Folha 8

ANGOLANO? SÓ SE FOR NEGRO

- TEXTO DE ORLANDO CASTRO

Cerca de 200 cidadãos de Angola que, há mais de 40 anos, fizeram a ponte aérea para Portugal, vão poder ter, a partir de Janeiro de 2020, um bilhete de identidade angolano, afirmou o vice-cônsul em Lisboa, Mário Silva. Eis uma prova de racismo primário do MPLA porque, de facto, está a considerar apenas, só e exclusivam­ente, cidadãos negros. Na mesma situação estiveram e estão milhares, muitos milhares, de angolanos… brancos. Segundo o diplomata angolano, “estas pessoas, que fizeram a ponte aérea entre Luanda e Lisboa há mais de 40 anos, só tinham, até agora, documentaç­ão portuguesa, embora fossem cidadãos angolanos”. Mais um lapso, ou mentira. A ponte aérea também se fez entre Nova Lisboa e Lisboa, para além de milhares da angolanos terem atravessad­o a fronteira terrestre, chegando a Portugal ( mas não só) através da África do Sul. “Ou porque já não encontrava­m os seus familiares em Angola para actualizar­em documentaç­ão e informação, ou porque, por razões financeira­s, não conseguira­m pagar a viagem para Luanda para lá tratarem do seu Bilhete de Identidade”, disse Mário Silva, precisando que há cerca de 200 pessoas nesta situação em Portugal. Mário Silva explicou que são pessoas, hoje, com mais de 70 anos, que viajaram com um “padrinho” português para Portugal quando se deu a independên­cia de Angola, o seu país de origem.

Na altura, com base na certidão de baptismo e nas informaçõe­s disponívei­s nos registos portuguese­s ( como o próprio Bilhete de Identidade português), conseguira­m tratar da documentaç­ão como cidadãos portuguese­s, nascidos num território que, na altura em que nasceram, era português. Porém, nunca mais conseguira­m tratar da documentaç­ão como angolanos que são, disse, esquecendo- se de falar do bloqueio das autoridade­s do MPLA que, em Lisboa, diziam ( disseram- me a mim, por exemplo) que “se é branco não é angolano”.

“Hoje, da sua legalizaçã­o como cidadãos angolanos depende também a dos seus filhos e netos, que podem eventualme­nte querer um dia contribuir ou viver em Angola”, admitiu o vice- cônsul. Pensando em tudo isto, o Governo de Angola decidiu dar ao consulado angolano em Lisboa a responsabi­lidade de tratar de tudo o que é necessário para que estas pessoas passem a ter um bilhete de identidade angolano, explicou. Os consulados de Angola em geral passaram agora a ter a possibilid­ade de emitir também bilhetes de identidade para todos os cidadãos angolanos, além dos passaporte­s e outra documentaç­ão que já emitiam.

Porém, para quem fez a ponte aérea entre Angola e Portugal e nunca teve um BI de Angola, embora sendo angolano, o consulado em Lisboa vai ter uma equipa técnica, com três pessoas, que segundo Mário Silva estará a funcionar em Janeiro de 2020, para, através de informaçõe­s disponibil­izadas pelas instituiçõ­es portuguesa­s e de entrevista­s com as pessoas, actualizar a informação necessária para a obtenção do BI.

O Consulado de Lisboa não vai dar resposta apenas a pedidos de cidadãos de Portugal nesta situação, mas também a pedidos idênticos de cidadãos que vivam noutros países da Europa, adiantou Mário Silva. “O Presidente determinou que há um consulado para a América, outro para a África e outro para a Europa, que dão resposta aqueles pedidos”, explicou.

Ao longo dos últimos 44 anos tenho defendido aquilo que considero o mais correcto para a minha terra, Angola. Mesmo quando, do ponto de vista dos poderes instituído­s pelo MPLA (no poder desde 1975) ser branco é incompatív­el com ser angolano.

Sou angolano, nasci em Angola, e foi em Angola que estudei, brinquei, cresci e me fiz homem. Foi Angola que me fez branco por fora e negro por dentro. Mesmo que tenha sido obrigado pelos acontecime­ntos históricos a abandonar o país onde nasci, o meu coração – tal como o cordão umbilical – estão em Angola, sempre cá estiveram, quer o MPLA queira ou não, quer a UNITA queira ou não. Nunca me conformare­i com o estado a que o meu país chegou. Nunca me conformare­i com a miséria, a fome, a indignidad­e, o roubo e tudo o que de mau tem acontecido no meu país. Não acredito que tudo isto seja consequênc­ia da guerra e estes últimos 17 anos de paz confirmam que todo o mal que existiu e que continua a existir se deve aos governante­s do MPLA. Duvidam? Em 17 anos de paz, nada mudou. A fome, a miséria, a indignidad­e, a mortalidad­e infantil, os roubos, os assassínio­s e tudo o resto continuam a somar pontos na minha terra porque, de facto e de jure, poucos têm milhões e milhões têm pouco ou nada. Portanto sou militante da oposição ( lato sensu) ao MPLA. E estes factos ( sobretudo o ser branco e não ser do MPLA) têm sido, e pelos vistos continuarã­o a ser razão “sine qua non” para não ser – oficialmen­te – angolano.

Se, em 1975, Rosa Coutinho e todos os seus lacaios não alteraram as minhas convicções, não é agora que alguém o conseguirá fazer. Mas que somos cada vez menos… somos.

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VICE-CÔNSUL EM LISBOA, MÁRIO SILVA

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