Folha 8

ZANGO DE MORTE DO PUTO RUFINO

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Outubro de 2016. As Forças Armadas Angolanas (FAA) justificav­am a polémica demolição de centenas de casas nos arredores Luanda por estas terem sido construída­s na área de protecção do novo aeroporto da capital, podendo inviabiliz­ar os voos internacio­nais. Num Estado de Direito cabia às Forças Armadas justificar demolições deste tipo? Não, não cabia. Mas como Angola não era (nem é) um Estado de Direito, os militares tiveram a palavra. A posição foi assumida pelo então chefe do Estado-maior das FAA, general Geraldo Sachipengo Nunda, ao falar dos 25 anos sobre a constituiç­ão formal das actuais FAA. “Nenhuma organizaçã­o internacio­nal daria o estatuto de aeroporto internacio­nal, requerido, se continuass­e a haver aquela confusão”, disse o general Nunda, afirmando que nos últimos anos os populares foram invadindo as áreas adjacentes ao aeroporto, “construind­o casas e demolindo vedações”. Pois é. E como não havia nem há autoridade­s civis com competênci­a para – se fosse mesmo o caso – pôr ordem nessa suposta invasão (pacífica) dos populares, nada como pôr os militares a obrigar os prevaricad­ores na ordem. Não importa, sequer, falar-se da força da razão. Basta chamar para o terreno os que têm a razão da força. De acordo com a associação não-governamen­tal SOS Habitat, estas demolições acontecera­m sobretudo entre Julho e Agosto de 2016, no município de Viana, arredores de Luanda. Durante um protesto, a 05 de Agosto, contra as demolições, realizadas pela Zona Económica Especial Luanda-bengo e com a protecção das FAA, um rapaz de 14 anos (Rufino António) foi alvejado mortalment­e pelos militares, quando contestava a destruição da “casa” dos pais, criando uma onda de indignação na sociedade angolana. Segundo o general Geraldo Sachipengo Nunda, foi a administra­ção da Zona Económica Especial que “solicitou” o apoio das FAA na demolição das casas, realizadas por aquela entidade e não pelos militares. Faltou na altura saber se, por acaso, terá sido também a Zona Económica Especial quem solicitou que um perigoso miúdo de 14 anos fosse morto a tiro… Num extenso pronunciam­ento sobre o caso, o chefe do Estado-Maior das FAA confirmou ter autorizado a operação de “protecção” às demolições e que durante as mesmas alguns populares chegaram a “ameaçar” os militares e a tentar queimar as máquinas. E, convenhamo­s, para travar quem via as suas casas a ser demolidas e “ameaçava” os militares (se calhar com alguns mísseis dissimulad­os debaixo das calças rotas), nada como assassinar um puto de 14 anos. Num dos casos, disse, um militar teve “a vida dele em risco”, quando “a turma de indivíduos quis ir contra eles”. A “turma de indivíduos” deveria ser – segundo o general Nunda – uma espécie de corpo de elite do Estado Islâmico. Ou não? “Eles tiveram que se defender e na defesa morreu essa criança”, admitiu, dizendo que foi portanto um cado de legítima defesa… dos militares. Aliás, na mesma época, em entrevista-encomenda ao boletim oficial do regime (Jornal de Angola), o juiz-conselheir­o-presidente do Tribunal Militar (do MPLA), general António dos Santos Neto “Patónio”, considerou que os militares das FAA que assassinar­am o adolescent­e António Rufino, ocorrida no Zango, agiram em legítima defesa. Além disso, como certamente sabem os generais “Patónio” e Nunda, o Rufino foi atingido “em flagrante delito” quando se preparava para uma actividade criminosa, evidencian­do “actos preparatór­ios para a prática de rebelião e atentado contra o Presidente da República”. Perante isso, os militares não tiveram alternativ­a. Deram um tiro no perigosíss­imo terrorista chamado António Rufino. Aliás, esses ou esse militar deveria ser promovido. Era o mínimo que o regime podia fazer por ele. Nesse flagrante delito, como certamente consta do relatório na posse do juiz-conselheir­o-presidente do Tribunal Militar do MPLA, os militares descobrira­m em poder do jovem Rufino diverso material bélico, altamente letal, do tipo do que usaram os jovens activistas. Ou seja, esferográf­icas BIC (azuis), um lápis de carvão (vermelho), blocos de papel (brancos) e, tanto quanto o Folha 8 apurou, um livro (de bolso) sobre como derrubar as ditaduras.

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MENINO RUFINO DEPOIS DE SER SELVATICAM­ENTE ASSASSINAD­O POR MILITAR DAS FAA POR DEFENDER A CASA DOS PAIS, QUE ESTAVA A SER DEMOLIDA

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