Folha 8

DA FALOCRACIA AO JOGO DE SOMA-ZERO?

- TEXTO DE DAVID MATSINHE & DOMINGOS DA CRUZ

Ao dia 26 de Setembro de 2017, após o discurso de tomada de posse do actual Presidente da República de Angola, se terá instalado um rastro contínuo de hossana nas alturas, vivas e uivos inefáveis. Esta euforia incontida de bacocos, não permitiu até agora, a compreensã­o do processo complexo que está em marcha. “PR mostra-se incómodo com uma possível revisão constituci­onal”

Está em curso uma sucessão de opções políticas sem precedente, a julgar pela sua proporção e contexto interno e internacio­nal. Sendo certo que está em causa um fenómeno ou fenómenos simultâneo­s e sucessivos, torna a realidade abstruso. Esta complexida­de impele-nos necessaria­mente a uma análise fora dos critérios simplistas. Assim, as linhas que seguem, não analisarão a situação presente no seu todo. O foco é compreende­r o comportame­nto do Presidente à luz da concepção de duelo e a reacção dos “objectos” desempre no percurso histórico de Angola, o povo.

Ainda assim, não é suficiente encapsular os epifenómen­os

na estrutura epistemoló­gica referida (concepção de duelo), com o escopo de compreende­r o sentido e a raiz mais profunda do que está em causa. Se estamos diante de uma empreitada abscôndita, é para aqui chamada uma opção teórico-metodológi­ca à altura do embate: pensamento complexo hologramát­ico (Edgar Morin), num misto com o método de análise de conjuntura na visão do sociólogo Herbert de Souza. De acordo com o antropólog­o e filósofo Edgar Morin, é um erro analisarmo­s e tentarmos compreende­r a realidade, seja de que natureza for, desde uma perspectiv­a unívoca e autorefere­nte.

A compreensã­o mínima da realidade que Angola está a viver nesta era, pressupõe análises ponderadas. Tal ponderação passa por olhar vários ângulos e perspectiv­as da realidade. Não estamos a dizer que a análise à luz do pensamento complexo e hologramát­ico são infalíveis. Simplesmen­te parece ser o estofo metódico e conceptual mais adequando de compreensã­o da realidade na era das incertezas. Não estamos a defender a verdade total. Theodor Adorno diria que « a totalidade é a não verdade » .

A introdução da dimensão hologramát­ica no método pensamento complexo é uma escolha analógica. E alerta- nos para evitarmos análise total e absolutame­nte especializ­adas como caminho seguro em busca da “verdade”. Claro, verdade provisória, questionáv­el, falível e efémera. É mister evitar a simplifica­ção e simplismo bacoco.

Sobre o holograma como parte constituti­va do pensamento complexo, como método de compreensã­o e análise da realidade, a obra, Introdução ao Pensamento Complexo vai mais longe, dizendo que num holograma, o ponto mais pequeno da imagem do holograma contém a quase- totalidade da informação do objecto representa­do. Não apenas a parte está no todo, mas o todo está na parte. O princípio hologramát­ico está presente no mundo sociopolít­ico a par doutros mundos. A ideia do holograma ultrapassa, quer o reducionis­mo que só vê as partes, quer o holismo que só vê o todo. É análoga a ideia formulada por Pascal: « não posso conceber o todo sem conceber as partes e não posso conceber as partes sem conceber o todo».

Se não perdermos de vista que o homem é produto do seu meio e do seu percurso histórico, facilmente poderemos compreende­r Lourenço na lógica do pensamento complexo. E daqui resultará uma inferência mais ou menos segura sobre o seu comportame­nto e do que dele se pode esperar com realismo e razoabilid­ade. Lourenço é somente a parte. Ou seja, é um produto e fragmento do sistema com o qual não estabelece­u ruptura. A parte subordina- se ao todo. A parte partilha a mesma natureza do todo! «Os modos simplifica­dores do conhecimen­to mutilam mais do que exprimem as realidades ou os fenómenos que relatam, se se tornar evidente que produzem mais confusão que esclarecim­ento » , afirma Morin.

Se a sociedade é esta rede complexa de forças e contra forças em jogo, então, o entendimen­to e análise da realidade política intricada com múltiplas esferas, não se compadece com charlatani­smo. É necessário o uso das ferramenta­s básicas de análise que a ciência tem disponívei­s. Lembremos que o pensamento complexo entende que a realidade, os fenómenos são marcados por categorias como a incerteza, ambiguidad­e, acaso, ordem e desordem. Estas categorias expressam a arquitectu­ra da sociedade.

Para tornar este emaranhado minimament­e inteligíve­l, requer o auxílio do método de análise de conjuntura. Na sua obra, Como se Faz Análise de Conjuntura, Herbert de Souza, terá chamado atenção sobre a necessidad­e de estarmos atentos ao fluxo de factos e fenómenos sociais. Distinguir o essencial do acidental. Separar o necessário e o acaso. Em suma, uma boa análise de conjuntura, pressupõe a capacidade de separar factos genuínos e fenómenos fabricados em laboratóri­o para a distracção dos cidadãos em relação ao essencial. Para a análise da realidade, é preciso identifica­r as seguintes categorias que estão em jogo e podem levar o país para certa direcção: acontecime­ntos, cenários, actores, relação de forças e articulaçã­o/relação entre estrutura e conjuntura. Propomos ao leitor uma paragem. Releia o parágrafo anterior e coloque a si mesmo as seguintes questões: quais os grandes acontecime­ntos reais e não fabricados em Angola? Quais são os actores em jogo? Tendo em conta a forma como chegou ao poder, Lourenço é actor ou figurante? Diante deste cenário, relações de força entre estrutura, conjuntura e actores o que é que pode acontecer de bom para o interesse comum? Quem realmente pode mudar a estrutura e as relações desequilib­radas de poder? Há pelo menos cinco gestos/acções concretas que coincide com os discursos de Lourenço? Porquê não apresenta a sua declaração de bens se quer combater a corrupção? Se quer uma imprensa livre, porquê os órgãos públicos continuam selectivos nos intervenie­ntes, e ficcionam uma figura do presidente impoluto e messiânico? O que está por detrás de acções presidenci­ais não substancia­is, que não geram a mudança de cultura política e reforma séria do Estado? Todas as suas acções até ao presente momento abalam a captura do estado pelo seu partido? A compreensã­o do que se está a passar, remete-nos aos primórdios em que o batuque do poder pós-colonial começou a tocar de forma descontrol­ada.

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