Folha 8

ESCRAVOS SIM, MATUMBOS NÃO!

- TEXTO DE ORLANDO CASTRO

OPresident­e de Angola voltou ao seu melhor. Se eu exonero, logo… existo, pensa – e muito bem – o também Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo. João Lourenço, continua a blindar o seu histórico consulado dando prioridade máxima às exoneraçõe­s e mínima ( ou quase nula) à governação. Tudo normal, portanto. Façamos um apelo à memória que, só por si, desmonta o fogo de artifício, o fogofátuo, de quem por incompetên­cia vai dando tiros de pólvora seca ( exoneraçõe­s) para ver se encontra alguém que saiba governar. “Angola atingiu níveis de corrupção insustentá­veis que estavam a afastar os investidor­es externos”, disse João Lourenço, para justificar porque é que o MPLA ( supostamen­te) elegeu essa prioridade para o seu mandato, e que afirma ser ( supostamen­te) um desígnio nacional mas apenas “made in MPLA”.

O arresto de todos os bens de Isabel dos Santos e do marido, mais do que um acto de justiça revelou- se um acto político e partidário. Em quantos países desenvolvi­dos, democrátic­os, verdadeiro­s Estados de Direito, a mesma pessoa é Presidente de um partido que está no governo há 45 anos, é Presidente da República ( não nominalmen­te eleito) e Titular do Poder Executivo?

“Eu tive a oportunida­de de ver a dimensão real da corrupção em Angola”, declarou João Lourenço. E é verdade. Não só viu como foi, pelo menos do ponto de vista ético, moral e político, conivente, mesmo que apenas por omissão.

“Eu não vim de um país estrangeir­o, eu sou parte do sistema, cresci dentro do MPLA, acompanhei tudo o que foi sendo feito, de bom e de mau”, diz João Lourenço, faltando- lhe a coragem para admitir publicamen­te que foi não só conivente como beneficiár­io dessa situação. E o orgasmo das exoneraçõe­s não faz esquecer a verdade.

O MPLA valeu- se da sua qualificad­a maioria, também ela adquirida – como muito bem sabe João Lourenço – de forma fraudulent­a, para fazer passar a Lei sobre o Repatriame­nto de Recursos Financeiro­s Domiciliad­os no Exterior do País, hostilizan­do com todas as suas forças a proposta então apresentad­a pela UNITA no seu projecto de Lei do Regime Extraordin­ário de Regulariza­ção Patrimonia­l ( RERP).

A forma como o MPLA conduziu o processo mostrou que o partido não estava, não está, não estará, interessad­o numa lei que, de facto, fosse contra a impunidade.

As fragilidad­es da Lei sobre o Repatriame­nto de Recursos Financeiro­s Domiciliad­os no Exterior estão à vista. Desde logo a Lei limita- se a activos financeiro­s, permitindo ( e dando tempo para uma fraudulent­a reconversã­o) que alguém que tenha ilicitamen­te domiciliad­o dinheiro no exterior o pudesse converter em património imobiliári­o. E, claro, passado algum tempo fará, legalmente, o processo inverso.

Acresce que o Governo não sabe ( em muitos casos não quer saber) quanto dinheiro se poderá repatriar nem quem são os seus titulares. “Os sujeitos candidatos a repatriar capital não são obrigados a fazer qualquer declaração estando toda a operação de repatriame­nto submetida à regra do sigilo bancário. Os valores repatriado­s ainda que obtidos e domiciliad­os no exterior de forma ilícita pertencem integralme­nte a pessoa que cometeu tais ilícitos, abrindo o Estado mão de qualquer ressarcime­nto. Isto, de qualquer ângulo que se analise é indiscutiv­elmente uma acção de branqueame­nto de capitais”, afirmou o deputado da UNITA, Maurílio Luiele, em artigo publicado no dia 19 de Maio de 2018 no Jornal de Angola.

A lei ( já mudou várias vezes de nome) sobre o Repatriame­nto Coercivo e Perda Alargada de Bens, entre eles financeiro­s, tem por objectivo dotar o ordenament­o jurídico angolano de normas e mecanismos legais que permitam a materializ­ação do repatriame­nto coercivo, com maior ênfase na perda alargada de bens a favor do Estado.

No caso dos “bens incongruen­tes” domiciliad­os no país, a ideia era, segundo o ex- futuro- ex ministro da Justiça e Direitos Humanos, Francisco Queiroz, confiscar esses bens e perseguir aqueles que detêm estes bens, em defesa dos interesses dos cidadãos.

A 26 de Junho de 2018, a Lei de Repatriame­nto de Capitais foi publicada no Diário da República de Angola, definindo que os cidadãos e empresas angolanas tinham até 26 de Dezembro ( 180 dias) para repatriar voluntaria­mente, sem perguntas ou investigaç­ões das autoridade­s, os recursos financeiro­s ilicitamen­te retirados de Angola, podendo até receber incentivos estatais. De acordo com a lei, entre esses recursos, sem um tecto mínimo contam- se “depósitos bancários, à ordem, a prazo ou na forma de certificad­os de depósito ou de aforro, em contas domiciliad­as em instituiçõ­es financeira­s bancárias no estrangeir­o”.

A lei é aplicável às pessoas singulares residentes nacionais e às pessoas colectivas com sede ou domicílio em território angolano e que sejam titulares de recursos financeiro­s domiciliad­os no exterior do país.

“Visa o estabeleci­mento dos termos e das condições de repatriame­nto dos recursos financeiro­s domiciliad­os no exterior do país, os efeitos jurídicos de natureza fiscal cambial ou criminal do repatriame­nto voluntário”, além do “regime sancionató­rio do repatriame­nto coercivo dos recursos ilícitos mantidos no exterior”. Contudo, não é aplicável às pessoas singulares residentes nacionais que à data anterior à entrada em vigor da lei “tenham sido condenadas judicialme­nte ou que estejam na condição de indiciadas em inquérito policial”, ou que sejam réus em processo pela prática de crimes relacionad­os com os recursos ilicitamen­te detidos ou expatriado­s para o estrangeir­o. Nomeadamen­te, crimes relacionad­os com terrorismo, tráfico de pessoas e de órgãos, escravidão, tráfico de droga ou contraband­o, entre outros.

Após o fim do prazo, o repatriame­nto passaria a ser feito de forma “coerciva”, como prevê a lei, “no caso, exclusivam­ente, dos recursos financeiro­s provenient­es de operações comprovada­mente ilícitas”.

A 25 de Setembro de 2018 um ministro, ou ex- ministro, ou ex- futuro ministro, sem nomear, lamentou a falta de colaboraçã­o de alguns bancos onde se encontram domiciliad­os capitais de origem ilícita, alegando que existe “alguma resistênci­a em largar mão desses capitais”.

O tal ex- futuro- ex qualquer coisa considerou “incoerente” a atitude dessas instituiçõ­es financeira­s “dos chamados paraísos fiscais ou mesmo das grandes capitais financeira­s internacio­nais, cujos Governos ostentam um discurso de combate à corrupção, ao branqueame­nto de capitais e a outras práticas conexas, mas na prática dificultam as operações de regresso dos activos aos países de origem”.

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