DA FALOCRACIA AO JOGO DE SOMA-ZERO?
Ao dia 26 de Setembro de 2017, após o discurso de tomada de posse do actual Presidente da República de Angola, se terá instalado um rastro contínuo de hossana nas alturas, vivas e uivos inefáveis. Esta euforia incontida de bacocos, não permitiu até agora, a compreensão do processo complexo que está em marcha. “PR mostra-se incómodo com uma possível revisão constitucional”
Está em curso uma sucessão de opções políticas sem precedente, a julgar pela sua proporção e contexto interno e internacional. Sendo certo que está em causa um fenómeno ou fenómenos simultâneos e sucessivos, torna a realidade abstruso. Esta complexidade impele-nos necessariamente a uma análise fora dos critérios simplistas. Assim, as linhas que seguem, não analisarão a situação presente no seu todo. O foco é compreender o comportamento do Presidente à luz da concepção de duelo e a reacção dos “objectos” desempre no percurso histórico de Angola, o povo.
Ainda assim, não é suficiente encapsular os epifenómenos
na estrutura epistemológica referida (concepção de duelo), com o escopo de compreender o sentido e a raiz mais profunda do que está em causa. Se estamos diante de uma empreitada abscôndita, é para aqui chamada uma opção teórico-metodológica à altura do embate: pensamento complexo hologramático (Edgar Morin), num misto com o método de análise de conjuntura na visão do sociólogo Herbert de Souza. De acordo com o antropólogo e filósofo Edgar Morin, é um erro analisarmos e tentarmos compreender a realidade, seja de que natureza for, desde uma perspectiva unívoca e autoreferente.
A compreensão mínima da realidade que Angola está a viver nesta era, pressupõe análises ponderadas. Tal ponderação passa por olhar vários ângulos e perspectivas da realidade. Não estamos a dizer que a análise à luz do pensamento complexo e hologramático são infalíveis. Simplesmente parece ser o estofo metódico e conceptual mais adequando de compreensão da realidade na era das incertezas. Não estamos a defender a verdade total. Theodor Adorno diria que « a totalidade é a não verdade » .
A introdução da dimensão hologramática no método pensamento complexo é uma escolha analógica. E alerta- nos para evitarmos análise total e absolutamente especializadas como caminho seguro em busca da “verdade”. Claro, verdade provisória, questionável, falível e efémera. É mister evitar a simplificação e simplismo bacoco.
Sobre o holograma como parte constitutiva do pensamento complexo, como método de compreensão e análise da realidade, a obra, Introdução ao Pensamento Complexo vai mais longe, dizendo que num holograma, o ponto mais pequeno da imagem do holograma contém a quase- totalidade da informação do objecto representado. Não apenas a parte está no todo, mas o todo está na parte. O princípio hologramático está presente no mundo sociopolítico a par doutros mundos. A ideia do holograma ultrapassa, quer o reducionismo que só vê as partes, quer o holismo que só vê o todo. É análoga a ideia formulada por Pascal: « não posso conceber o todo sem conceber as partes e não posso conceber as partes sem conceber o todo».
Se não perdermos de vista que o homem é produto do seu meio e do seu percurso histórico, facilmente poderemos compreender Lourenço na lógica do pensamento complexo. E daqui resultará uma inferência mais ou menos segura sobre o seu comportamento e do que dele se pode esperar com realismo e razoabilidade. Lourenço é somente a parte. Ou seja, é um produto e fragmento do sistema com o qual não estabeleceu ruptura. A parte subordina- se ao todo. A parte partilha a mesma natureza do todo! «Os modos simplificadores do conhecimento mutilam mais do que exprimem as realidades ou os fenómenos que relatam, se se tornar evidente que produzem mais confusão que esclarecimento » , afirma Morin.
Se a sociedade é esta rede complexa de forças e contra forças em jogo, então, o entendimento e análise da realidade política intricada com múltiplas esferas, não se compadece com charlatanismo. É necessário o uso das ferramentas básicas de análise que a ciência tem disponíveis. Lembremos que o pensamento complexo entende que a realidade, os fenómenos são marcados por categorias como a incerteza, ambiguidade, acaso, ordem e desordem. Estas categorias expressam a arquitectura da sociedade.
Para tornar este emaranhado minimamente inteligível, requer o auxílio do método de análise de conjuntura. Na sua obra, Como se Faz Análise de Conjuntura, Herbert de Souza, terá chamado atenção sobre a necessidade de estarmos atentos ao fluxo de factos e fenómenos sociais. Distinguir o essencial do acidental. Separar o necessário e o acaso. Em suma, uma boa análise de conjuntura, pressupõe a capacidade de separar factos genuínos e fenómenos fabricados em laboratório para a distracção dos cidadãos em relação ao essencial. Para a análise da realidade, é preciso identificar as seguintes categorias que estão em jogo e podem levar o país para certa direcção: acontecimentos, cenários, actores, relação de forças e articulação/relação entre estrutura e conjuntura. Propomos ao leitor uma paragem. Releia o parágrafo anterior e coloque a si mesmo as seguintes questões: quais os grandes acontecimentos reais e não fabricados em Angola? Quais são os actores em jogo? Tendo em conta a forma como chegou ao poder, Lourenço é actor ou figurante? Diante deste cenário, relações de força entre estrutura, conjuntura e actores o que é que pode acontecer de bom para o interesse comum? Quem realmente pode mudar a estrutura e as relações desequilibradas de poder? Há pelo menos cinco gestos/acções concretas que coincide com os discursos de Lourenço? Porquê não apresenta a sua declaração de bens se quer combater a corrupção? Se quer uma imprensa livre, porquê os órgãos públicos continuam selectivos nos intervenientes, e ficcionam uma figura do presidente impoluto e messiânico? O que está por detrás de acções presidenciais não substanciais, que não geram a mudança de cultura política e reforma séria do Estado? Todas as suas acções até ao presente momento abalam a captura do estado pelo seu partido? A compreensão do que se está a passar, remete-nos aos primórdios em que o batuque do poder pós-colonial começou a tocar de forma descontrolada.