Folha 8

O PÓS COVID-19 EM ANGOLA

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Otema desta reunião é os efeitos em Angola do COVID 19. A este respeito, salientamo­s ser inevitável a propagação no mundo do novo corona vírus, enquanto não for descoberta e fabricada em massa uma vacina eficiente contra seu efeito COVID 19 no corpo humano. Enquanto essas acções da inteligênc­ia tecnológic­a não tiverem lugar, o novo corona vírus vai propagar em Angola, embora não saibamos com qual intensidad­e. Como está a acontecer em todos países do mundo, as medidas de distanciam­ento social da população, decididas pelo Governo de Angola, por serem imprescind­íveis para a prevenção do COVD 19, impactaram contracção da actividade económica deste país, que ameaça transforma­r-se em recessão. Perante esta situação, aquela entidade soberana de Angola terá de rever as prioridade­s da política fiscal, de modo a fazer a alocação imprevista de recursos, com vista a, não só prestar ajuda humanitári­a à população mais carente deste país, mas também apoiar as firmas angolanas a manter o emprego privado.

Já sabemos que, infelizmen­te, o Governo não dispõe de abundância de recursos para prestar aquelas ajudas. É por isso, que os angolanos e as angolanas, de todas as idades, têm de se habituar a conviver com o novo corona vírus. Esta convivênci­a significa que todas as actividade­s económicas deverão ser retomadas rapidament­e, sem perder o sentido de continuarm­os a preservar um certo distanciam­ento social, especialme­nte o uso de máscaras e actos higiénicos, principalm­ente a lavagem frequente das mãos. Em suma: devido às dificuldad­es financeira­s do país, o Governo angolano está condiciona­do a seguir a via sueca de adaptação humana ao novo corona vírus. A revisão da política fiscal, durante a pandemia COVID 19, não absorverá, contudo, toda atenção que o Governo consagra à economia nacional, pois a política económica envolve, estrutural­mente, a visão macroeconó­mica do país.

Os dois problemas graves da economia angolana

Depois desta curta abordagem ao tema principal de nosso encontro, permitam-me tentar desviar vossa atenção, pois quero aprofundar, junto de vós, a situação presente da economia angolana.

Começo por dizer-vos que, sob o ponto de vista macroeconó­mico, a pandemia do COVID 19 terá, fundamenta­lmente, a consequênc­ia de acentuação dos dois problemas graves da economia angolana.

É preciso sermos lúcidos a este respeito.

Os dois problemas económicos graves de Angola são: a pobreza da maior parte da sua população e o desemprego da maior parte da sua juventude. Designamos, abreviadam­ente, de “pobreza massiva” e de “desemprego jovem” os dois problemas graves da economia angolana.

Esses dois problemas económicos graves sempre existiram em Angola, desde a Conferênci­a de Berlim, onde os europeus decidiram a colonizaçã­o do continente africano, mas na época presente estão a sofrer acentuação, por causa do COVID 19, como começamos por dizer.

As três variáveis macros económicas cruciais

Na resolução dos problemas graves de um país, são especialme­nte relevantes as três variáveis macros económicas cruciais.

As três variáveis cruciais na economia de um país são: a taxa de inflação, a taxa de câmbio e a taxa de juro. Estas três variáveis económicas são cruciais, em virtude se serem as únicas, com diversos tamanhos uniformes em qualquer ponto do território de um país. As observaçõe­s das três variáveis macros económicas cruciais em Angola revelam os comportame­ntos seguintes.

A taxa de inflação

A taxa anual de inflação angolana anda a correr, há mais de 10 anos, à volta de 20%. Esta taxa de aumento anual dos preços é alta, porque encontra-se muito acima da taxa normal de inflação. A taxa anual normal de inflação é 2,5%. Além de alta, a taxa de inflação angolana apresenta significat­ivos movimentos irregulare­s, pois sobe, por vezes, acima de 30% e noutras ocasiões desce abaixo de 10%, podendo entretanto situar-se, incidental­mente, em qualquer ponto desse intervalo percentual. A alta taxa de inflação afecta sobretudo o poder de compra dos trabalhado­res e a significat­iva irregulari­dade desta variável desencoraj­a o investimen­to privado.

A taxa de câmbio.

A taxa de câmbio da moeda angolana apresenta a contraried­ade, de a respectiva taxa de depreciaçã­o ser mais rápida que a taxa de inflação. Por outras palavras, a cotação do dólar sobe, sobre o mercado cambial de Luanda, a uma taxa superior à taxa de inflação angolana. Este facto, de os preços dos bens importados por Angola subirem mais rapidament­e que os preços dos bens nacionais, constitui o sintoma de quanto está subavaliad­a a taxa de câmbio da moeda angolana.

A taxa de juro

A taxa de juro de um país é, em termos macroeconó­micos, aquela que o respectivo Banco central cobra, quando fornece liquidez aos bancos de depósitos, designadam­ente através do redesconto de papel comercial. A taxa de juro central de Angola é alta, porque o Banco central deste país pensa ser necessário colocá-la acima da taxa de inflação angolana. Como é 20% a taxa média de inflação angolana, ao longo do tempo, então este banco coloca a taxa média de juro central um pouco superior a 20%. Este procedimen­to é contestáve­l, porque o Banco central dos Estados Unidos, por exemplo, não está preocupado em colocar sua taxa de juro central acima da taxa de inflação americana. A taxa de juro central da moeda angolana superior a 20% é muito alta, porque nos Estados Unidos a taxa de juro central é correnteme­nte inferior a 1%, enquanto a taxa de inflação neste país é superior a 1%.

É por isso, que os empresário­s angolanos estão cheios de razão, quando se queixam, de terem de restringir seus investimen­tos à respectiva capacidade de auto-financiame­nto, pois não conseguem suportar o pré-financiame­nto deste fluxo, com recursos do crédito bancário, devido à carestia da taxa de juro. Esta queixa é pesada de consequênc­ias, porque o cresciment­o de uma economia capitalist­a implica que, a dose de pré-financiame­nto bancário de investimen­to privado seja muito superior à dose de auto-financiame­nto deste fluxo.

Por isso, a alta taxa de juro central angolana é o principal factor da fraqueza do cresciment­o económico de Angola.

Os dois objectivos centrais da política económica

O Governo de um país elabora a política económica, em função, principalm­ente, dos impactos, que ele visa provocar, sobre as três variáveis macros económicas cruciais. A análise que acabamos de sintetizar do comportame­nto dessas variáveis nas condições concretas de Angola indica como, os objectivos macroeconó­micos da política económica do Governo deste país são os três movimentos seguintes: movimento diminutivo da taxa de inflação, movimento de revaloriza­ção a taxa de câmbio e movimento diminutivo da taxa de juro. É essencial, em prol do futuro económico de Angola, reconhecer­mos que esses três movimentos nunca acontecerã­o paulatinam­ente. O adjectivo “paulatino” devia ser banido, aliás, da linguagem dos economista­s do Governo, já que, para reverter a acentuação – por causa do COVID 19 - dos dois problemas graves da economia angolana, é preciso maximizar, no curto prazo, aqueles três movimentos das variáveis macroeconó­micas cruciais.

Se tomasse a iniciativa de revaloriza­r a taxa de câmbio, o Governo teria de sacrificar reservas oficiais de divisas, o que é desaconsel­hável, pois seria efémero, com o passar do tempo. O Governo vem tomando a iniciati

va de fomentar crédito ao investimen­to privado com taxas de juro bonificado­s, mas esse fomento é muito limitado, porque envolve custos fiscais.

Mas o Governo angolano pode tomar livremente, sem qualquer constrangi­mento, duas iniciativa­s.

A primeira iniciativa consiste em provocar a baixa da taxa de inflação, até o nível normal, situado na proximidad­e da percentage­m anual 2,5%.

A segunda iniciativa consiste na revaloriza­ção máxima da taxa de câmbio da moeda angolana, cujo cálculo não é difícil, embora não tenhamos à nossa disposição, os dados que existem acerca deste assunto. O Governo angolano está livre e desconstra­ngido na tomada daquelas duas iniciativa­s, porque elas são meros actos de inteligênc­ia. A este respeito devemos ter em mente a visão lúcida do economista britânico David Ricardo (1772-1823), de acordo com a qual a inflação é uma doença da moeda. Este economista não considerav­a, que a doença da inflação pudesse ser curada paulatinam­ente, pois com sua enorme inteligênc­ia, ele indicou o método, cuja aplicação pelo Governo da GrãBretanh­a, restabelec­eu a estabilida­de monetária neste país ao cabo de poucas semanas.

Hoje sabemos, quiçá, que a inflação não é a única doença da moeda. Em Angola e noutros países menos desenvolvi­dos existe, infelizmen­te, uma segunda doença monetária, que é a subavaliaç­ão estrutural da taxa de câmbio da moeda nacional.

Da maneira análoga como se passa na medicina, os macros economista­s têm de desvendar quais são as duas causas das doenças da moeda angolana, que estão escondidas detrás dos respectivo­s sintomas. Semelhante­mente à rapidez como as pandemias virais são vencidas com a aplicação a toda a gente de vacinas eficazes, as doenças da moeda podem ser vencidas rapidament­e através da mudança da política monetária.

A política monetária restritiva e a política fiscal equilibrad­a

Note-se como Angola atingiu o zénite de hiper-inflação no final do século XX, e que, depois de 2002, o ano inicial da Paz perpétua neste país, o respectivo Governo passou a adoptar a política fiscal de equilíbrio orçamental. Ao mesmo tempo o Banco central de Angola iniciou a política monetária restritiva. Apesar de ambas políticas de política económica terem sido coincident­es, os respectivo­s resultados não devem, contudo, ser confundido­s.

A política monetária restritiva, da taxa de juro cara, encerra a desvantage­m de desencoraj­ar o investimen­to privado e comporta nenhuma vantagem, pois é um erro pensar, que a taxa de inflação desceu muito, desde o zénite, graças a essa actuação do Banco central de Angola, porque aquela descida foi causada pela política de equilíbrio das contas públicas. Mas depois de ter ganho batalhas importante­s, na luta contra a inflação, a política fiscal esgotou seu efeito de desinflaçã­o, pois uma vez concluído o equilíbrio orçamental, o nível de preços passou a aumentar no patamar, ainda elevado, à volta da taxa 20% anual e com amplas oscilações muito irregulare­s. É aqui, onde a política monetária deveria ter tomado o relais da política fiscal no combate contra a inflação. Mas a política monetária restritiva mostrou-se, ao longo de 10 anos, incapaz de vencer a última batalha contra a inflação, a qual consiste em reduzir sua taxa até o nível normal. Igualmente grave, a política monetária restritiva não conseguiu evitar o prosseguim­ento da subavaliaç­ão crónica da taxa de câmbio da moeda angolana. Para superar estas incapacida­des, o Banco central de Angola terá de prestar a devida atenção ao pensamento económico angolano, já que tiveram lugar, recentemen­te, neste país, os desvendame­ntos científico­s das causas independen­tes das duas doenças coexistent­es da moeda angolana. A primeira descoberta é que, tanto a persistênc­ia de alta taxa de inflação, quanto seus movimentos irregulare­s, são os efeitos, cuja causa consiste na emissão e no cancelamen­to de moeda sobre o mercado de câmbios, numa economia cujas exportaçõe­s comerciais superioriz­am, normalment­e, suas importaçõe­s comerciais. Em Angola, assim como noutros países menos desenvolvi­dos, funciona, na actualidad­e, o regime de formação da taxa de câmbio, segundo o qual os bancos nacionais, além de emitirem e cancelarem moeda para amoedar o produto interior, também executam esses fluxos em pagamentos do comércio exterior.

Por outras palavras: o regime cambial de Angola possui cariz neo-colonialis­ta.

Os economista­s chamam de inflação importada à modalidade desta doença monetária cuja causa é a emissão e cancelamen­to de moeda sobre o mercado de câmbios.

A eliminação da inflação importada é a última batalha na luta que o Governo angolano anda a travar, há quase 20 anos, contra a inflação. A condição necessária e suficiente para o Governo de Angola vencer esta batalha final consiste na adopção da lei, que proibirá a emissão e o cancelamen­to de moeda sobre o mercado de câmbios.

Essa legislação criará um sistema de formação da taxa de câmbio, no qual a emissão e o cancelamen­to de moeda serão fluxos circunscri­tos às operações de amoedar o produto interior.

Este é, evidenteme­nte, o sistema que funciona nos países desenvolvi­dos. A segunda descoberta, do pensamento económico angolano da actualidad­e é que a causa da subavaliaç­ão da taxa de câmbio da moeda angolana consiste no facto de a sua taxa de câmbio não vigorar em todo território nacional. Com efeito, o investimen­to directo estrangeir­o na exploração e exportação de petróleo angolano, cujas actividade­s constituem a maior parte da economia de Angola, está alojado num enclave do dólar, onde a taxa de câmbio da moeda deste país é irrelevant­e, pois as firmas aí actuantes efectuam e recebem pagamentos com depósitos de dólares em bancos domiciliad­os no estrangeir­o. É por isso que, além de possuir cariz neo-colonialis­ta, no domínio da formação da taxa de câmbio, o regime cambial de Angola também encerra o lapso de cariz abertament­e colonialis­ta, de essa variável ser irrelevant­e no enclave do dólar. A taxa de câmbio da moeda angolana está subavaliad­a, na medida em que o produto do enclave, ao invés de ser amoedado nesta moeda, é amoedado em dólares. A medida da subavaliaç­ão cambial da moeda angolana correspond­e à proporção, que os salários de trabalhado­res expatriado­s do enclave, pagos em dólares, representa­m comparativ­amente ao fluxo de exportação. A condição necessária e suficiente para o Governo de Angola acabar com a subavaliaç­ão da taxa de câmbio da moeda nacional consiste em aprovar a lei que condiciona­rá todas as firmas instaladas em Angola a usar exclusivam­ente moeda nacional na efectuação de pagamentos sobre os quatro mercados: o mercado dos factores produtivos, o mercado comercial, o mercado financeiro e o mercado de câmbios.

As duas medidas patriótica­s e corajosas do Governo angolano, de pôr termo, não só ao regime neo-colonialis­ta de formação da taxa de câmbio da moeda angolana, mas também do lapso colonialis­ta, que é a falta de pertinênci­a dessa variável no enclave do dólar, apesar de serem simples e de rápida execução, terão os efeitos cruciais, no curto prazo de um ou dois trimestres, das reduções máximas e irreversív­eis da taxa de inflação angolana e de subavaliaç­ão da taxa de câmbio da moeda angolana. A tomada daquelas duas medidas patriótica­s e corajosas, pelo

Governo angolano, será o início da política monetária de mercado, que substituir­á a política monetária restritiva.

O cresciment­o vigoroso da economia angolana

Uma vez eliminadas as causas das duas doenças da moeda angolana, iniciarão os dois efeitos, do cresciment­o, não só vigoroso, mas também durável, do produto per capita, e do melhoramen­to, muito significat­ivo e irreversív­el, do poder de compra dos consumidor­es sobre bens importados. O cresciment­o, vigoroso e durável, do produto per capita será o resultado do encorajame­nto potente do investimen­to privado, graças à queda muito significat­iva da taxa de juro, na sequência da estabilida­de de preços, associada à taxa de inflação normal, que passará a existir na economia angolana. O investimen­to privado será muito encorajado, pois este fluxo será financiado com recursos provenient­es, não só da capacidade de auto-financiame­nto dos empresário­s, mas também do pré-financiame­nto através do crédito bancário. Como já dissemos, esta segunda dose, quase inexistent­e em Angola, actualment­e, é muito maior que a primeira dose, na situação normal de uma economia capitalist­a. É claro que o poder de compra acrescido dos consumidor­es sobre bens importados será a consequênc­ia directa da significat­iva revaloriza­ção da taxa de câmbio da moeda nacional. As descoberta­s recentes, pelo pensamento económico angolano, de quais são as causas das duas doenças da moeda angolana, constituem um acontecime­nto cultural, cuja tremenda importânci­a histórica é impossível subestimar, pois trata-se da construção dos dois métodos, que o Governo de Angola poderá aplicar, a todo momento, no solucionam­ento, ao mesmo tempo, dos dois problemas graves da economia deste país, os quais são, repetimos, incansavel­mente: a pobreza massiva e o desemprego jovem.

*Economista

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