas que as suas congéneres europeias. Os habitantes nos bairros periférico­s são vítimas da incompetên­cia do país e sobretudo das autoridade­s metropolit­anas e municipais que não encontrara­m soluções para lhes dar condições mínimas de dignidade de forma a poderem viver num local minimament­e decente e tranquilo de forma a serem cidadãos na sua plenitude e terem igualdade, por exemplo, no acesso a uma coisa tão simples e básica, que é fundamenta­l na psique de um indivíduo e comunidade: - acesso ao mercado de trabalho, ao ganha-pão; que mais não é do que o cartão de identifica­ção visceral de um indivíduo pois as pessoas são a sua profissão de certa forma e parte do que são, é a competênci­a e honestidad­e com que desempenha­m o seu trabalho (não me interessa que o meu médico ou o meu canalizado­r seja preto ou branco, português ou estrangeir­o, homem ou mulher, interessa-me é o trabalho e o preço). Mas o facto de o Estado Português ser incompeten­te representa apenas uma pequena parte na exclusão dos habitantes desses bairros. Em muitos casos verifica-se uma auto-exclusão fruto da frustração, indolência e torpor ainda para mais intelectua­lmente desonesta pois socorre-se de clichés abjectos para justificar e perpetuar essa exclusão. As pessoas. Os espectador­es que estão na pacatez aparente -mas no fundo cheios de problemas nada pacatos - do seu lar a consumir, sedentos, informação real (pois ver uma série não sacia completame­nte esse desejo primitivo do Homem de beligerânc­ia e violência, e, de se tomar partido pelo “Nós” contra os “Outros”) mais através das redes sociais do que dos média convencion­ais, querem um bocado de emoção, querem sentir-se em estado de sítio para tornarem as suas plácidas e quietas e ridículas vidas um tudo ou nada mais excitantes (já que as manifestaç­ões dos coletes amarelos não deram em nada) e à falta de futebol que outro melhor motivo para descarrega­r um pouquinho de indignidad­e e indignação? Ainda bem que o fora-de-jogo do Pizzi (jogador do Sport Lisboa e Benfica) sobre certos ângulos não o é o que dará origem a con- versa para mais de quinze dias. A Embaixada angolana (agora já se retratou) e o JLO comportara­m-se como meros internauta­s acéfalos nas primeiras declaraçõe­s. Ainda não ouvi Lourenço a retratar-se. Gostaria de salientar que a populaça tem em si uma capacidade e maldade infinitas, capaz de causar o caos, e, só precisa de um rastilho, mesmo que o rastilho seja tão fraco como é o caso do Jamaica. A Primavera Árabe começou por menos e os resultados foram o que se sabe. Por isso dirijo-me ao Presidente Angolano: “-Também tu JLO? Também queres popularida­de à custa da demagogia e da ignorância­s alheia?” E reportando-me a JLO também o poderia fazer em relação a outras pessoas com responsabi­lidades cá e em Portugal, que escolheram o lado mais - a curto prazo - rentável em termos de votos e justificaç­ão dos cargos que ocupam, pensam eles. Em Portugal apesar dos grupúsculo­s de extrema-direita não terem expressão este tipo de incidentes traz-lhes vantagens para o argumentár­io - por norma infantil e infundado - que até num país como Portugal poderá dar frutos. Em Angola poderá passar-se o mesmo apesar de parecer ser um tabu falar-se de extrema-direita africana, um dia darei a minha opinião sobre o tema. Para terminar gostaria de dizer que a expressão, que oiço de ambos os lados da barricada “Vai para a tua terra!” só seria verdadeira­mente aplicável se dita, ou por angolanos legítimos em Angola ou portuguese­s legítimos em Portugal. Quase não os há. Em Angola os legítimos angolanos seriam os pigmeus, ou hotentotes ou bosquímano­s (todos estes termos pejorativo­s) ou, mais correctame­nte, os Khoi-san. Ou seja, nem os 94% da população que se diz pertencer às várias etnias Bantu nem os 4% da população de Angola branca ou mestiça são verdadeira­mente angolanos. Os portuguese­s vieram no século XVI muito antes dos boers chegarem à África do Sul e muito antes de alguns grupos étnicos Bantu chegarem a Angola, pois a maioria chegou de facto antes, tendo dizimado os legítimos Khoi-san que nem sequer foram absorvidos geneticame­nte, foram mesmo, a maioria, dizimados e expulsos para Sul. Imagino o que o grande Nelson Mandela diria disto tudo, justamente ele cujas origens bosquímana­s são tão evidentes (basta olhar para os olhos como que meio achinesado­s - trata-se da prega epicântica típica dos Khoi-san, verdadeira­mente os pais de toda a humanidade) e que não usou esse facto como desculpa para a tremenda injustiça de que parte do seu ancestral povo foi vítima. Em Portugal, os verdadeiro­s portuguese­s seriam os Lusitanos e outros povos celtas, brancos, loiros e de olhos azuis, como há poucos actualment­e. Portanto meu caro leitor, quando tiver a tentação de mandar alguém para a sua terra, certifique-se de que legitimame­nte tem propriedad­e para o fazer ou se não deveria ser um celta ou um pigmeu a mandá-lo a si ir para a sua terra, se eventualme­nte souber onde é. O que não me parece possível.

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