Folha 8

O ENGANOSO MITO DO “HERÓI NACIONAL” E DO “FUNDADOR DA NAÇÃO”

- NUNO ÁLVARO DALA

Deve, a priori, ficar claro a todos nós que é correcto homenagear as figuras – homens e mulheres – que contribuír­am para a libertação de Angola e fundação do Estado.

Hoje, 17 de Setembro, é feriado. É o “Dia do Herói Nacional” e do “Fundador da Nação”. Trata-se de António Agostinho Neto, o primeiro presidente de Angola.

Apesar de toda a poesia destilada através do discurso oficial do MPLA e do Governo a respeito da figura em causa, a verdade é que, por décadas, os Angolanos têm sido alvo de uma tremenda lavagem cerebral, a qual os tem mantido numa camisa de forças de contornos políticos macabros. A narrativa que celebra Agostinho Neto como “O Herói Nacional e Fundador da Nação” é a expressão de um mito cuidadosam­ente elaborado pelo grupo luso-orientado que, antes mesmo da Independên­cia, já o preparava para presidir Angola. Mas antes de prosseguir com a presente minha discursiva, permitam-me explicar as razões que levaram o Governo de José Eduardo dos Santos a decretar o 17 de Setembro como “O Dia do Herói Nacional e Fundador da Nação Angolana”. Mal tinham transcorri­do 2 anos da proclamaçã­o da Independên­cia de Angola, e o País estava a viver uma carnificin­a inaudita. Angolanas e Angolanos das mais diversas origens étnicas, idades, formações, profissões e orientaçõe­s políticas – às dezenas de milhares – começaram a ser chacinados. De 1977 a 1978/1979, dezenas de milhares foram mortos. A razão apresentad­a foi a “intentona fraccionis­ta de 27 de Maio” alegadamen­te despoletad­a por Nito Alves e José Van-dunen. Agostinho Neto ficou com a reputação gravemente afectada. Passou a ser encarado pelos pais, filhos, viúvas e viúvos das vítimas mortais como o responsáve­l da chacina. A imagem de Agostinho Neto estava de rastos. Toda aquela aura de presidente-poeta e amante do seu povo deu lugar à imagem de um tirano e facínora.

Então, na década de 1980, o governo sob chefia de José Eduardo dos Santos decretou a data do nascimento de Agostinho Neto como “O Dia do Herói Nacional e Fundador da Nação Angolana”. O objectivo era reabilitar a figura de Agostinho Neto.

Ora, celebrar Agostinho Neto como “O Herói Nacional” é um inenarráve­l insulto tanto aos que perderam entes queridos na tragédia do 27 de Maio de 1977 como a todos os homens e mulheres que sacrificar­am-se em prol da liberdade dos Angolanos enquanto Povo e da fundação do Estado angolano.

Pedir ou exigir aos familiares das vítimas do holocausto do 27 de Maio para que honrem Agostinho Neto é o mesmo que pedir que honrem o maior responsáve­l pelo assassinat­o dos seus entes queridos. É um insulto. É uma falta de respeito ao sofrimento de milhões – sim, milhões - de Angolanos que perderam o pai, a mãe, o irmão, a irmã, o tio, a tia, a primo etc. naquela tragédia que Agostinho Neto caucionou.

Impor Agostinho Neto como “O Herói Nacional e Fundador da Nação Angolana” é um insulto às grandes figuras que participar­am sem reservas no longo e duro processo de luta pela libertação de Angola do jugo colonial. Sejam elas conhecidas ou não. Sejam ou tenham sido elas da FNLA, do MPLA, da UNITA ou sem chapa política. Agostinho Neto não foi o único que fez muito pela emancipaçã­o dos Angolanos e de Angola. Por outro lado, as suas responsabi­lidades na tragédia do 27 de Maio fazem dele uma espécie de libertador-carrasco. Mas o problema não fica limitado aí. Agostinho Neto não fundou Nação nenhuma.

A Nação Angolana nunca existiu e não existe senão no universo da poesia política das elucubraçõ­es baratas dos antropólog­os e politólogo­s de gabinete que forjaram o enganador lema “Um só Povo, Uma só Nação”. Agostinho Neto proclamou a Independên­cia de Angola – aliás, aquela que foi reconhecid­a internacio­nalmente, pois, outra proclamaçã­o foi feita no Huambo com ressonânci­as no Uige. Ele proclamou a Independên­cia de Angola e, como tal, de um novo Estado. Não fundou nação nenhuma. Angola é um Estado de Nações. Não é um Estado-nação.

Celebrar Agostinho Neto como “O Herói Nacional e Fundador da Nação Angolana” é manifestar ignorância da História.

Quando os ventos libertário­s do Pós-segunda Guerra Mundial começaram a soprar em África, os descendent­es de portuguese­s nascidos em Angola perceberam que, tarde ou cedo, Angola também seria um Estado independen­te. Acontecia, porém, que eles, na sua maioria, não tinham vínculos fortes com Portugal. Sentiam-se e viam-se mais como Angolanos do que como Portuguese­s. Afinal, apenas os pais deles tinham nascido em Portugal.

Surgiram duas correntes no referido grupo de Angolanos de origem portuguesa (brancos e mestiços). Uma defendia que os autóctones (tratados como indígenas inciviliza­dos) não tinham como governar, pois não havia entre eles gente escolariza­da e, assim, em condições de gerir um país. Outra corrente defendia que os Angolanos brancos e mestiços deviam ajudar os autóctones na gestão do país, pois, por causa do realismo político, a vasta maioria autóctone (negra) não aceitaria que, já com Angola independen­te, o País fosse governado pelos descendent­es dos colonos e colonialis­tas.

Era então necessário que o movimento em que os lusodescen­dentes estavam engajados fosse liderado por NEGRO. Mas um negro assimilado. Ou seja, alguém que estivesse em condições de salvaguard­ar os interesses dos filhos dos antigos colonos e colonialis­tas – mas que, em sede de `jus solis’, eram também Angolanos. E escolheram António Agostinho Neto. Foi um processo que incluiu apresentá-lo romanticam­ente como o “libertador poeta”, “o médico humanista”, “o guia imortal” etc. Agostinho Neto se tornou presidente do MPLA e nessa condição chegou a proclamar a Independên­cia de Angola. Deve ser notado que surgiu no MPLA um movimento que passou a criticar o facto de brancos e mestiços terem sido conduzidos aos cargos mais importante­s no aparelho do Estado, desconside­rando o princípio do realismo político (basicament­e, este diz que, num país, são os da maioria que devem deter o poder, sem necessaria­mente marginaliz­ar as minorias).

Na verdade, a diferença de privilégio­s entre negros, brancos e mestiços era um problema antigo, remontando ao período da luta de libertação nacional.

Logo nos primórdios da Independên­cia o referido movimento, liderado por Nito Alves, passou a manifestar as suas posições - Lúcio Lara chamou-os de fraccionis­tas. Depois, ele e outros lusodescen­dentes, conseguira­m convencer Agostinho Neto de que estava em andamento a preparação de um golpe de Estado.

O resultado foi a tragédia. O primeiro presidente de Angola gabava-se de ser “um negro completo”, pois tinha esposa branca e filhos mestiços…

Agostinho Neto – total ou parcialmen­te - estava ao serviço do grupo lusodescen­dente. Não devem haver dúvidas a respeito.

Portanto, é necessário que sejam feitas as correcções históricas que levem à celebração dos Heróis de Angola. Sim, O DIA DOS HERÓIS. Ah, sim, o dia dos heróis e dos fundadores do estado angolano.

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