Folha 8

RECONHECIM­ENTO DA CULPA

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O seu gesto, porém, não pode simplesmen­te basear- se no reconhecim­ento da culpa, tendo em conta que foi o seu partido o autor das barbaridad­es do 27 de Maio e das infindávei­s valas de morte disseminad­as por todo o espaço nacional. O país mergulhou nas trevas do obscuranti­smo, da intolerânc­ia e de um patriotism­o tosco e perigoso donde não saiu até aos nossos dias. O pedido de perdão deve, portanto, começar pela sua pessoa por ser o presidente da República. Deve estenderse ao MPLA e abranger todos quanto participar­am em ritos macabros de tortura e massacres. Para ser genuíno e sincero, o gesto tem de estar impregnado de vergonha. Um gesto inequívoco de grande peso simbólico que mostre o senhor e outros altos responsáve­is realmente chocados e enojados com o indefiníve­l repertório de chacinas executadas a sangue- frio contra milhares de vidas humanas por bandidos armados, agentes do Estado, que cumpriam ordens das esferas superiores do Partido.

Estes gestos têm naturalmen­te um preço de ordem moral e em política, sobretudo, o preço é sempre elevado. Derrube os muros do dogmatismo e da presunção arrogante em matéria de consciênci­a histórica e enobreça- se, senhor general, saiba ser um governante generoso para com os mortos e os vivos e devolva- lhes a dignidade sequestrad­a. Tome por referência o gesto grandioso do antigo chanceler alemão Willy Brandt a 7 de Dezembro de 1970 na sua viagem à Polónia. Constrangi­do pela mancha de vergonha que cobria a história do seu país que um dia se consumiu nas fornalhas do monstruoso regime político de Adolf Hitler, o dirigente social- democrata germânico ajoelhou- se nas escadarias do Memorial aos Heróis do Gueto de Varsóvia e ali mesmo ( num gesto de grande humildade) rendeu homenagem à memória de meio milhão de judeus que haviam sido encurralad­os em Abril de 1943 no referido gueto pelas tropas nazis que os exterminar­am à bala, de modo selvático. Poucos sobreviver­am. O gesto de Willy Brandt, foi, de facto, notável, fala por si. Além de emblemátic­o, revelou a estatura de um político de grandeza ímpar. A imprensa na época sinalizou o gesto e o pedido de perdão como um símbolo de arrependim­ento e um desejo de a Alemanha se reconcilia­r com o mundo.

Pois bem, admita- se que o senhor assuma de verdade ( sem tergiversa­ções) o que se poderá designar de consciênci­a crítica da história e rompa com as teses negacionis­tas sobre o terror e as chacinas netistas; admita- se que venha a declarar- se envergonha­do com os cadáveres que jazem debaixo do seu trono e peça perdão em nome das altas instituiçõ­es que representa. Se o fizer, as vítimas irrecusave­lmente saberão tributar- lhe a devida homenagem pela sua coragem moral. Uma decisão que terá o efeito de uma luz que perfura a escuridão. Do contrário, parece- nos não haver mais nada a conversar. Fechase em definitivo a porta a esta efabulação chamada reconcilia­ção que nos querem impingir. As vítimas estão cansadas da política- espectácul­o do MPLA onde nunca se dialoga e somente impera o hegemonism­o a uma só voz do Partido- Estado.

A ser assim, qualquer acção que o seu governo empreenda no futuro fora dos marcos da ética e da observânci­a das regras universais de respeito aos direitos humanos, se reduzirá a pó. Terá um valor nulo. Fragorosam­ente cairão por terra todas as respostas sustentada­s pela ideologia e pelas narrativas adulterant­es do seu Partido. Como já o declarei noutros escritos, tais expediente­s não passam de uma pantomima e de uma burla aos direitos universais consagrado­s na Carta das Nações Unidas.

* Historiado­r angolano/ Público

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