NOVA LEI DE CRIMINALIZAÇÃO DA CORRUPÇÃO
O mundo não sendo estático, nem as leis imutáveis, por integrarem a lógica da positividade do direito, podem ser revolucionadas em função de novos contextos sócio-políticos. Se aqui, século XXI, nada muda, nem com a transição presidencial, então, retire-se o cavalinho da chuva, por não existir vontade política real de mudança.
O fio condutor deste pensamento assenta numa primeira manifestação do Presidente da República, João Lourenço, quando afirmou, ser avesso à bajulação e pretender liderar uma séria cruzada anti-corrupção, mas não resistiu à tentação de receber mimos, “untagens” idolatrias de todos quantos nunca antes o viram com a estrela de líder visionário.
O chefe de Estado parece, agora, deleitar-se com a concentração de poder, que o torna o STA (senhor todo absoluto), ou DDT (dono disto tudo) sem oposição e pressão de nenhum outro órgão de soberania, daí o adiamento, “sine die”, da tão almejada reforma do sistema judicial, que o tornaria mais imparcial e menos partidocrata, bem como da Constituição. Por esta razão, a maioria da intelectualidade, sedenta de água natural e justiça, aguarda a hora, dos políticos do MPLA, deixarem de acreditar nas próprias mentiras e serem escravos das suas palavras, como forma de impedirem o contínuo resvalar do país ao precipício, caso contrário, que declarem, formalmente, o retorno a ditadura.
Num país civilizado, respeitador das suas tradições e costumes, não se iniciaria um combate aos crimes de corrupção, reconhecidamente um cancro na sociedade e economia, liderado e instalado à 44 anos, exclusivamente, pelo MPLA, sem a celebração de um “Pacto de Regime”, assinado entre todas as forças políticas, os representantes dos empregadores, os sindicatos de trabalhadores e a sociedade civil, para se encontrar uma saída para a crise. Este (Pacto) permitiria, não se ficar atolado ao passado e a cega caça às bruxas, contra os delapidadores do erário público, por sinal, membros da mesma gangue política, mas analisar, também, os erros nefastos de campanhas anteriores, ocorridas na Espanha, Itália, Brasil, entre outros países, onde se privilegiou a prisão de altos membros da classe política, principalmente, contrária e do empresariado, resultando em desempregos astronómicos, fecho de empresas e convulsões sociais.
Em Espanha o juiz Baltasar Garzón, que gostava da mediatização, chegou a expedir um mandado de prisão, contra um presidente estrangeiro, Augusto Pinochet, mas depois teve de abandonar a magistratura, face aos excessos cometidos. Igualmente ocorreu na Itália com as “Mani Pulite” (Mãos Limpas), operação contra a corrupção, que abalou a Itália, ao longo de dois anos e dez meses – Fevereiro de 1992 a Dezembro de 1994 -, liderada por um juiz considerado próximo da extremadireita, Antonio Di Pietro, que condenou, muitas vezes sem provas, altas figuras políticas, grandes empresários, a custa da maior onda de desemprego, mais de 5 milhões e o encerramento de empresas, cerca de 1.500. Muitas das investigações assentavam não na lei mas no viés ideológico, em clara violação a Constituição e a Lei, ao ponto de terem sido extintos partidos históricos como o Partido Democrata Cristão e o Partido Socialista, abrindo caminho à ascensão de um ilustre desconhecido na política, ao cargo de primeiro-ministro, o magnata da comunicação social e do futebol, Silvio Berlusconi da extrema-direita. No Brasil, o mesmo caminho seguido pelo juiz de direita, Sérgio Moro, de alegado combate à corrupção visou a classe política de esquerda, mais concretamente a prisão do ex-presidente, Lula da Silva, para este não concorrer a um terceiro mandato. Foram presos alguns corruptos, comprovadamente, mas também, muitos inocentes e os resultados não podiam ser piores, com os próprios procuradores e juiz da Operação Lava Jato a praticarem actos de corrupção, desviando dinheiro apreendido e causando, até hoje, mais de 12 milhões e quinhentas mil pessoas. O momento tem demonstrado que nem sempre as formas clássicas de combate à corrupção, com a aplicação de medidas restritivas de liberdade, após condenação, dos corruptos, traz os resultados desejados pelos países.
Angola poderia liderar uma reforma legal e colocá-la à disposição do mundo jurídico, distanciando-se das habituais cópias do Ocidente, alterando o conceito de condenação, que se resume à reclusão dos réus. Quando um corrupto é condenado pelo desvio de milhões de dólares a sociedade espera uma reparação, mas nem sempre ela chega, com a sua colocação atrás das grades. Nessa condição, muitos conseguem manter escondido os milhões, que se multiplicam, durante os anos de reclusão e a devolução do desviado nunca chega a beneficiar os lesados.
Não seria de descurar, uma revolução da norma jurídica, enquanto corpo sistematizado de regras de conduta, caracterizadas pela coercitividade e imperatividade do ordenamento jurídico, nos actos de coacção da conduta, dos sujeitos. Não seria considerado displicente, se a compreensão da norma jurídica e a sua eficácia alterasse o principio da sanção, no tocante aos crimes de corrupção, levando a reformas nos artigos de condenação no Direito Penal e Código de Processo Penal, angolanos, conferindo-lhes blindagem e eficácia, para transformar a reclusão de quem se tenha aboletado de milhões e milhões de dinheiro público, condenando os réus à devolução, em espécie, mensal, trimestral, semestral e anual de quantia certa, arbitrada em sentença, diferente do rito de indemnização.
Assim, um réu, com actividade empresarial, condenado a uma pena de 12 anos, ao invés de ficar refastelado, numa cela de cadeia pública, seria obrigado a: a) garantir 85% de trabalhadores, com contratos por tempo indeterminado; b) implantar novas sucursais pelo país, em pontos estabelecidos pela justiça; c) entrega de quantia certa, mensal, aos cofres públicos; d) patrocínio de uma unidade hospitalar; e) patrocínio de uma unidade escolar pública.
Desde logo essa forma de encarar a norma jurídica e um crime tão escorregadio como a corrupção, poderia conferir mais estabilidade social, sem afastar o suporte fáctico e a consequência jurídica (condenação), por integrar a imperatividade, comportamento obrigatório das sanções pelos sujeitos; a generalidade, aplicada a todos destinatários; a abstracção, dirigida a todas situações e factos abstractos; a hipoteticidade, estabelecendo condutas a adoptar no futuro, sempre que as mesmas venham a ocorrer ou quando ocorrerem. Neste caso deve-se ter em linha de conta, que a sanção não pertence aos elementos que definem a norma jurídica: a)suporte fático b) consequência jurídica pois trata-se de decorrência da necessidade do comando prescritivo do direito, por a força legal ser um instrumento de realização do direito, bem como a existência da regra. Daí ser importante averiguar a compatibilidade de norma jurídica nova, com outras normas do ordenamento jurídico vigente.
Isto por ser difícil a detecção dos crimes de corrupção, tal como dizia o ex-secretário geral da ONU, à época da implementação da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção: “(...) Com efeito, a corrupção tem três características que a diferenciam dos demais ilícitos e dificultam a utilização de técnicas convencionais de repressão. Em primeiro lugar, a corrupção é invisível e secreta: trata-se de um acordo entre o corrupto e o corruptor, cuja ocorrência, em regra, não chega ao conhecimento de terceiros. Além disso, a corrupção não costuma deixar rastros: o crime pode ser praticado mediante inúmeras condutas cuja identificação é dificílima, e, ainda que provada uma transacção financeira, é ainda necessário demonstrar que o pagamento tinha realmente por objectivo um suborno. Por fim, a corrupção é um crime sem vítima individualmente determinada – a vítima é a sociedade -, o que dificulta a sua comunicação às autoridades, há que não há um lesado directo que se sinta obrigado a tanto.” A sociedade angolana está enferma, o combate à corrupção é necessário, mas a boçalidade, a selectividade, a partidocracia, no seu combate, não traz os ganhos desejados pela sociedade, dada a sua complexidade, enquanto questão política, para à consolidação da democracia em Angola.
Ninguém pode descurar a multifacidade deste fenómeno, poder criar órgãos altamente enrodilhados e complexos, com danos no tecido social de difícil detecção e reparação, impondo-se formas mais inteligentes de a estancar, dada as suas ligações internas, aos órgãos judiciais, estatais, legislativos, as instituições regionais e internacionais, que podem, num toque de mágica, face aos inúmeros conhecimentos dos envolvidos, condicionar apoios financeiros e outros ao país. Por esta razão defendo que a selectividade das condenações, num sistema judicial viciado, causa, na maioria das vezes, por corrupção de juízes e procuradores, mais ou iguais prejuízos, que os causados pelos corruptos. Finalmente, não me sinto regozijado, havendo 10 corruptos na cadeia, se em consequência disso, haver mais de 400 mil desempregados, segundo estatísticas das centrais sindicais: UNTA e CGSILA, 1.250 empresas encerradas, alta inflação, taxa de câmbio flutuante e ausência de dinheiro no circuito bancário comercial.
Pensemos Angola, em primeiro lugar, em segundo lugar, no que deve ser mudado, tendo em conta os nossos costumes e tradições e não com a obsessão das medidas e ajuda do Fundo Monetário Internacional, que se fossem boas, existiam, no mundo, pelo menos 20 países, sendo cinco de África, como exemplos de economia regulada, direitos sociais e previdenciários robustos e democracia plena.