MALÁRIA NÃO ATINGE OS DONOS DOS ESCRAVOS
A única porta de saída para todo este imbróglio [no caso das vítimas do 27 de Maio] é o senhor general reconhecer a hecatombe causada pela ditadura de Agostinho Neto
Em Abril de 2012, o Jornal de Angola ( esse intestino grosso de referência mundial) escrevia que as autoridades sanitárias angolanas previam iniciar, a partir de 2015, o processo de pré- eliminação da malária, a doença tropical que mais óbitos provoca no país. Em manchete escrevia: “Malária em Angola em vias de extinção”.
Na altura, o coordenador do Programa de Luta contra a Malária explicava que a probabilidade de Angola iniciar o processo de pré- eliminação da doença residia na contínua redução de casos da doença. Notável.
Filomeno Fortes, que falava à margem da reunião extraordinária da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral ( SADC) sobre saúde, frisou que as autoridades angolanas e os seus parceiros estavam empenhados em baixar, cada vez mais, o índice de mortalidade por malária no país.
Tudo indica que, segundo os peritos dos peritos do Governo, todos os angolanos ( crianças e adultos) que morrem deixam de sofrer de malária, prevendo- se que – por isso – o número de casos de malária tenderá a baixar.
“A manter- se este nível de redução, a partir de 2015 podemos pensar na possibilidade da pré- eliminação da doença no país”, sublinhou Filomeno Fortes.
No dia 4 de Agosto de 2019 o Presidente João Lourenço felicitou o médico angolano Filomeno Fortes pela sua eleição como director do Instituto de Higiene e Medicina Tropical ( IHMT) de Portugal. ( Quase) todos os angolanos – mesmo os que o MPLA não considera angolanos – se juntaram às felicitações.
Numa nota postada na sua conta Twitter, o chefe de Estado angolano, igualmente Presidente do MPLA ( partido no Poder desde 1975) e Titular do Poder Executivo, considera que esta eleição representava o reconhecimento da dedicação de Filomeno Forte aos estudos e ao trabalho e que “este é o caminho do sucesso”.
“Parabéns ao prof. Doutor Filomeno Fortes pela conquista, ao atingir por mérito o prestigiado lugar de director do Instituto de Medicina Tropical de Portugal”, escreveu o Presidente João Lourenço. A eleição de Filomeno Fortes, especialista em doenças tropicais e coordenador do doutoramento em Ciências Biomédicas da Universidade Agostinho Neto, em Luanda, ocorreu, em Lisboa, depois de um concurso internacional em que teve como outro finalista o médico brasileiro Roberto de Andrade Medronho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Na apresentação pública da sua proposta de acção para o IHMT para o período de 2019- 2023, Filomeno Fortes defendeu o reforço do prestígio nacional e internacional do instituto, bem como as parcerias com os PALOP ( Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa). Filomeno Fortes já desempenhou vários cargos em Angola, incluindo os de director nacional de Controlo de Endemias, chefe do Departamento de Controlo de Doenças da Direcção Nacional de Saúde Pública e director do Programa de
Controlo da Malária.
A nível internacional foi nomeado, em 2012, secretário- geral da Federação Internacional das Doenças Tropicais. Filomeno Fortes é o primeiro estrangeiro a assumir a direcção do IHMT, instituição que coordena todos os programas de saúde a nível da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa ( CPLP).
Fundado em 1902, o Instituto dedica- se ao ensino e à investigação da saúde pública, medicina tropical, ciências biomédicas e epidemiologia, com especial incidência na ligação com os países de língua oficial portuguesa.
Tem também um programa de mestrados, doutoramentos e pós- graduações com cerca de 500 alunos, mais de metade dos quais frequentam as aulas à distância e com recurso às tecnologias de informação e comunicação.
A maior parte dos alunos são brasileiros, moçambicanos e angolanos, mas o IHMT tem actualmente estudantes de mais de 20 nacionalidades. O organismo fornece ainda consultas de medicina tropical e das viagens, tendo, em 2017, feito 11.262 consultas do viajante, 369 consultas de medicina tropical e administrado 21.658 vacinas.
Tudo indica que, segundo os peritos dos peritos do Governo, todos os angolanos (crianças e adultos) que morrem deixam de sofrer de malária, prevendo-se que – por isso – o número de casos de malária tenderá a baixa
Uma equipa de investigadores em Portugal descobriu que o parasita malária e a bactéria ‘ E. coli’ evitam a sua destruição através da modulação de proteínas receptoras da célula hospedeira. Enquanto isso, em Angola a malária continua a ser a principal causa de morte e a incompetência dos governantes o principal problema.
Num artigo publicado em Setembro de 2018 na revista científica “Scientific Reports”, os investigadores explicam que até agora sabia- se que várias bactérias e parasitas se servem da maquinaria da célula hospedeira para seu proveito, evitando a sua própria destruição, ou fagocitose, sem que em muitos dos casos se saiba exactamente como e que agora foi descoberto o mecanismo pelo qual estes microrganismos subvertem a fagocitose da célula hospedeira.
“O sistema imunitário tem como função defender as células de agentes patogénicos externos ao organismo. A primeira linha de defesa é operada por células como os macrófagos, os neutrófilos e as células dendríticas, cuja função é fagocitar (“fagos” = comer e “citos” = célula), ou, por outras palavras, internalizar e destruir os agentes patogénicos” adiantou a equipa de investigadores do Centro de Estudos de Doenças Crónicas ( CEDOC- NMS| FCM) da Universidade Nova de Lisboa e do Instituto Gulbenkian de Ciência ( IGC), liderada por Duarte Barral ( CEDOC- NMS| FCM). A fagocitose é o englobamento e digestão de partículas sólidas e micro- organismos por células, processo que nos humanos está ligado directamente ao processo imunológico. Duarte Barral explicou num comunicado que o estudo representa “um valioso contributo para o crescente conhecimento não só das estratégias usadas por estes microrganismos, mas também dos mecanismos de defesa das nossas células contra eles”. “Futuramente, este conhecimento poderá ter importância no desenvolvimento de novas estratégias para combater infecções provocadas por este tipo de microrganismos”, adiantou. Num estudo anterior, os investigadores tinham já demonstrado que o parasita da malária ‘ Plasmodium berghei’, e a bactéria ‘ E. coli’, ao infectarem as células do hospedeiro levam ao aumento da expressão de proteínas da célula hospedeira, cuja consequência é a inibição da fagocitose e consequentemente da destruição dos parasitas. Duarte Barral, salienta que “é interessante que uma bactéria e um parasita tenham evoluído independentemente estratégias semelhantes de escapar à sua destruição, provavelmente por ser a forma mais eficiente de o conseguir; isto revela um conhecimento profundo dos mecanismos celulares por parte dos microrganismos, resultado de milhões de anos de coevolução”.
É interessante que uma bactéria e um parasita tenham evoluído independentemente estratégias semelhantes de escapar à sua destruição
Senhor general João Lourenço, peça desculpa a bem da pacificação dos espíritos. A única porta de saída para todo este imbróglio [ no caso das vítimas do 27 de Maio] é o senhor general reconhecer a hecatombe causada pela ditadura de Agostinho Neto. Senhor Presidente, Dirijome à vossa pessoa na qualidade de cidadão soberano e independente que não presta vassalagem a governos e a partidos políticos. Falase por aí, nos círculos oficiais e nos pregões de uma certa imprensa que se agita em arroubos de satisfação, que o vosso governo se propõe expiar os crimes do 27 de Maio e emitir certidões de óbito, ao mesmo tempo que se predispõe a levantar um memorial às vítimas. Se uns poucos de cidadãos por acomodação e imoralidade política aceitam esta oferta fantasiosa, outros, no entanto, soltam um brado de repulsa. Falo da maioria das vítimas ( dos sobreviventes e das famílias dos desaparecidos forçados) que rejeitam em bloco esta farsa monumental liderada pelo senhor. Ninguém em sã consciência, por decoro pessoal, aceita comungar deste teatro de embustes em troca apenas de certidões de óbito e em troca de uma bizarria chamada memorial.
Até os mortos, se tivessem voz, se indignariam com tamanha trapaça. É evidente o logro de tudo isto, fazer- se do memorial a chave principal da pacificação dos espíritos quando ainda nem sequer se aclararam outros requisitos bem mais importantes. Semelhante propósito não serve senão para anestesiar as pessoas e levá- las a acreditar nas proclamadas boas intenções do seu governo. Ao invés de ser o fim do começo, o monumento deve ser o começo do fim no tocante à reparação da culpa do Estado e do Partido dominante.
Ou seja, o seu governo insiste em tratar o problema da reparação das injustiças socorrendo- se de métodos indesejáveis. Invertem- se os termos da equação num puro jogo de ilusionismo político. Antes das certidões de óbito e do memorial é forçoso que o senhor, na qualidade de chefe do Estado, reconheça explicitamente a responsabilidade do seu Partido e do governo de Agostinho Neto nas barbaridades de 1977- 1979 que empurraram Angola para um marco civilizatório dos mais sombrios e repugnantes. Que se apontem aos olhos do país e da comunidade internacional os nomes dos mandantes do Bureau Político e das cúpulas do Estado responsáveis pelas engrenagens de morte que devastaram o país de lés a lés.
Sem este primeiro passo é escusado falar do resto. É perda de tempo, é casuísmo destinado a confundir as consciências. Às vítimas assiste plena legitimidade, à luz do Direito Internacional, de impugnar a política de impunidade persistente no seu governo. O senhor segue o manual político do seu antecessor, distorce a verdade dos factos e dissimuladamente promove a ocultação dos assassinos do 27 de Maio. É um crime grave, o da impunidade, quando praticado sob o acicate do Estado. Até aos nossos dias os grandes e pequenos torcionários desse período de terror permanecem blindados por uma lei da amnistia. Mas não bastasse esta ofensa, o seu governo ( pela voz do ministro da Justiça) promove campanhas de amnésia sobre as atrocidades do passado, tentando desta maneira substituir todo o crisol de horrores por paliativos de justiça.
Receba, pois, senhor general, um não rotundo das vítimas, elas rejeitam os malabarismos do seu governo. Rejeitam a bondade do seu projecto, tido por suspeito. Rejeitam as arengas sulfurosas do ministro da Justiça que nos fazem lembrar aquele bobo das histórias infantis que divertia as multidões com os seus requebros de dançarino. Quanto mais dançava, mais agradava aos tolos que se sentiam deslumbrados. Quando lhe perguntaram por que fazia aquilo respondeu: – “Não sei, mas vou dançando, os tolos apreciam”.
Ora, a diferença, no caso das vítimas do 27 de Maio, é que elas não apreciam estas coreografias de hipocrisia, elas não são tolas. Por isso, é impossível haver cedências perante coisas tão graves que correspondem a um período tenebroso da história de Angola. Ou seja, um período de grandes crimes, no decurso do qual se institucionalizaram as práticas mais abjectas e cruéis: terrorismo de Estado, torturas e matanças em série que despojaram as vítimas do direito à defesa. Não raro se trucidavam as pessoas em orgias de prazer alucinante. Até do alto da Serra da Leba ( no Lubango) se precipitaram no vazio prisioneiros ainda vivos. Despejavamnos no abismo directamente dos camiões militares que os transportavam. Ante um caudal de crimes desta envergadura, basta de ofender a memória das vítimas com promessas ilusórias; basta de as ofender depois de tantos diques de silêncio e depois de tantas ameaças e vilezas produzidas pelo vosso Partido nas últimas décadas. O seu regime, senhor general, permanece enquistado num modelo político autoritário emanado da herança deixada por Agostinho Neto. Todavia, o senhor e o seu governo ainda estão a tempo de fazer a catarse e a redenção sobre esse passado medonho. Em vez de agir igual a um chefe partidário ou igual a um caudilho, o senhor no mais alto posto da governação do país tem a obrigação de optar por outra linhagem. A linhagem da democracia. Vista uma nova roupagem de pensamento e adopte na prática uma nova maneira de proceder. Utilize as instituições e a racionalidade política para, no dizer de um jurisconsulto, “catalisar o desejo da população em prol da vida da colectividade”. Não em prol da vida do MPLA e da sua militância, pois Angola não é o MPLA, não obstante o seu partido ter feito do país um seu enclave.