Folha 8

O VENCEDOR SERÁ SEMPRE O MESMO!

- TEXTO DE ORLANDO CASTRO

Mesmo antes da votação de 31 de Agosto de 2012 já Eduardo dos Santos definira a amplitude da vitória do MPLA. O resto era só para compor o ramalhete. É sempre assim neste regime de vários partidos formais mas de um único partido de facto. O MPLA capturou o Estado, amarrou curto a UNITA, e não vai abdicar de ser dono e senhor de tudo isto. Em Maio de 2012 o secretário do Bureau Político do MPLA para a Informação, Rui Falcão Pinto de Andrade, disse ao jornalista Peter Wonacott (“The Wall Street Journal”) que “o fantasma da fraude, ou de qualquer outra coisa, advém daqueles que sabem, antecipada­mente, que não têm capacidade para ganhar as eleições”.

Foi a partir daí que todos os dicionário­s passar a definir “fraude” como: “Palavra usada como desculpa para definir a estratégia de todos aqueles que, mesmo antes das votações, sabem que vão perder”. Rui Falcão Pinto de Andrade tinha razão. Rinha e tem não porque a Oposição, nomeadamen­te a UNITA, não tenha capacidade para ganhar, mas porque o MPLA tem uma máquina capaz de impedir que ela ganhe. Falemos então das eleições em Angola. A única coisa que o MPLA aceita é ganhar com menos de 100% dos votos. Mantém- se viva a corrente interna no partido que acha que, de uma vez por todas, têm de chegar aos 110%.

110%? Sim, claro. E quando isso acontecer ninguém irá protestar. Aliás, muitos dos discursos de felicitaçõ­es pela vitória do MPLA, paridos nos areópagos da política internacio­nal, nomeadamen­te em Lisboa, foram escritos uma vez e graças vernaculid­ade da democracia em Angola nunca mais teve necessidad­e se ser alterado. Todos os angolanos que não têm o cérebro no intestino grossos recordam, embora poucos se atrevam a dizê- lo, que o então Presidente angolano, não eleito, José Eduardo dos Santos, disse no dia 6 de Outubro de… 2008 que o Governo ia aplicar mais de cinco mil milhões de dólares num programa de habitação que incluía a construção de um milhão de casas. A construção de um milhão de casas para as classes menos favorecida­s de Angola e jovens foi, aliás, uma das promessas da então campanha eleitoral mais enfatizada­s pelo Presidente da República de Angola e do MPLA, partido que governa o país desde 1975.

José Eduardo dos Santos admitia, modesto como sempre foi, que “não seria um exercício fácil”, tendo em conta que o preço médio destas casas, então calculado em cerca de 50 mil dólares. Apesar de tudo, com a legitimida­de eleitoral de quem só não passou os 100% de votos porque não quis, assegurou que “já se estava a trabalhar” nesse sentido. Foi em 2008.

“O objectivo dessa estratégia é proporcion­ar melhor habitação para todos, progressiv­amente, num ambiente cada vez mais saudável”, disse Eduardo dos Santos. Não sabemos se ainda alguém se recorda disso… Mas se não se recorda, vai agora voltar a ouvir a mesma história. Como disse então o vice- presidente da Assembleia Nacional, o nosso querido, carismátic­o e messiânico general João Lourenço, no dia 11 de Fevereiro de 2012, a vitória eleitoral do MPLA permitiria dar continuida­de à execução dos programas concebidos pelo partido, sobretudo na área social.

Como sempre, João Lourenço tinha ( e sempre terá) toda a razão. Só assim será possível dar continuida­de ao programa que mantém perto de 70% de angolanos a viver na miséria; em que a taxa de mortalidad­e infantil é das mais alta do mundo, com 250 mortes por cada 1.000 crianças; em que só 38% da população tem acesso a água potável e somente 44% dispõe de saneamento básico; em que apenas um quarto da população tem acesso a serviços de saúde, que, na maior parte dos casos, são de fraca qualidade; em que 12% dos hospitais, 11% dos centros de saúde e 85% dos postos de saúde existentes no país apresentam problemas ao nível das instalaçõe­s, da falta de pessoal e de carência de medicament­os.

“Se os eleitores nos derem essa oportunida­de, poderemos concluir com o nosso trabalho e pensamos que esta é a posição mais justa”, disse o ex- secretário- geral do MPLA, quando falava à imprensa no término da IV sessão ordinária do Comité Central do partido.

Tanta modéstia até foi comovente. João Lourenço sabia bem que, com extrema facilidade, o MPLA só não teria ( ou terá) uma vitória superior a 100% se o não quiser. Segundo João Lourenço, não havia ( como não há) muitos países do mundo que depois de uma guerra destruidor­a de cerca de 40 anos conseguira­m, em pouco tempo, realizar as acções feitas em Angola, sobretudo na área social e na reparação de infra- estruturas.

Guerra de 40 anos? Sim, claro! Provavelme­nte 40 anos ( ou até mais) em que nada se construiu e o pouco que havia foi destruído. Todos sabem, aliás, que quando o poder foi entregue por Portugal numa bandeja de corrupção ( que continua a florescer) ao MPLA, Angola era um imenso deserto ou, aqui e acolá, um amontoado de escombros. Todos sabem que, a 11 de Novembro de 1975, Angola não tinha estradas, hospitais, aeroportos, hotéis, fábricas, prédios etc. Não tinha mesmo nada. Por isso, o que hoje existe é tudo obra do MPLA. Na abertura dessa reunião, o presidente José Eduardo dos Santos disse que o MPLA e a sua direcção não temiam expor- se à avaliação e ao veredicto em eleições periódicas, onde o confronto de ideias se faça de maneira aberta, plural, honesta e civilizada, podendo cada um expressar livremente as suas opiniões e anunciar os seus programas e ideais. Eduardo dos Santos retirou estas frases dos programas eleitorais de países democrátic­os, coisa que Angola não é. Mas isso também não é relevante. Ou por outras palavras, Angola é nesta altura um raro paradigma de democratic­idade, a ponto de que até os mortos votam. E se votavam com José Eduardo dos Santos, continuam a votar com João Lourenço.

“E é por estarmos consciente­s de que o programa do nosso partido exprime a vontade do povo que partimos sempre para qualquer disputa política com a certeza da vitória”, disse o então presidente e dono do país. Esta tese foi, aliás, adoptada pelo novo proprietár­io.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola