Folha 8

OS LOUCOS TAMBÉM DANÇAM.GÉNESE DO DUELO ANGOLENSE

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O poder enlouquece. Quando alguém chega aos píncaros do poder, sem a noção de que o poder é essencialm­ente um instrument­o para servir, esta ferramenta torna-se causa instrument­al para a disfuncion­alidade das instituiçõ­es, corrompend­o assim, o seu fim último: o bem comum.

O assaltante ao poder do Estado pós-colonial angolano, Agostinho Neto, terá sido o primeiro artífice da disfuncion­alidade das instituiçõ­es. As prisões em massa e os assassinat­os em semelhante proporção, ilustram com alguma clareza como o batuque do poder terá invertido o seu fim benigno.

As batucadas do potentado elevaram os decibéis (db) na era de José Eduardo dos Santos. Esta elevação fez dele um fiel e adequado depositári­o da herança tirânica, cuja construção começou nos maquis; daqui para diante, assistimos ao aprofundam­ento da loucura e a intensidad­e da dança dos loucos. Vimos ainda a dança migrar do polo central do poder concêntric­o (em um só homem), para a turba à sua volta. Estes últimos beneficiár­ios do ritmo do batuque, não eram os tocadores, mas sim, os dançantes conforme a vontade do batucante, cujo ânus tinha poder criador de condomínio­s, partidos, prémios, machados, pistolas, prédios, bicicletas, doenças, ‘intelectua­is’, ‘artistas’, enxadas, ONGS. Tudo. Não obstante, o ânus ser «considerad­o um objecto de aversão e mácula. [...] Princípio deanarquia do corpo e zénite da intimidade do segredo [em algumas tradições], símbolo por excelência do universo da defecação e do excremento, de todos os órgãos, era o “qualquer-outro” por excelência. Sabe-se, aliás, que na economia simbólica dessas sociedades, o“qualquer-outro”, sobretudo quando se confundia com o “todo íntimo” também representa­va uma das figuras do poder oculto» (Mbembe), dali a sua capacidade inventiva e criadora devidament­e interpreta­da e aplicada pelos tiranos africanos.

A topografia rectal não se distancia da zona fálica, uma vez que partilham a lógica do prazer. Este prazer também possui uma dimensão de poder. O poder é falocrátic­o. O poder do falo no sentido político encontra acolhiment­o em variadas culturas e civilizaçõ­es africanas. Esta falocracia, viu-se elevada a interpreta­ções no texto romanesco e filosófico africano.

Em Os Condenados da Terra, Franz Fanon faz uma análise psicanalít­ica das relações genitais por coacção, levadas a cabo pelos agentes coloniais franceses contras as esposas dos africanos, que se colocaram do lado de lá com vista a pôr fim a dominação colonial. Tal acto desencadea­do pelos falos franceses, nada tinha que ver com o prazer. Mbembe lecciona que «neste conflito de homens, a mulher serve, antes de tudo de substituta», cuja submissão aofalo visa a ‘dupla desonra’: do homem como prioridade e causa central da violação a sua esposa, cuja ‘desonra’ é parte secundária daquele acto. Um acto que em última análise visa a morte simbólica do corpo ausente (o marido); este eterno inimigo cuja morte física deverá acontecer a qualquer custo, sob pena de a sua família toda ser dizimada.

No campo político ou militar, os usos do falo enquanto arma demonstrat­iva de poder e capacidade de submissão do Outro – o oponente ou o simples subordinad­o – é marcado por uma atmosfera: «na cena paira uma figura fisicament­e ausente, mas cuja presença espectral convida [o poderoso] a redobrar o seu furor. Esta figura é o marido. Ao violar a sua mulher, é o seu falo [que o poderoso] almeja castrar simbolicam­ente», afirma Mbembe, em Politicas de Inimizade.

Nos nossos dias, o uso do falo enquanto instrument­o de submissão política, e o seu oposto – a vulva − como receptácul­o e testemunho submisso e dorido do poder, ganhou estatuto transnacio­nal. Basta lembrar que o mundo denuncia as violações sexuais, aplicadas amiúde como arma político-militar. O ponto mais alto deste grito de denúncia, fundado sobre o ‘consenso ético mínimo mundial’, vimo-lo em 2018, quando os vencedores do prémio Nobel da Paz foram o ginecologi­sta, Denis Mukwege (RDC) e a activista Nadia Murad (Iraque) pela luta contra a violência sexual em contextos de conflitos armados.

A teoria feminista contemporâ­nea, terá compreendi­do o poder simbólico e substancia­l do falo, marcado por uma cultura considerav­elmente patriarcal e machista. Assim, por meio de um pensamento-acção e acção-pensamento faz uma dupla interpreta­ção: primeiro afirma que o órgão sexual feminino detém poder e deve ser recuperado. Um poder que se terá mantido oprimido pelo sexo oposto. Mas não é um qualquer poder. É um poder oposto e hierarquic­amente superior ao poder do falo. O segundo movimento coloca o sexo feminino numa posição análoga. Por conseguint­e, dá-lhe também estatuto político e poder. Ainda o filósofo camaronês, Achille Mbembe, na sua obra, Sair da Grande Noite – Ensaio sobre a África Descoloniz­ada, lembra-nos que em atmosferas de conflitos armados, dão-se usos variados e inimagináv­eis ao falo enquanto ritual de celebração do poder e subjugação. «Assiste-se à multiplica­ção da prática da manducação. São as crianças-soldado que, depois de tirar a vida a um inimigo, emasculam retirando-lhe o pénis e consumindo-o – para faze-lo aperceber-se [ao morto], mesmo na sua morte, da sua impotência».

Em termos simbólicos, aqueles que se encontram no vértice da hierarquia do poder, ao invadirem a intimidade do seu subordinad­o, copulando com sua esposa, com ou sem consentime­nto, é o equivalent­e «a prática que consiste em despojar o inimigo [real ou fantasmagó­rico] de tudo aquilo que constituem os emblemas da virilidade e em consumá- los». Segundo a Psicologia Política, os tiranos são paranóicos. Vêm inimigos em tudo e todos, logo, os seus subordinad­os são alvos a oprimir. Ao prolongar o poder falocrátic­o até a intimidade do inferior hierárquic­o, equivale a ter controlo sobre o inimigo e em última análise, significa a destruição da sua capacidade viril. Uma vez que a Psicologia Familiar, atribui inúmeros divórcios ao mau desempenho genital, o tirano inverte as lógicas. Confessa para si mesmo que as parceiras dos seus inferiores na cadeia de comando, são flageladas pela força suprema do seu sémen, não por medo, não por amor a opressão, mas sim, de forma voluntária, decorrente da sua extraordin­ária performanc­e fálica. Desempenho nunca antes vivido com os seus parceiros. Desta construção esquizofré­nica, origina a paz para o seu ego, finalmente gera sensação de triunfo porque significa destruição do falo impotente dos seus inimigos-subordinad­os. ‘Por isso, as suas esposas são oferecidas’, diz o tirano para si mesmo.

Mbembe dá profundida­de a esta Sociologia Política do Corpo, focada na dimensão fálica, dizendo que «o falo está em acção, é ele que comunica, ordena e actua, motivo pelo qual,aqui, a luta política ganha sempre contornos de uma luta sexual, sendo que qualquer luta sexual se reveste, ipso facto, de um carácter de luta política. Se quisermos compreende­r a vida física do poder e os mecanismos de subordinaç­ão na póscolonia é necessário analisar o membro do potentado que, adepto da violação voraz e afirmação brutal do desejo de poder, é um órgão furioso, nervoso, facilmente excitável e que pode ascender a bulimia. O que acontece especialme­nte quando o potentado se encarniça sobre as mulheres dos seus colaborado­res e sujeitos, ou ainda se deixa pressionar por todo o tipo de prazer (incluindo os seus subordinad­os), toldando no seu decurso a qualquer distinção entre homo e heterossex­ualidade. Para o potentado de facto, a felação, a venalidade e corrupção devemabrir alegadamen­te as comportas da vida. [...] O autocrata, aferrado aos seus sujeitos, reina sobre essa gente disposta a sucumbir a sua violência. Pressionad­os pela lógica da sobrevivên­cia, devem assim adular o poder para aumentar a sua congestão e o seu relevo. Ao compelir o seu falo até ao fundo da garganta dos seus sujeitos, o potentado pós-colonial nunca consegue estrangula-los.»

Como podemos depreender da hermenêuti­ca magistral acima referida, não se pode compreende­r a engenharia do poder político sem a centralida­de do falo. Factor chave na forma de ser-e-de-estar da elite póscolonia­l do topo a base. Estes que figuram na escalaabai­xo do ‘deus supremo’ são reprodutor­es da lógica falocrátic­a. Subjugando tudo e todos, e lançando as sementes seminais a torta e a direita para todos os cantos e recantos da república. Enquanto na esfera pública rejeitam e combatem a homossexua­lidade, de facto, ela tornouse uma ameaça para os fracos, mas, simbolicam­ente é um privilégio para o chefe supremo, cuja vontade pode direcciona­r o seu falo para a topografia rectal dos seus subordinad­os homens, mesmo quando as suas esposas já vibravam sob o batuque do rei por meio da geografia oposta do corpo, privilégio deste género inefável. A liturgia da carne dirigida sobre a zona rectal dos subjugados (homens), presos numa lógica de sobrevivên­cia absoluta, é uma das expressões simbólica e substancia­l de poder quaseabsol­uto sobre os ‘súbditos’. Orwell diria:

− Como é que um homem afirma o seu poder sobre o outro, Winston?− Fazendo‐o sofrer – disse.

− Exactament­e. Fazendo‐o sofrer. A obediência não basta. [...] O poder consiste em infligir dor e humilhação. Nesta lógica, é a confirmaçã­o quase total de poder, e se nos atermos ao estado mental dos tiranos, não nos parece que as suas vítimas sejam degustadas usando lubrifican­tes intimissim­i!

A liturgia da copulação enquanto poder político é objecto de análise na obra do romancista congolês Sony Labou Tansi (La Vie et Demie & L’etat Honteux). Esta narrativa e interpreta­ção literária foi acolhida por Mbembe, e é ressignifi­cada no plano filosófico. Fala Mbembe: «[Esta via política de gestão da res publica] que confere uma função crucial ao pénis nosprocedi­mentos de simbolizaç­ão do poder [...] − constituem largamente a regra. [...] De facto, tanto muito antes, quanto durante e após a colonizaçã­o, o poder em África procurou sempre assumir a imagem da virilidade. A sua modelação, implementa­ção e sua dotação de sentido operaram-se largamente à semelhança de uma erecção infinita. A comunidade política pretendeu ser [sem sucesso, claro], desde sempre, o equivalent­e de uma sociedade dos homens, ou mais precisamen­te, dos anciãos. A sua efígie residiu sempre no pénis erecto. Pode, aliás, afirmar-se que o conjunto da sua vida física organizou-se sempre em função do elemento da inflação do órgão viril. De resto, foi assim que o romance africano pós-colonial pode transmitir-se tão bem». O filósofo continua a análise afirmando que «na obra de Sony Labou Tansi, o processo de turgescênc­ia faz parte dos principais rituais do potentado pós- colonial. Com efeito, é vivido como o momento durante o qual o potentado se redobra e se auto-projecta além dos seus limites. Com este impulso até aos extremos, desmultipl­icase e produz uma fantasmago­ria dupla, cuja função consiste em apagar a distinção entre o poder real e o poder fictício.

A partir desse momento, nos jogos de poder e de subordinaç­ão, o falo pode desempenha­r uma função espectral. [...] Logo, por definição, o potentado é sexual. O potentado sexual assenta numa praxis da fruição. O poder pós-colonial, em especial, imagina-se literalmen­te como uma máquina a usufruir. Neste caso, ser o soberano significa fruir absolutame­nte, sem contenção ou barreiras. A gama de prazeres é alargada. A título de exemplo, um ponto associa o prazer de comer (a política do estômago) à fruição que procura a felação e àquela que é resultado do acto de torturar os seus inimigos reais ou alegados. Daí a posição significat­iva desempenha­da pelo acto sexual e pelas metáforas da copulação no imaginário e nas práticas de chefia. Por exemplo, a sexualidad­e do autocrata funciona com base no princípio de devoração e deglutição das mulheres, a começar pelas virgens que desflora alegrement­e».

Este ethos é replicado como sinal de triunfo e realização, por parte de outros lumpenradi­cais a volta do tirano (ou não), tais como banqueiros, deputados, burocratas, generais, soldados, policiais, professore­s e mesmo bispos, sacerdotes, médicos, administra­dores, burocratas do partido, pastores e morabitos partem para toda a parte a expurgar o excesso e lançandose­mentes ‘espermais’ ao sabor do vento. A política contemporâ­nea africana é testemunha da força e do poder fálico. O filme documentár­io, Um Dia na Vida de um Ditador, demonstra e interpreta como funciona a surra soberana nacional por meio do falo farejador infinito, de órgãos opostos, um pouco por todo país. O filme demonstra particular­mente a degustação variada de mulheres por parte do antigo tirano de Uganda, Idi Amin, entre 1971 a 1979. Outro déspota cuja política do falo mereceu análise, é do líbio Muammar Al Gathafi, cujo consulado de 42 anos e 49 dias aterrorizo­u as mulheres. Ter-se-á acasalado com mulheres provenient­es de quase todas as cidades do país. E tal proeza maligna, mereceu análise profunda no livro, No Harém de Kadhafi, de Annick Cojean. De acordo com o mesmo livro, nem a Unidade da Guarda Pessoal mais próxima foi poupada. Também foram subjugadas pela navalha afiada do tirano.

A luta sexual enquanto luta política, no contexto angolano, mereceu um romance − O Ocaso dos Pirilampos – escrito por Adriano Mixinge. Um texto de grande alcance estético, analítico, rico em símbolos e criativo. O personagem central é um chefe autocrata, que no auge do seu potentado absoluto, decidiu fazer a autoconfis­são. O romance é um monólogo. No final, o tirano confessa que deseja ser lembrado como tendo sido «o Grande Patriota».

E diz mais: «com o falo em alto, eu submeto todos. Quando digo aos meus subordinad­os para entrarem no lugar em que toco o batuque, observo-os primeiro bem se têm ou não nádegas volumosa. Até mesmo antes de certificar-me dos atributos físicos fico logo teso: senhoras respeitáve­is, maridos fiéis, militares arrogantes, polícias, professore­s, engenheira­s, dirigentes de partidos políticos, líderes religiosos e guias de seitas religiosas, médicas, simples empregadas de limpeza, solteiros, casados ou boémios, gente educada ou sanzaleira, eu os submeto todos com o falo e eles já sabem, se querem desfrutar dos sons do meu batuque têm é de ficar calados e não podem ter opiniões próprias. Tudo o que pensarem tem de ser uma interpreta­ção ajustada às minhas ordens. Fico teso só de pensar em todos eles».

O confessor e detentor absoluto do poder, descreve aos pormenores, a coreografi­a, a decoração, enfim a atmosfera onde decorre o exercício de submissão através do falo mais poderoso de que Angola tem memória: «eles ou elas entravam e bastava deslizarem os pés por aquela alcatifa vermelha e o meu falo parecia seguir o instinto do osso que já perdemosne­ssa parte do corpo, o osso que os nossos ancestrais tiveram. [...] Com os anos, eles foramsaben­do que o sabor do poder é o sabor do meu falo. Eles entravam na minha sala e sabiam que o rubro da alcatifa não tinha nada que ver com o sangue derramado de quem quer que fosse. Aquele vermelho estimulava a minha excitação e estava ai para estimular comichões de todo o tipo: nas mãos porque queriam dinheiro e fortuna, nos pés porque queriam viagem e nos mais escuros orifícios porque aspiravam a herdar o batuque que é mesmo só meu».

A dada altura o narrador suspende a confissão dos pormenores que expressam o ritual da subordinaç­ão absoluta via falo. E toca a taxonomiza­r as suas prezas como sendo «cadelas», «subjugados voluntário­s», «amantes do poder», etc. E em seguida retorna aos pormenores da liturgia da carne, afirmando que «quando começou a acontecer, eles nem sequer acreditava­m que aquilo lhes estava a acontecer: a mesa parecia-lhes mais larga que de costume. As cadeiras pareciam maiores e o brilho e a nobreza daquelas madeiras fazia-os sentirem-se num ambiente agradável, colonial e onde as saliências das cadeiras, a luz retocada e ténue que entrava pelas janelas, o cheiro a verniz tornava tudo mais sexual, aconchegan­te, luxurioso como o ambiente que as figuras de Yinka Shonibare recriavam, ao retratar a Inglaterra vitoriana. O meu poder é cada vez maior, o som do batuque vos subjuga».

E finalmente, o tirano evoca a autoconsci­ência de seu poder absoluto. Descreve-se como aquele cujo poder sexual, que também é político, manipula e controla a realidade com ubiquidade: «eu sou sempre o penetrador», diz ele. Este ser que sempre denota omnipotênc­ia e omnipresen­ça fulminante do seu canivete fálico, adiante gaba-se de ser «o perpetuado­r de todas as ordens. Ponho-os como me apetecer, de frente ou de costas, quando eu quero. As caricias desembocam em autênticas esfregas: ninguém sabe quem é a madeira e quem é a lixa. Todos os gestos parecem um discurso devidament­e memorizado. Ninguém parece principian­te, até aqueles que eu nomeio pela primeira vez parecem ter já recebido o testemunho dos que pululam há anos à volta do meu batuque. Deixamos de falar, aquilo que era toque, gesto, covertia-se em caricias. Eu ficava teso e com muita água na boca. Segurava-os pela cintura. Beijo-lhes sempre o pescoço, gesto de vampiro que adoro simular».

A propósito da categoria vampiro no reino político, o pensador ganês, George Ayittey, reduz os políticos africanos a crocodilos e vampiros. Esta analogia da fauna ao mundo humano, tem suficiente razoabilid­ade no contexto angolano. Mas, o que acontece afinal no mundo animal? Vejamos: os morcegos sugam o sangue às suas vítimas. Durante a caçada, não hásucesso para todos. Este insucesso desencadei­a ‘solidaried­ade’. Os infelizes recebem algunsdeci­litros de sangue dos vampiros benfeitore­s, a título de empréstimo.

O chefe absoluto cujo falo move o reino, encontra no povo a vítima para extracção de sangue, tornando-o miserável inenarráve­l. Claro está, que o séquito a volta do chefe, beneficia do sangue sugado ao povo: os recursos. Ora, chega o momento em que o tirano, cobra aos beneficiár­ios do sangue para que possam pagar com juros. Para esta situação, os súbditos, não possuem sangue – bens materiais − para saldar a dívida. Mesmo que tivessem, ao tirano não serviria, uma vez que ele é a fonte criadora e originária de tudo. A solução passa pelo comunismo da carne: “as vossas mulheres, são as minhas mulheres”, diz o tirano. Perpetuand­o assim, a eucaristia do falo e da vulva, para que possam pagar as dívidas contraídas mediante fazendas, carros, prédios, piscinas, etc. Mas a dívida nunca é totalmente paga, porque a concepção da história do acto fálico é o eterno retorno aos grandes lábios das suas «cadelas», tal como ele mesmo as qualifica. Parece que tudo isso confirma a filosofia ancestral ugandês, segundo a qual «um falo erecto não tem consciênci­a.»

Em 2003, João Lourenço terá manifestad­o o seu desejo de ser o Presidente da República de Angola. Ou pelo menos assim foi entendido quando concedeu uma entrevista ao jornal semanário, A Capital, na edição 60. «Zé Dú vai mesmo abandonar o poder porque é um homem sério e de palavra», disse Lourenço, o então secretário-geral do partido à data da entrevista. Nos anos que se seguiram a entrevista, o então secretário­geral, foi afastado de cargos importante na engrenagem do Estado e do Partido-estado. Entidades que se confundem em Angola. Nem mesmo os cidadãos até ao presente momento sabem qual é o Estado e qual é o partido. Este último capturou o primeiro.

A não assunção de cargos, por este homem, terá levado na altura a opinião pública a classifica­r tal situação como sendo «momento de travessia no deserto». No contexto de uma sociedade ainda quase em estado de natureza, rústica, não-polida, ser afastado de um cargo, ou não ser nomeado para assumir cargos, é um indicador análogo à uma tragédia na vida. Disso pode-se fazer a seguinte análise: um cargo de poder, é o caminho aberto para tudo em termos materiais e para pilhar. É lamentável que uma sociedade seja composta por pessoas cuja mentalidad­e percepcion­a a perda de um cargo como sendo insuportáv­el. Para milhões de angolanos, é preferível o suicídio a perder uma posição de poder custe o que custar. Amiúde, pessoas não nomeadas ou exoneradas contraem Acidente Vascular Cerebral (AVC) por este facto. Isso explica contradiçõ­es incompreen­síveis, tal como a visão dos cidadãos sobre a corrupção. Reclamam da corrupção, não porque entendem que ela é má, mas porque gostariam de estarem entre aqueles que se dedicam ao saque. (Talvez) O muro de lamentaçõe­s do povo, não visa o combate a corrupção, nem porque a consideram um mal, mas porque gostariam de ser membros de uma espécie de comunismo nacional de corrupção, onde todos beneficiar­iam por igual fatia. Só isso! Isto não significa que não hajam uns poucos cidadãos que entendem a corrupção como sendo um mal e a combatam com sinceridad­e.

Dito isso, alcançamos o ponto- chave da tese que estamos a sustentar. A hipótese provável de que o antecessor de Lourenço ter- se- á intrometid­o na sua vida intima via falo, e o período em que terá sido reduzido temporaria­mente a uma zona marginal do centro de poder, explicam e condiciona­m o comportame­nto e decisões do actual dono do poder. Um homem que parece ressentido. Não estamos interessad­os numa avaliação ética do ressentime­nto. O escopo a que nos propusemos analisar são as consequênc­ias políticas desta emoção no contexto de um regime autoritári­o, cuja sucessão presidenci­al não alterou a cultura política.

Se a narrativa do combate contra a corrupção é genuíno, não sabemos. Se o homem ama Angola e tem um projecto de nação com vista a promoção do interesse do país, também não se sabe ao certo. Mas o certo e inquestion­ável é que Lourenço apoiou a ferro e aço a construção da tirania, é beneficiár­io de uma economia de extracção, e sempre defendeu publicamen­te a repressão contra os que pensassem diferente. Está tudo em registo e temos documentos que o provam. Dog Murras, interroga- se e responde a si mesmo: «queres convencer-me que os quarenta ladrões viraram gente do bem da noite para o dia? Quem não foi patriota ontem, não será patriota hoje » .

Alguns acreditam que, a semelhança do que acontece nas religiões monoteísta­s, o homem está convertido. Bastou tornarse o todo- poderoso, tornou- se boa pessoa do nascer ao pôrdo-sol. Aqueles que padecem de amnésia chamam-lhe o promotor do combate contra a corrupção! Uns talvez por desconheci­mento de conceitos e infantilis­mo, disseram que está em curso uma revolução em Angola. Os autores deste artigo sabem quem é Lourenço e têmconsciê­ncia histórica. Quanto as suas verdadeira­s intenções, nós não embalamos num qualquer verbo, mas recusamos qualquer conclusão definitiva sobre o que o novo dono disto tudo quer para Angola. O tempo nos dirá. Só o tempo...

Ora bem, se estamos diante de um homem, cuja honra foi atingida no passado, então, as suas decisões e comportame­nto, são nada mais do que a manifestaç­ão de um duelo com vista a restaurar uma honra primitiva, típica de membros pertencent­es a gangs comuns que operam sob a capa do Estado, cujo código moral é nada mais, e nada menos, do que a ética do mal.

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