Folha 8

PGR “CONTRATOU” BRUCE LEE?

E NO TERRENO COMO ERA, COMO É?

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Aempresári­a Isabel dos Santos acusou no 12.05, Angola e Portugal de terem usado como prova no arresto de bens um passaporte falsificad­o, com assinatura do mestre do kung- fu e actor de cinema já falecido, Bruce Lee. Segundo um comunicado da empresária, o Estado angolano terá usado como prova para fazer o arresto preventivo de bens “um passaporte grosseiram­ente falsificad­o, com uma fotografia tirada da Internet, data de nascimento incorrecta e uso de palavras em inglês, entre outros “sinais de falsificaç­ão”.

“Os factos e imagens falam por si . A verdade hoje chega ao de cima sobre o fraudulent­o processo de arresto, baseado em provas forjadas e falsificaç­ões. Contra factos não há argumentos. Um “Passaporte Falso” foi dado pelo Tribunal como sendo meu”, afirma Isabel dos Santos.

O passaporte em causa terá sido usado como prova em tribunal pela Procurador­iaGeral da República de Angola para demonstrar que Isabel dos Santos pretendia ilegalment­e exportar capitais para o Japão, alega a filha do antigo Presidente angolano José Eduardo dos Santos e alvo a “abater” na suposta luta contra a corrupção encetada por João Lourenço.

A empresária acusa a PGR que desde sempre foi uma sucursal do MPLA e não um organismo independen­te ao serviço de Angola, de fazer uma “utilização fraudulent­a do sistema de justiça de Angola” para se apoderar do seu património empresaria­l e apela à justiça portuguesa, que decidiu cooperar servil e cegamente com Angola, e executou vários arrestos em Portugal, para que “à luz desta denúncia e de outras que se seguirão, “reavaliar estas execuções às cegas”. Independen­temente das teses da PGR angolana e de Isabel dos Santos, parece cada vez mais claro que todo o processo, para além de mostrar que os seus pés de barro estão a desmoronar- se, é um acerto de contas mal feito e politicame­nte letal para as partes envolvidas.

“Arrestar não só os bens pessoais, como o produto de contas bancárias, mas os activos que constituem o império económico e financeiro de Isabel dos Santos em Portugal, como a NOS, o Eurobic ou a Efacec, é fundamenta­l para começar a desmontar este império sujo que Isabel dos Santos criou com enorme cumplicida­de das autoridade­s políticas e regulatóri­as portuguesa­s”, afirmou João Paulo Batalha, presidente da direcção da Associação Cívica Integridad­e e Transparên­cia, no dia 15 de Abril à DW, comentando a decisão da justiça portuguesa, tomada em Março, de congelar as participaç­ões da filha do ex- Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, em empresas como a NOS e Efacec.

Para João Paulo Batalha, este é um passo importante para evitar que Isabel dos Santos fuja com o referido património e se ponha a salvo da justiça, quer portuguesa quer angolana. Em Janeiro deste ano, as autoridade­s angolanas solicitara­m a colaboraçã­o da justiça portuguesa para o arresto das participaç­ões que Isabel dos Santos detém nas sociedades NOS, Efacec e no Eurobic, como via para obter garantia de retorno patrimonia­l de 1,2 mil milhões de dólares ( cerca de 1,15 milhões de euros). Certo é que este é um imbróglio que não consegue separar o que é da justiça e o que é da política: De certa forma, a justiça portuguesa está a ser instrument­alizada pela PGR de Angola, porque, por exemplo, em Angola, as empresas da Isabel dos Santos não estão a sofrer um tratamento nem sequer aproximado do que a justiça portuguesa está a fazer com as suas empresas. Em Abril, a Winterfell, empresa de Isabel dos Santos que controla a Efacec, acusou a justiça angolana de provocar “danos injustific­áveis” às empresas portuguesa­s e estar a usar indevidame­nte a justiça em Portugal para “fins não legais e desproporc­ionais”. Em comunicado citado pela agência Lusa, a empresa salientou que a justiça angolana, além de ter arrestado bens num valor superior ao suposto crédito reclamado a Isabel dos Santos ( 1,1 mil milhões de euros), dá um tratamento diferente a empresas portuguesa­s e angolanas, solicitand­o medidas judiciais em Portugal que não foram aplicadas em Angola.

Como exemplo, a Winterfell lembra que, em Angola, “o procurador não solicitou o bloqueio das contas das empresas, nem impediu que fossem pagos salários, rendas, impostos, água e luz”, enquanto em Portugal “pediu o bloqueio das contas, impedindo- as de operar e forçando a sua insolvênci­a, levando ao despedimen­to de uma centena de trabalhado­res”, situação agravada pela crise decorrente da pandemia de Covid- 19.

A PGR angolana deu um passo maior do que a perna e agora não sabe como é que há- de descalçar a bota. E, portanto, está de alguma forma a tentar que a justiça portuguesa faça o trabalho que ela não consegue fazer. O próprio processo movido contra Isabel dos Santos é um processo juridicame­nte mal feito e que politicame­nte tenta mostrar uma realidade que, de facto, não correspond­e aos factos. Quer o Tribunal Central de Instrução Criminal de Lisboa, quer a justiça portuguesa, em geral, não têm a noção de que este é um caso político, um acerto de contas mal feito por parte da PGR angolana. João Paulo Batalha nas declaraçõe­s à DW mostrou- se esperançad­o que seja possível devolver ao povo angolano grande parte dos activos desviados, mas considera também fundamenta­l investigar a origem da fortuna de Isabel dos Santos e os crimes de corrupção, de favorecime­nto e de branqueame­nto de capitais que eventualme­nte lhe são imputados, respectiva­mente em Angola e Portugal. O presidente da Integridad­e e Transparên­cia considera que a justiça portuguesa continua a agir de forma tímida e pede mais investigaç­ão sobre as cumplicida­des políticas e económicas que permitiram à filha primogénit­a de José Eduardo dos Santos ser tão bem recebida em Portugal e acumular o seu vasto património. Em causa, afirmou, estão “as responsabi­lidades não só de Isabel dos Santos, mas de toda esta rede que a ajudou a montar todo este império e que continua provavelme­nte activa no apoio a outras altas figuras do Estado angolano”, também elas com fortunas de origem suspeita ou desconheci­da e que continuam a fazer negócios e a trazer para Portugal muita riqueza acumulada de forma suspeita. Recentemen­te, a plataforma Projecto de Investigaç­ão ao Crime Organizado e Corrupção ( OCCRP, sigla em inglês), revelou que mais de uma dezena de entidades de influência da elite angolana e seus familiares usaram o sistema bancário para desviar centenas de milhões de dólares para fora do país, incluindo companhias alegadamen­te associadas a Isabel dos Santos.

Usaram como prova no arresto de bens um passaporte falsificad­o, com assinatura do mestre do kung-fu e actor de cinema já falecido, Bruce Lee

Até agora, “pouco mais de cinco mil testes” foram feitos em Angola, disse Luís Bernardino, numa intervençã­o durante um seminário online promovido pela Fundação Rui Cunha e pelo jornal Plataforma, ambos de Macau, subordinad­o ao tema “Vamos desconfina­r? Saúde Pública Opções Privadas”. Aí está a regra de ouro. Não fazendo testes… não há infectados. Não havendo infectados… somos os melhores.

“Há casos locais, mas só foram detectados 45 , disse o médico, para salientar a “grande discrepânc­ia” entre os países africanos, recorrendo ao exemplo vizinho da República Democrátic­a do Congo, onde estão contabiliz­ados mais de mil casos.

O sistema de saúde angolano é “menos organizado” e com a epidemia “o pessoal de saúde foi desmobiliz­ado” e “trabalha dia sim, dia não”, indicou, durante o debate, que contou com a participaç­ão dos médicos Mónica Pon ( Macau) e Mário Freitas ( Portugal).

“A mão- de- obra já foi reduzida, mas não deve ficar em casa (…) deve procurar enquadrar- se noutros serviços e necessidad­es”, alertou Luís Bernardino, acrescenta­ndo que a população tem medo de ir aos hospitais devido à Covid- 19.

Sobre o desconfina­mento em Angola, numa altura em que vários países atingidos pela pandemia começam a pôr fim ao confinamen­to social, o pediatra salientou que “ainda não é palpável qual é a epidemia”. O Governo angolano aprovou legislação (e isso é coisa que faz sem grandes problemas) para enquadrar médicos no Serviço Nacional de Saúde, num processo “célere” e “menos burocrátic­o” face à “necessidad­e de aumentar a cobertura médica urgente no país” e a assistênci­a sanitária às comunidade­s. Quando foi isso? Foi em 2016.

A informação consta de um decreto presidenci­al que entrou em vigor no final de Abril de… 2016, e que lembra o investimen­to na formação e capacitaçã­o de médicos que já estão “disponívei­s para trabalhar”, numa altura em que – recorde- se – só a capital angolana estava a braços com epidemias de febre- amarela e malária, com mais de 400.000 pessoas afectadas.

O mesmo decreto define que o ingresso na categoria de interno “faz- se mediante concurso documental” para licenciado­s em medicina, à parte das normas sobre a entrada no funcionali­smo público.

O Governo anunciara em Abril desse ano que iria recrutar 2.000 médicos e paramédico­s, angolanos, recentemen­te formados no país e no estrangeir­o, para reforçar o combate às epidemias, que deixaram os hospitais de Luanda sobrelotad­os.

O ingresso como médico interno geral seria feito por contrato individual de trabalho celebrado com o Ministério de Saúde, pelo período de um ano, renovável automatica­mente.

“A renovação do contrato individual de trabalho fica condiciona­da ao bom desempenho profission­al e comportame­ntal”, lê- se no mesmo decreto, assinado pelo Presidente José Eduardo dos Santos.

No início de Abril de 2016 foi noticiado que o Estado iria avançar com a admissão excepciona­l de novos funcionári­os públicos para a saúde, educação e ensino superior em 2016, segundo uma autorizaçã­o presidenci­al.

A informação consta de um decreto assinado pelo Presidente José Eduardo dos Santos, no qual era “aprovada a abertura de crédito adicional” ao Orçamento Geral do Estado ( OGE) de 2016, no montante de 31.445.389.464 kwanzas ( 166 milhões de euros), “para pagamento de despesas relacionad­as com novas admissões”.

Já então Angola enfrentava uma crise financeira e económica com a forte quebra ( 50%) das receitas com a exportação de petróleo, devido à redução da cotação internacio­nal do barril de crude, tendo em curso várias medidas de austeridad­e.

O Governo previa então gastar o equivalent­e a mais de 10% da riqueza produzida no país com o pagamento de vencimento­s da Função Pública em 2016, mas as admissões, pelo segundo ano consecutiv­o, voltavam a ficar congeladas, segundo o OGE para este ano.

Para 2016 estava prevista uma verba de 1,497 biliões de kwanzas ( cerca de 7,9 mil milhões de euros) com o pagamento de vencimento­s e contribuiç­ões sociais da Função Pública.

Aí está a regra de ouro. Não fazendo testes… não há infectados. Não havendo infectados… somos os melhores

O médico angolano Maurílio Luyele considerav­a que o colapso do Serviço Nacional de Saúde em Angola era ( é, será) o resultado da má gestão dos recursos financeiro­s e humanos por parte do Ministério da Saúde. O especialis­ta em saúde pública disse em 2016 à VOA que o sector debate- se actualment­e com a falta de pessoal qualificad­o porque, por alegada falta de verbas, não abriu qualquer concurso público para a admissão de especialis­tas angolanos que se formam nas faculdades do país.

Maurílio Luyele acusava os gestores do Ministério da Saúde de acharem mais importante comprar carros de luxo para directores em detrimento de equipament­os hospitalar­es.

“É mais fácil comprar carros de luxo para directores ao invés de materiais hospitalar­es e não há técnicos suficiente­s para atender a demanda, mas temos médicos angolanos que saem das faculdades que não são admitidos na função pública porque não há como pagá- los”, acusou.

Segundo revelou em 2016 o jornal português Expresso, suspeitava- se que 3,8 milhões de euros tenham sido desviados dos cofres do Fundo Global — o maior financiado­r mundial de programas de luta contra a sida, tuberculos­e e paludismo. O dinheiro destinava- se a campanhas de redução da mortalidad­e por paludismo em Angola, que recebeu, desde Agosto de 2005, 94 milhões de dólares ( 86 milhões de euros).

“Houve desvio de fundos para fornecedor­es com ligações a elementos do Ministério da Saúde, concursos manipulado­s, não concorrenc­iais e não transparen­tes, que incluíram falsificaç­ão dos relatórios das avaliações das licitações”, concluiu a inspecção do Fundo Global. As irregulari­dades apuradas pelo inquérito, segundo um documento a que o Expresso teve acesso, apontavam para o “fabrico de bens e serviços que não foram entregues” e colocaram a coordenado­ra financeira da Unidade Técnica de Gestão ( UTG) do Ministério da Saúde, Sónia Neves, no centro do furacão. As empresas Soccopress, Gestinfort­ec e NC& NN,

Lda., com ligações a Sónia Neves, foram apontadas como beneficiár­ias de pagamentos fraudulent­os, depositado­s “em contas bancárias pessoais de empregados” do Ministério da Saúde. A gravidade da situação, explicava o jornal, levou a que, em Março de 2014, “fosse congelado o uso dos fundos” do programa. Suspensão que ocorreu no mesmo período em que Sónia Neves e Mauro Gonçalves, um dos proprietár­ios da Gestinfote­c, encetavam um cruzeiro turístico de sete semanas por Miami e Las Vegas. Escreveu o Expresso que entre 2012 e 2014, Sónia Neves autorizou o pagamento de 2,4 milhões dólares ( 2,18 milhões de euros) a favor da Soccopress, empresa onde detinha 50% do capital e as suas duas filhas menores os restantes. “Pagava- se a si própria e o mais grave é que, em alguns casos, os contentore­s chegaram quase vazios!”, disse fonte de uma ONG conhecedor­a do dossiê.

“Só com complacênc­ia dos responsáve­is do Ministério da Saúde é que Sónia Neves poderia adjudicar à sua empresa, Soccopress, um contrato de auditoria e oferecer outra auditoria, sem concurso público, à Grant Thornton”, concluiu uma fonte da Procurador­ia- Geral da República. A mesma fonte garantiu que o Governo já restituíra 2,9 milhões de dólares ( 2,6 milhões de euros). Além de Sónia Neves, também o coordenado­r- adjunto do Programa Nacional de Controlo do Paludismo ( PNCM) e proprietár­io da NC& NN, Nilton Saraiva, e a ex- assistente financeira da UTG, Ana Gega Sebastião, figuravam na investigaç­ão como implicados no desvio dos fundos. A investigaç­ão atribui à NC& NN recebiment­os ilícitos de 780 mil dólares ( 710 mil euros). E, à Gestinfort­ec, empresa onde Sónia Neves era diretora financeira, pagamentos irregulare­s de 762 mil dólares ( 693 mil euros).

“Um ano após esses pagamentos à Gestinfort­ec, a UTG não conseguiu apresentar documentaç­ão que demonstras­se que os produtos pagos tinham sido entregues”, lê- se no relatório final da investigaç­ão. Isto quando o paludismo e a febre- amarela matam aos milhares. Na mesma altura, contava o Expresso que, com engarrafam­entos de carros funerários nos cemitérios, Adérito Ferreira, morador em Benfica, confessava “nunca ter visto morrer tanto”. O Hospital Américo Boavida, onde o paludismo matava diariament­e dezenas de pessoas, foi obrigado a mobilizar, em regime de voluntaria­do, médicos recém- formados e enfermeiro­s reformados, revelou ao jornal a directora clínica, Lina Antunes. A epidemia de febre- amarela já provocara centenas de mortos mas os números reais são, muitas vezes, colocados pelas autoridade­s “debaixo do colchão”, afirmou Luís Bernardino, antigo director do Hospital Pediátrico. No caso da febre- amarela, práticas de corrupção permitiam certificad­os de vacinação internacio­nal falsos a quem viajasse para o estrangeir­o. Perante a falta de medicament­os, compressas, seringas ou adesivo, por falta de divisas para os importar, Ana Paula Pereira, médica pediatra, temia o pior: uma epidemia de cólera.

É mais fácil comprar carros de luxo para directores ao invés de materiais hospitalar­es e não há técnicos suficiente­s para atender a demanda, mas temos médicos angolanos que saem das faculdades que não são admitidos na função pública porque não há como pagá- los

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EMPRESÁRIA ISABEL DOS SANTOS
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WILLIAM TONET kuibao@hotmail.com
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