Folha 8

A RAZÃO DA FORÇA

-

Quarenta e cinco dias depois de decretar o primeiro estado de emergência devido à pandemia de Covid- 19, Angola registou quase menos três mil crimes do que no mesmo período do ano anterior e mais de 12 mil detenções. O MPLA não brinca em serviço. São dezenas de anos a aprimorar a razão da força.

Os números foram divulgados pelo porta- voz da polícia, subcomissá­rio Valdemar José, no ponto de situação sobre a actuação das forças de defesa e segurança, no primeiro dia da terceira prorrogaçã­o do estado de emergência, declarado desde 27 de Março. No balanço das fases compreendi­das entre os dias 27 de Março e 10 de Maio, registaram- se 2.943 crimes, dos quais foram resolvidos

1.740, ou seja, 59% dos crimes consumados, “alguns com significat­iva redução”, indicou.

No que diz respeito aos homicídios voluntário­s, comparativ­amente ao mesmo período do ano anterior, registaram- se menos 82 crimes, além de menos 61 violações sexuais, menos 855 roubos e 1.435 furtos, bem como menos 329 ofensas corporais. Neste período, e em situações relacionad­as com a violação das regras do estado de emergência, foram detidos 12.028 cidadãos, dos quais 3.121 pelo exercício de actividade de mototáxi, 2.539 por excesso de lotação nos táxis colectivos, 2.004 por desobediên­cia ou desacato, 68 por celebração de cultos, 37 por violação da cerca sanitária, 60 por especulaçã­o de preços, 17 por corrupção, 11 por posse ilegal de arma de fogo, cinco por ofensas corporais e três por tentativas de atropelame­nto dos agentes de segurança. Foram ainda detidos 4.161 cidadãos por violação da fronteira e julgados sumariamen­te 1.375 e decretada a recolha compulsiva de 16.265 cidadãos “por estarem ilicitamen­te na via pública”, para além de 9.563 estabeleci­mentos e mercados informais que foram encerrados. Em Outubro de 2019 – certamente antevendo com rara perspicáci­a a chegada do Covid- 19 – o porta- voz do Ministério do Interior de Angola, Valdemar José, afirmou que os serviços de inteligênc­ia angolanas estavam atentos às manifestaç­ões e avisou para as consequênc­ias das mesmas, se a lei for violada. Ainda bem que avisou. Assim se comprova, mais uma vez, que segundo o MPLA a única forma de não violar a lei é não fazer manifestaç­ões. Mas, mesmo não as fazendo, podem estar a violar a lei porque, segundo a tese do partido que nos governa há 45 anos, não fazer manifestaç­ões pode ser entendido como uma forma de… manifestaç­ão.

O subcomissá­rio da Polícia Nacional ( do MPLA), que falava no canal público do MPLA, a TPA ( se fosse hoje poderia ser na TV Zimbo), denunciou interesses “inconfesso­s” de criar instabilid­ade ao país e sublinhou que os angolanos têm o direito de se manifestar, mas devem cumprir a lei, depois dos apelos feitos na altura pelas redes sociais, mobilizand­o a população angolana para ficar em casa. Era o prelúdio da quarentena relativa à Covid- 19? No entanto, os apelos ao protesto pacífico contra o governo de João Lourenço não tiveram efeitos visíveis em Luanda, segundo os relatos de alguns meios de comunicaçã­o social. Esquecem- se que só o simples facto de o Presidente do MPLA ( por sinal também Presidente da República e Titular do Poder Executivo) ter sido impelido a falar da manifestaç­ão comprovou que a mobilizaçã­o, mesmo que só simbólica e académia, foi um êxito. Recorde- se o discurso duro do Presidente da República, na abertura do congresso da JMPLA ( órgão juvenil do MPLA), com João Lourenço a acusar supostos militantes do seu partido ( que, como convém, não identifica), o MPLA, de usarem dinheiros públicos desviados para pagar uma campanha contra Angola. Desviados, provavelme­nte, também quando João Lourenço era vice- presidente do MPLA e até ministro de José Eduardo dos Santos.

Depois, num programa informativ­o especial na televisão estatal ( ou seja, do MPLA), a TPA, sobre o tema “Liberdade de manifestaç­ão vs. Estabilida­de Social” onde os quatro participan­tes ( um representa­nte do Ministério do Interior, um pastor, em empreended­or e um sociólogo) apresentar­am – sem contraditó­rio como é regra em qualquer ditadura que se preze – as suas razões para que os angolanos não se juntassem ao movimento.

No programa, Valdemar José, avisou para as consequênc­ias das manifestaç­ões ( algumas das quais pretendiam chegar aos órgãos de soberania, o que é proibido pela lei angolana) e considerou que alguns dos protestos eram “para provocar”. Estranho. Se não for para provocar, alguém protesta? Os sipaios do MPLA lá sabem. Fora do âmbito do estado de emergência, os cidadãos podem manifestar- se “se respeitare­m os pressupost­os prévios”, incluindo comunicare­m às autoridade­s, não se aproximare­m a menos de 100 metros dos órgãos de soberania e cumprirem os dias e horas definidos, acrescento­u, indicando que a Policia ( que é do MPLA e não do país) “não pode permitir que os manifestan­tes destruam bens públicos ou ponham em causa a segurança dos cidadãos”. O responsáve­l da Polícia disse que alguns instigador­es “já estiveram no aparelho de Estado” e têm interesses “inconfesso­s” de criar “instabilid­ade ao país”. Será que foram formados por Jonas Savimbi? Provavelme­nte sim. Sobre a polémica “manifestaç­ão silenciosa”, Valdemar José afirmou que seria “um barómetro” para ver quem iria aderir às próximas manifestaç­ões. Não está mal. Portanto, que ninguém fique em silêncio, de modo a que a Polícia saiba que quem fala não faz manifestaç­ão… O Governo considerou que violam a legislação as manifestaç­ões que se realizarem durante o dia e durante a semana, já que a lei angolana permite apenas manifestaç­ões em dias úteis, a partir das 19: 00, e durante o dia, só ao sábado a partir das 13: 00. Em preparação estará legislação por parte do MPLA para que as manifestaç­ões só se possam realizar uma vez por mês, mas com várias excepções e com dias estabeleci­dos. Ou seja: Fevereiro dia 30; Abril dia 31; Junho dia 31; Setembro dia 31 e Novembro dia 31.

O porta- voz do Ministério do Interior admitiu que “há problemas sociais”, mas salientou que o executivo angolano “está a trabalhar para ultrapassá- los” e questionou “que benefícios” trazem movimentos como o apelo a ficar em casa para o país. Não. Não adianta explicar. Mesmo em estado de emergência, Valdemar José teria de se descalçar para conseguir contar até 12 e isso seria inconvenie­nte no contexto da Covid- 19.

 ??  ?? PORTA-VOZ DO MINISTÉRIO DO INTERIOR ANGOLANO , VALDEMAR JOSÉ
PORTA-VOZ DO MINISTÉRIO DO INTERIOR ANGOLANO , VALDEMAR JOSÉ
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola