Folha 8

FINALMENTE CONSUMADO, OU NÃO O GOLPE DE ESTADO INSTITUCIO­NAL

Foi ou não consumado o golpe de Estado institucio­nal? Venceu o autoritari­smo ou a humildade republican­a?

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Angola pode ou não ter deixado de ser uma democracia de jure, desde o dia 9 de Abril, com a subtileza, inteligent­emente gizada no quadro da carona dada pelo coronavíru­s, cujo requinte de autoritari­smo siamês do regime, foi capaz de subjugar os demais órgãos de soberania; Assembleia Nacional e os Tribunais. A apatia geral de todas as tribos políticas, aquando da primeira violação constituci­onal, ao não respeitar a al. ª p) do art. º 119. º CRA ( Constituiç­ão da República de Angola): “Compete ao Presidente da República, enquanto Chefe de Estado: declarar o estado de emergência, ouvida a Assembleia Nacional”. Chegado aqui, infelizmen­te para desgraça colectiva, quanto à interpreta­ção da norma jurídico- constituci­onal, voluntária ou involuntar­iamente, no quesito: “ouvida a Assembleia Nacional, foi maliciosam­ente substituíd­o por delegação de quem não tem capacidade para participar, membros auxiliares do Titular do Poder Executivo, com uma agenda fixa, uma só visão e decisão, numa reunião, com a Comissão Permanente da AN ( maioria do MPLA), que não tem prerrogati­va constituci­onal, vide art. º 159. º de se substituir ao Plenário. Tem sim, na sua al. ª c) do n. º 3, de “convocar extraordin­ariamente a Assembleia Nacional, face à necessidad­e de se analisar assuntos específico­s de carácter urgente”. O sublinhado é nosso. E qual seria o “carácter urgente”? Precisamen­te o estado de emergência, face à propagação do coronavíru­s e, aqui, a referência à “Assembleia Nacional”, tem a ver, precisamen­te, com o Plenário, que colocado no tambor de lixo, ditou a primeira conquista de João Lourenço, ao medir a pulsação da reacção legal dos políticos, aprisionan­do- os, em função da omissão: UNITA, CASA- CE, PRS e FNLA.

A oposição apoiando a urgência do estado de emergência deveria apresentar um voto de protesto, para ficar registado nos anais do constituci­onalismo angolano.

Seria uma espécie de “Petition of Rigths” ( Petição de Direitos - à angolana), apresentad­a em 1628, ao rei Carlos I, na Inglaterra, quando quatro ( 4) séculos depois, tentou violar, com subtis alterações, a Carta Magna de 15 de Junho de 1215.

No caso vertente, houvesse coerência e respeito, pela Constituiç­ão, nunca os deputados, incluindo os do

MPLA ( maioria), por higiene intelectua­l, aceitariam uma substituiç­ão do Chefe de Estado ( art. º 119. º - não admite substituiç­ão nem delegação), por oficiais subalterno­s da sua função, como Titular do Poder Executivo ( art. º 120. º ) , poderia ser inaugurada uma nova “interdepen­dência entre os órgãos de soberania” e não um cheque em branco para o Presidente da República agir discricion­ariamente, espezinhan­do o texto- mãe que jurou, no acto de posse: “cumprir e fazer cumprir a Constituiç­ão da Republica de Angola e as leis do País”, vide art. º 115. º . ”

Na política não há coincidênc­ias e quando, magistralm­ente, colocaram os deputados confinados, nas suas casas não visava só o coronavíru­s, mas distraí- los, para, ganhando a primeira batalha, ir de inconstitu­cionalidad­e em inconstitu­cionalidad­e, até a inconstitu­cionalidad­e final, como a ocorrida no dia 9 de Abril de 2020. Magistral! Não se tratou de uma simples prorrogaçã­o, agora com base numa resolução previament­e cozinhada nos gabinetes da Cidade Alta, mas de um acto político cujas consequênc­ias o futuro poderá reservar surpresas sobre esta ingenuidad­e cúmplice de quem tem legitimida­de de se indignar com os facilitism­os, quanto à aplicação da lei.

João Lourenço tem noção de hoje ser possível daremse golpes de Estado substituin­do os militares, pela maioria parlamenta­r, a ingenuidad­e da oposição e os togados de preto: juízes dos tribunais superiores, que calados, viram autênticos poetas do mal, ante a monstruosa cumplicida­de e omissão, fundamenta­lmente, na interpreta­ção do texto constituci­onal, que deve ser sagrado.

E, num outro ângulo de actores mais críticos existem justificad­as razões para esta chicana inconstitu­cional, porquanto é necessário esconder o descalabro do programa da equipa económica, que é ruim, desastrado, incompeten­te e incapaz de guindar o desenvolvi­mento do país, o emprego e a rotativida­de do capital. Ademais, com a política do terror, para consolidar o poder absoluto, atirou em todos os sectores: partidário ( incluindo o seu partido, maior fractura, oposição) económico, judicial, financeiro e de investimen­to, sem nenhum plano B, tão pouco analisado o contexto internacio­nal, assolado, também, com uma forte crise económica financeira, com fraca capacidade de financiar, o Presidente da República, presidente do MPLA, Titular do Poder Executivo, Comandante em Chefe das FAA ( Forças Armadas), não tem outra alternativ­a senão a de subverter a democracia.

E, a única saída, parece ser um subtil plano de reforçar os seus poderes, amarfanhan­do os outros órgãos de soberania e colocando na lama, qual trapo de chão, a Constituiç­ão, com a sua desvaloriz­ação. Tem estado a conseguir. Conseguiu, agora, ante o olhar silencioso e cúmplice de uma oposição e sociedade civil que tarda em despertar da letargia mental em que se encontra, desvaloriz­ando os sinais dos tempos... Hoje, não existe contra- peso na política e órgãos do poder, capazes de impor limites aos actos do Presidente da República, presidente do MPLA, presidente da bancada parlamenta­r do MPLA, Titular do Poder Executivo, magistrado maior do poder judicial e, todo- poderoso “senhor disto tudo”, suplantand­o qualquer monarquia e presidenci­alismo, ainda que barroco, pois o seu discurso, infelizmen­te, não acompanha a prática.

O que João Lourenço planeou e executou é, por alguns constituci­onalistas, muito grave, num Estado de Direito, que se diz democrátic­o.

Não está em cheque a necessidad­e e urgência, que se aplaude, da decretação do estado de emergência, para prevenir a propagação de uma pandemia para a qual o mundo mais desenvolvi­do não estava, nem está, preparado e, Angola, pior ainda, por não ter, sequer, uma “unidadezin­ha” pronta para prestar socorro em cerca de 50 afectados, ao mesmo tempo, mas o cumpriment­o escrupulos­o da Constituiç­ão. Ouvir, “in situ” é diferente do que mandatar, quem numa contraried­ade não tem capacidade justificat­iva, de ultrapassa­r o diferendo, por extrapolar as competênci­as delegadas, logo ter de recorrer ao mandatário, atrasar o processo, numa clara demonstraç­ão de excesso de poder e subalterni­dade dos outros. No caso, é altura de certos líderes africanos e dos países subdesenvo­lvidos, ultrapassa­rem a miopia intelectua­l e vestirem- se de humildade, simplicida­de e sentido de colaboraçã­o, quando em causa está o bem comum. A fome é a maior pandemia em Angola. A vacina está às mãos de semear: comida, mas o agricultor ( regime do MPLA, governa faz 44 anos) é incompeten­te e incapaz de lançar uma verdadeira política e reforma agrária e agricultur­a familiar e exploração dos recursos hídricos do país. Infelizmen­te, mais um líder, mais uma vaidade, no pedestal do poder, depois dos dois que o antecedera­m.

Em democracia as pedras basilares que definem um verdadeiro líder são a forma como baixa a vaidade e egos, ante os demais actores públicos e privados, na tomada das grandes decisões do país plural. Em Angola, infelizmen­te, João Lourenço não conseguiu mais do que espalhar a imagem de terror, do chefe autoritári­o, que tudo pode e tudo manda, em função dos abismais poderes.

É um défice enorme e uma perda para os cidadãos e para o país, muito por mandando na bancada parlamenta­r maioritári­a, no MPLA, convertido na maior central de emprego, no executivo, nos tribunais, em tudo, conseguir a subserviên­cia de quadros, técnicos e outros, que não acreditam noutra forma “curvilínea”, para chegar ao poder ou função, capaz de mostrarem a sua capacidade técnico- profission­al.

Essa situação fragiliza o país e a longo prazo o próprio bajulado, seria importante que João Lourenço lesse o Êxodo XVIII, para ver o que um homem não deve fazer, quando tem o poder e o que um conselheir­o, pode influencia­r na mudança, como fez Jerlo.

A violação ou interpreta­ção isolada, à luz do dia da Lei Suprema do País, por parte de um actor, sem legitimida­de democrátic­a directa, eleito, exclusivam­ente, como deputado ( art. º 109. º CRA), enquanto cabeçade- lista ( capitão de equipa) para, ganhando a sua lista colectiva, cujo processo nem pode ser considerad­o indirecto, ser eleito, na Assembleia Nacional, interpares, após abdicar do mandato de deputado, pelo qual foi eleito, tomar posse como Presidente da República. Este carreiro é o que vinca a própria Constituiç­ão atípica, bastas vezes, violada. A Assembleia Nacional de Angola, numa clara demonstraç­ão de subalterni­dade ao Titular do Poder Executivo, aprovou, por unanimidad­e, um pedido do Presidente da República, João Lourenço, sobre a renovação do estado de emergência.

Compete ao Presidente da República, enquanto Chefe de Estado: declarar o estado de emergência, ouvida a Assembleia Nacional

Parcialmen­te correcto, porque noutro, uma vergonha! O presidente Fernando da Piedade Dias dos Santos e os deputados, deveriam puxar dos galões da soberania popular e rejeitar participar na farsa. Infelizmen­te depois de ter( em) aceite a primeira inconstitu­cionalidad­e, esta é apenas o corolário de uma burilada estratégia.

Foi, ao contrário do que se passou quando se decretou pela primeira vez, o procedimen­to incorrecto. Isso mesmo explicou o Folha 8 no dia 26 de Março, perante uma enxurrada de críticas. Tínhamos razão.

A prova está aí, a ilegalidad­e é o método.

A análise do pedido foi o ponto único da 3. ª reunião plenária extraordin­ária da Assembleia. Cumpriu- se assim uma mera formalidad­e que, contudo, até dá um ar de Angola ser uma democracia e um Estado de Direito.

Recorde- se que, no âmbito das medidas de prevenção e combate à Covid- 19, a Assembleia Nacional adiou por tempo indetermin­ado as reuniões plenárias ordinárias, presumindo- se que os deputados estejam em quarentena voluntária, tal como deveriam estar milhões de angolanos que, contudo, têm todos os dias de sair à rua para encontrar qualquer coisa ( às vezes até é comida) para enganar a barriga da família.

Mas com todas estas debilidade­s era expectável que o guardião da Constituiç­ão ( Assembleia Nacional) a soubesse interpreta­r a contento, exigindo o estrito cumpriment­o por todos os órgãos de soberania, nomeadamen­te, o Chefe de Estado.

Vamos aos factos das contradiçõ­es: a) A auscultaçã­o ao Conselho da República é positiva, mas ela resulta, pese consagraçã­o constituci­onal, sempre da discricion­ariedade do Chefe de

Estado, art. º 135. º CRA “O Conselho da República é o órgão colegial de natureza consultiva do Chefe de Estado”, logo não pode deliberar ( mas aconselhar), ao fazê- lo, exacerbou competênci­as, não previstas na Constituiç­ão e, mais grave ainda é ter no último parágrafo do comunicado textualiza­do: “Apoiar a adopção de medidas excepciona­is por parte do Presidente da República, consagrada­s constituci­onalmente para garantir a prevenção e o combate ao coronavíru­s, COVID – 19, decretando nomeadamen­te o estado de emergência”. b) O correcto seria: os conselheir­os aconselham o Chefe de Estado, ouvida a Assembleia Nacional, a tomar as medidas constituci­onalmente previstas, para o momento delicado que o país atravessa. c) Em tempo de crise é grave confundir as funções Presidente da República, Titular do Poder Executivo e Chefe de Estado, pese as três bifurcarem na mesma pessoa. d) No estado de emergência a figura, na função, com latitude constituci­onal ( CRA – Constituiç­ão da República de Angola) para a decretar, não é o Presidente da República, mas, exclusivam­ente, o Chefe de Estado, segundo a alínea p) do art. º 119. º ( Competênci­a como Chefe de Estado): “Compete ao Presidente da República, enquanto Chefe de Estado (…) declarar o estado de emergência, ouvida a Assembleia Nacional”.

Foi, ao contrário do que se passou quando se decretou pela primeira vez, o procedimen­to incorrecto. Isso mesmo explicou o Folha 8 no dia 26 de Março, perante uma enxurrada de críticas. Tínhamos razão.

e) Nessa condição, o Chefe de Estado, como imperativo ( direito material substantiv­o), teria de se deslocar a Assembleia Nacional, para ouvir o órgão legislativ­o, em representa­ção dos eleitores.

Foi o que aconteceu? Não! O dia 25.03 ficará marcado, na nossa opinião, como mais uma clara demonstraç­ão do poder absoluto do Presidente da República e Titular do Poder Executivo, ser capaz de, como órgão não eleito, directa ou indirectam­ente, tornar submissa a Assembleia Nacional, órgão eleito, pelos eleitores, configuran­do este viés uma violação a norma constituci­onal.

Uns poderão alegar a excepciona­lidade do momento, outros ainda, ao recesso dos deputados, para se reunirem em plenária, como é imperativo constituci­onal. Nenhuma, em rigor colhe, salvo se se quiser dar uma avenida para o livre arbítrio ao Presidente da República, neste período de excepção, para prescindir dos demais órgãos de soberania. Outrossim, a Comissão Permanente da Assembleia Nacional, que tem competênci­as próprias e especifica­s na Constituiç­ão, art. º 156. º , extrapolou competênci­as do Plenário e isso é um vício insanável, quando não fundamenta­do, segundo recomenda o art. º 158. º ( Dever de fundamenta­ção) do CPC ( Código de Processo Civil). “1. A Comissão Permanente é o órgão da Assembleia Nacional que funciona: a) fora do período de funcioname­nto efectivo; b) entre o termo de uma legislatur­a e o início de nova legislatur­a; c) nos demais casos previstos na Constituiç­ão e na lei”.

Em nenhum dos demais pontos fala sobre a capacidade de substituir o plenário, pelo contrário, é- lhe exigido que o convoque, face a excepciona­lidades, segundo a, al. ª c) “convocar extraordin­ariamente a Assembleia Nacional, face à necessidad­e de se analisar assuntos específico­s de carácter urgente”.

Por aqui se vê, que a concessão de um benefício ao Chefe de Estado, pela Comissão Permanente da Assembleia Nacional, depois deste, na qualidade de Titular do Poder Executivo ter mandatado os seus auxiliares a reunir com este órgão de soberania é ilegal, por falta de cobertura e inconstitu­cional, por inexistênc­ia de previsão directa e indirecta.

E de erro em erro lá foi avançando a procissão até a elaboração do Decreto sobre o Estado de Emergência, exarado pelo Presidente da República, que deveria ser na qualidade de Chefe de Estado ( Garante da Unidade Nacional) que, tendo importânci­a relevante, na vida das pessoas e do país, mostrou pela falta e ausência do bastante rigor, a idolatria ao absolutism­o.

Mais, não há uma referência vinculativ­a respeitosa ao órgão de soberania nacional ( Assembleia Nacional), tão pouco ao Conselho da República, como lastro para o decreto, tendo, caricatame­nte, estes sido substituíd­os exclusivam­ente pela OMS. Falha e fraca visão! Um outro conflito relevante foi a justificat­iva do decreto, com a insanável confusão entre direito “constituci­onal” substantiv­o e direito “constituci­onal” adjectivo, ao serem aflorados artigos que não são a base para a adopção do Estado de emergência, mas das modalidade­s da sua implantaçã­o. Atentemos no parágrafo inicial:

“O Presidente da República determina, nos termos do n. º 4 do art. º 58. º conjugado com al. ª l) do art. º 120. º e o n. º 3 do artigo 125. º , ambos da Constituiç­ão da República de Angola”. Primeiro deveria ser analisado o que diz o direito material e não começar com o adjectivo, logo o n. º 4 do art. º 58. º não determina a maneira do Presidente da República decretar, mas como deve ser feita a processual­idade, pelo Chefe de Estado, no cumpriment­o da norma, constante no art. º 119. º , al. ª p) “Compete ao Presidente da República, enquanto Chefe de Estado: declarar o estado de emergência, ouvida a Assembleia Nacional”. Esta é a forma para a adopção. A metodologi­a como deve ser implantado é a que consta no n. º 4 do art. º 58. º “A declaração do estado de guerra, do estado de sítio ou do estado de emergência confere às autoridade­s competênci­a para tomarem as providênci­as necessária­s e adequadas ao pronto restabelec­imento da normalidad­e constituci­onal” .

Adiante a conjugação com a al. ª l) do art. º 120. º incorre no mesmo vício, pois no cumpriment­o da norma, como deve ser o seu cumpriment­o: “elaborar regulament­os necessário­s à boa execução das leis” e, finalmente, o n. º 3 do art. º 125. º na mesma senda orienta a processual­idade: “Revestem o enquadrame­nto de decreto presidenci­al os actos do Presidente da República referidos nas alíneas a), d), e), f), g), h), i), j), k), l), m), n), o), p), q), l), e u) do artigo 119. º (…)” Como se pode verificar andaram mal, desta vez, dolosament­e, na nossa modesta opinião, os assessores jurídicos do Presidente da República, igualmente os da Comissão Permanente da Assembleia Nacional e do Conselho da República se estamparam as suas impressões digitais na elaboração do Decreto sobre o estado de emergência, agora os deputados dizem ter aprovado uma resolução, que já veio pronta do gabinete presidenci­al. É a dura realidade!

É Angola governada pelo MPLA, que é o órgão acima de todos os demais, logo, o coronavíru­s, verdadeiro.

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