DA METÁFORA DA PEDRA AOS VERDADEIROS INIMIGOS DA LITERATURA (PARTE I)
INTERTEXTUALIDADE ENTRE DRUMMOND DE ANDRADE, JOSÉ LUÍS MENDONÇA E JOÃO MAIMONA
1- ‘‘ No Meio do Caminho’’ é um dos mais importantes textos escritos pelo poeta brasileiro Drummond de Andrade. Publicado em 1928 na Revista de Antropofagia, o poema incide sobre os obstáculos que as pessoas enfrentam ao longo de suas vidas. Trata- se dum poema escrito numa linguagem aparentemente coloquial e acessível a qualquer leitor. Em vista disso, acolheu diversas críticas na altura e muitas delas descabidas. Uma das críticas destacava a redundância e repetição dos versos ‘‘ No meio do caminho tinha uma pedra / Tinha uma pedra no meio do caminho / Tinha uma pedra / No meio do caminho tinha uma pedra /. Sobre esta temática, segundo o poeta e Crítico Literário Pedro Maiamona, afecto ao Círculo de Estudos Literários e Linguísticos Litteragris, as construções anafóricas podem, em certa medida, ocultar fragilidades técnicas. Porém, sabe- se que as redundâncias, repetições, aliterações e assonâncias, para além de garantirem a riqueza do estrato sonoro do texto, podem revelar um estado piso- emocional do artífice que veicula a mensagem. É o caso do sujeito Drummond que, ao abandonar tais construções, parte para os versos ‘‘ Nunca me esquecerei desse acontecimento / Na vida de minhas retinas tão fatigadas’’ para transmitir a sensação de cansaço. As ‘‘ pedras’’ ( os obstáculos, os acontecimentos nefastos), de tantas que eram, obriga o ‘‘ eu lírico’’ a retomar os versos anteriores: Nunca me esquecerei que no meio do caminho / Tinha uma pedra / Tinha uma pedra no meio do caminho / No meio do caminho tinha uma pedra.
2- José Luís Mendonça e João Maimona, dois dos mais titulados em termos de prémios literários, inscritos na historiografia da Literatura Angolana dos anos 80 do século passado até a presente data entre as principais referências, algumas vezes envolvidos em divergências epistemológicas em torno da autenticidade da obra poética, será justamente nesse espaço de intertextualidade no qual vão convergir, porquanto, para ambos, há mais do que um obstáculo na vida das pessoas: ‘‘ No meio do caminho nunca houve uma só pedra’’, José Luís Mendonça; ‘‘ Fechaste os teus dois olhos/ aos ombros do corpo do caminho/ e apenas viste apenas uma pedra / no meio do caminho’’,
João Maimona. Abrese um parêntese para se repudiar o plágio e dizer que este fenómeno não começou com o jovem Cirineu André Francisco e pode ser evitado se conhecermos os diferentes planos do fenómeno da intertextualidade. Há outros casos de falta de autenticidade na Literatura Angolana e isto transpõe a juventude. Porem, repara- se que, em José Luís Mendonça e João Maimona, apesar da alusão, tal não se verifica. Ambos contestam a ideia de uma só ‘‘ pedra’’ e constroem os textos com diferentes signos verbais. Na intertextualidade, ou reafirmamos ou contestamos. Mas essa reafirmação tem limites, no entanto, infelizmente, por economia de espaço, não nos poderemos debruçar sobre.
3- De 1933 a 1974 vigorou, em Portugal, o chamado Estado Novo: um regime totalitário ancorado essencialmente na figura de António de Oliveira
Salazar. Durante esse período, de acordo com a reportagem a que tivemos acesso, da autoria de Teresa Nicolau, João Martins e Paulo Nunes, em 1933 a censura que já se aplicava às notícias e aos jornalistas passou também para a esfera literária. Centenas de obras foram proibidas. Da lista negra de autores portugueses faziam parte Miguel Torga, Alves Redol, Natália Correia, Herberto Hélder, entre outros. Nos estrangeiros apareciam Jorge Amado, Jean- Paul Sartre e todos os que defendessem a ideologia marxista. É nesse clima de totalitarismo ao longo do qual se forja a maior geração da História da Literatura Angolana: a geração Mensagem ( 1951- 1952), cujo marco se dá efectivamente em 1948 com a criação do MNIA, com uma intensa actividade revolucionária que se estende mais ou menos até 1961, período a partir do qual, os artistas que habitavam as urbes e que se encontravam longe da Guerrilha foram obrigados a esboçar uma nova estratégia discursiva consubstanciada numa linguagem mais hermética. Depois da independência surgem nomes importantes como Adriano Botelho de Vasconcelos e Lopito Feijó, cuja construção poética, ainda que em meio de metáforas aparentemente impercetíveis , principalmente no caso de A. B. Vasconcelos, se dá através duma armadura de afronta ao sistema do qual, curiosamente, também fazem parte, chegando mesmo a integrar alguns cargos públicos. Porém, adverte- se que seria injusto levantar aqui o debate do ‘‘ moralismo sem moral’’ ou evocar a metáfora ‘‘ reclamar com o estômago cheio’’ para os acusar de dissimulação, na medida em que conhecemos a trama envolta de ambos e os seus versos veiculam estados psicoemocionais. Mas ninguém nos pode impedir de nos questionarmos se foram reféns (?!). De quem? Em última instância, somos reféns de nós mesmos. Portanto, os poetas sempre estiveram aqui, com o povo e para o povo e para eles mesmos. É como terá dito, em epígrafe, num dos seus livros, Adriano Botelho de Vasconcelos: ‘‘ Onde houver injustiça, haverá sempre a pena de um poeta’’.
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