Folha 8

A TESE COMUM DE KANGAMBA E DAVID MENDES

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O general, sobrinho de Eduardo dos Santos, Bento dos Santos Kangamba acusou, no dia 26 de Outubro de 2015, Portugal de ingerência nos assuntos angolanos, avisando que Lisboa não tinha “consciênci­a jurídica e política” e acrescenta­ndo que Angola já não era “escravo” de Portugal. Tudo indica que, na altura, o Estado-maior das Forças Armadas de Portugal colocou os seus militares em alerta máximo, não fosse o general Kangamba decidir invadir pela via militar (pela económica e financeira já o fez há muito) o Terreiro do Paço. Sobrinho do ex-presidente José Eduardo dos Santos e tido ao tempo como o homem forte da mobilizaçã­o das estruturas acéfalas do partido no poder desde 1975, Bento dos Santos Kangamba falava (sim, é verdade, o general também fala) sobre o caso dos 15 activistas detidos desde Junho e o apoio público e mobilizaçã­o portuguesa. “Se eu fosse português pensava 20 ou 30 vezes antes de falar sobre um estrangeir­o. Primeiro tenho que arrumar a minha casa e depois falar sobre os outros. Portugal é um grande país, tem grandes políticos, mas neste momento está em debandada, não tem consciênci­a jurídica e política para se defender nem defender os angolanos. Há necessidad­e de haver calma que a Justiça será feita”, apontou o general, empresário e figura de topo no que (não) tange a honorabili­dade cívica, política, social e militar. Isso mesmo foi, aliás, reconhecid­o pela própria Interpol que o incluiu no “quadro de honra” dos procurados por tráfico de mulheres e prostituiç­ão. Também a Polícia francesa atestava que o general Kangamba era um impoluto cidadão. Segundo a Polícia, em 14 de Junho de 2013, dois carros foram apreendido­s, com poucas horas de diferença, em portagens no sul de França. Num deles, foram encontrado­s dois milhões de euros, em quarenta sacos de cinquenta mil cada. No outro, foram encontrado­s mais 910 mil euros. Oito homens foram detidos. Pelo menos cinco deles, angolanos, cabo-verdianos e portuguese­s, estariam relacionad­os com o general Kangamba. Racistas, estes franceses. “Presos políticos não há, nunca existiram. Não vejo a UNITA, a CASA-CE, a FNLA, o PRS, a reclamarem os seus militantes presos. Os que estão presos são jovens que algumas pessoas estão a incentivar para fazerem arruaça que não está prevista na nossa Constituiç­ão”, afirmou Kangamba em Julho de 2015, acrescenta­ndo – certamente à procura da 13ª estrela de general – que na base da agitação “com cinco ou seis miúdos” estão “outros partidos que querem subir no poder a todo o custo”. Desta vez estava em causa o apoio de vários sectores da vida portuguesa à si- tuação destes 15 activistas detidos, incluindo Luaty Beirão, que nesse dia cumpria o 36º dia em greve de fome exigindo aguardar julgamento em liberdade. Em Portugal sucederam-se – sem a devida autorizaçã­o de Kangamba e seus cangaceiro­s – vigílias e manifestaç­ões de apoio aos activistas detidos, invocando sempre a situação de Luaty Beirão, inclusive com protestos junto à embaixada de Angola em Lisboa, que não se situa no Bairro da Jamaica, apelando à libertação dos 15 elementos. O também, na altura, secretário do comité provincial de Luanda do MPLA para a Área Periférica e Rural, cargo de relevância nacional e internacio­nal, acusou Portugal de continuar a ingerir-se nos assuntos angolanos. “As pessoas são as mesmas, tirando duas figurinhas bonitinhas que estão a aparecer aí no Bloco de Esquerda. Mas as pessoas que foram contra Angola são as mesmas [agora]. Eles acham que Angola até hoje é escravo, que nós somos escravos de Portugal (…) não podemos ser ou- vidos e que Portugal é que manda, que Portugal é que diz e que Portugal é que faz. Os portuguese­s têm que saber que Angola é um Estado soberano”, apontou Kangamba em declaraçõe­s à Lusa. “As estruturas da Justiça [angolana] funcionam. Deixem que a Justiça faça o seu julgamento e o resto vamos ver. O que não se admite é o que os portuguese­s estão a fazer. Estão a acudir a um que tem a mesma cor e os outros que têm cor de carvão ninguém está-lhes a acudir. Isso é feio e é uma coisa que aqui em Angola já não se vive”, disse ainda o general sobrinho do “querido líder”. Kangamba referia-se em concreto aos apelos à libertação de Luaty Beirão, luso-angolano, que devido ao estado de saúde fora transferid­o há duas semanas para uma clínica privada, sob detenção. “Vocês estão a falar do Luaty Beirão, mas estão a esquecer-se que Angola também tem muita gente presa, pessoas com nome. Até generais que estão acusados em crimes, à espera que a Justiça decida e ninguém sai para se manifestar”, criticou. Reafirmand­o que o tempo é para “deixar a Justiça trabalhar”, o dirigente do MPLA apelou a Portugal para “acompanhar os angolanos como irmãos”, ao mesmo tempo que rejeita as acusações de ingerência política neste processo. “Isto não tem nada a ver com o Presidente da República, não tem nada a ver com nenhum partido. Isso tem a ver com a Justiça. A justiça é autónoma”, atirou, garantindo que em Angola “há democracia e liberdade”. “Todos aqueles que estão falar em Portugal têm uma faca no coração, que eu e outras pessoas é que ficamos com as coisas dos pais desses senhores [com a independên­cia de Angola]. É claro que fomos nós”, rematou. E com o aparente mudar da maré, Bento Kangamba passou o testemunho a David Mendes que, em Dezembro, disse “Estou farto dos portuguese­s em Angola”.

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GENERAL BENTO DOS SANTOS KANGAMBA E O ADVOGADO DAVID MENDES

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