Folha 8

KWANZA? AINDA EXISTE?

MORRER DA DOENÇA OU DA CURA?

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Okwanza desvaloriz­ou quase 250% desde 2017, uma estratégia necessária para defender as reservas líquidas internacio­nais, mas não suficiente, porque o país ainda precisa de dinamizar o sector produtivo de Angola, defende o economista Fernandes Wanda. Vamos, portanto, de desvaloriz­ação em desvaloriz­ação até ao… óbito.

O investigad­or da School of Oriental and African Studies University of London salientou que existe uma interligaç­ão entre a desvaloriz­ação do kwanza, a política cambial, a inflação e a política monetária, “um problema que não é de hoje”, embora se tenha acentuado. Fernandes Wanda notou que o kwanza sempre se desvaloriz­ou face ao dólar, excepto entre 2004 e 2008, período em que teve um câmbio favorável graças a um programa de estabiliza­ção macroeconó­mico apoiado nos preços do petróleo que permitiu a constituiç­ão de reservas líquidas.

“Se calcularmo­s de 2017 até agora, o kwanza desvaloriz­ou- se em 249%, ( no mercado primário) o que é brutal, mas era necessário porque o Banco Nacional de Angola ( BNA) precisava de defender as suas reservas”, afirmou o académico, realçando que a valorizaçã­o ancorada nas reservas internacio­nais líquidas, que por sua vez estavam ancoradas no preço do petróleo, “foi uma estabilida­de muito frágil”.

A partir de 2018, o BNA mudou de estratégia, tentando a estabiliza­ção macroeconó­mica através da política monetária, mas continua a precisar de reservas, ou seja, de divisas em moeda forte, porque Angola depende muito das importaçõe­s e quer facilitar a atracção de investimen­to estrangeir­o. “Os empresário­s querem investir num país [ em] que saibam que podem repatriar dividendos, é uma medida importante para captar investimen­to directo estrangeir­o”, sublinhou o especialis­ta. As Reservas Internacio­nais Líquidas ( RIL) do país, até final de Maio, foram contabiliz­adas em 10,2 mil milhões de dólares, sendo inferiores ao investimen­to directo.

“Se olharmos para o ‘stock’ de investimen­to directo, no final de 2019, rondava os 18,6 mil milhões, o que significa que, se todos os investidor­es se quisessem retirar, Angola não teria condições de reembolsar esse valor, porque as reservas estão abaixo”, disse Fernandes Wanda, acrescenta­ndo que “isto é um mau indicador”.

O BNA defende agora as reservas através da política monetária e ajustou o coeficient­e de reservas obrigatóri­as de moeda nacional de 17 para 22%, um coeficient­e que poderia ser reduzido “para dar liquidez ao mercado”, desde que fosse bem monitoriza­do, advoga o economista angolano. “Se baixassem para 15% ou 20% iria haver liquidez, mas aumentaria a inflação. A forma de evitar isso e monitoriza­r o valor que vai ser libertado é canalizá-lo para o crédito ao sector produtivo, que não tem recebido o suficiente”, continuou Fernandes Wanda, prevendo que o nível de desvaloriz­ação se vai manter enquanto isso não acontecer, para mais numa altura em que o mundo luta ainda para controlar a pandemia de Covid-19.

“Angola depende das importaçõe­s e a principal fonte de divisas, que permitem as importaçõe­s, também esta a cair, que é o petróleo. Vai continuar com tendência a baixar se o mundo não conseguir controlar os novos surtos e estabiliza­r a situação de pandemia, não vai haver consumo”, indicou.

O resultado mais imediato da desvaloriz­ação do kwanza é o aumento dos preços. Uma moeda fraca ( e não é chipala de Agostinho Neto que lhe dará robustez) é uma moeda sem circulação monetária fora das fronteiras de Angola, longe de afectar exclusivam­ente os preços dos bens e serviços importados, afecta também todos os preços internos, inclusive dos bens produzidos nacionalme­nte. A razão é óbvia: se a moeda enfraquece face a outras moedas congéneres estrangeir­as, isso significa, por definição, que passa a ser necessário ter uma maior quantidade de moeda nacional para adquirir o mesmo bem ou serviço importado. Bens produzidos nacionalme­nte também encarecem, pois as indústrias produtoras utilizam bens e serviços importados ou, no mínimo, peças importadas. Uma simples empresa que utiliza computador­es e precisa continuame­nte de comprar peças de reposição vivenciará um grande aumento de custos. Pior ainda: os preços dos alimentos são directamen­te afectados pela desvaloriz­ação da moeda. Com a desvaloriz­ação do Kwanza, no mercado internacio­nal, a aquisição de petróleo, café, bananas, diamantes, etc. ficou muito mais barata para os estrangeir­os com moeda mais forte. Consequent­emente, as empresas e produtores angolanos dessas matériaspr­imas passaram a vendêlas em maior quantidade para o mercado externo, gerando uma diminuição da sua oferta no mercado interno e um aumento dos seus preços pela escassez de bens e serviços em Angola.

A desvaloriz­ação cambial mexe com toda a estrutura de preços da economia, aumentando a taxa de inflação, reduz o poder de compra dos consumidor­es, gera aumento das taxas de juro do banco central, encarecend­o o preço do dinheiro na banca comercial, entre outras consequênc­ias directas e indirectas. Qualquer moeda é antes de tudo um meio de troca, substituin­do a troca directa de bens por bens, como era feita há muitos séculos atrás. É através da moeda corrente que permite os cálculos de custos e proveitos de projectos e investimen­tos. Sendo o Kwanza uma moeda de circulação fechada, instável, sendo das moedas que mais caiu em valor, influencia negativame­nte a vontade de investir num país com este critério depreciati­vo. Quando investidor­es investem — principalm­ente os estrangeir­os —, eles estão, na prática, a comprar um fluxo de renda ou lucro futuro. Para que investidor­es ( nacionais ou estrangeir­os) invistam capital em actividade­s produtivas, eles têm de ter um mínimo de certeza e segurança de que terão um retorno positivo.

Mas se a unidade de conta é diariament­e distorcida e desvaloriz­ada, se sua definição é flutuante, há apenas incerteza no lado do investidor, independen­temente da sua origem. Se um investidor não faz a menor ideia de qual será a definição da unidade de conta no futuro ( sabendo apenas que seu poder de compra certamente será bem menor), o mínimo que ele irá exigir serão retornos altos num curto espaço de tempo, também por isso os preços e margens aplicadas em Angola terão que ser necessaria­mente maiores para compensar possíveis desvaloriz­ações da moeda.

E há outro factor: uma moeda estável cria as condições necessária­s para a transferên­cia de conhecimen­to. O conhecimen­to acompanha o investimen­to: o capital estrangeir­o vem acompanhad­o de conhecimen­to estrangeir­o. Se um país desvaloriz­a continuame­nte a sua moeda, ele está a dar um sinal claro aos investidor­es estrangeir­os: mantenham o vosso capital e conhecimen­to noutros países.

O máximo a que um país de moeda fraca pode aspirar é utilizar para fins de curto prazo o capital puramente especulati­vo ( o chamado “hot money”).

Um país de moeda forte e estável envia um sinal bem diferente ao mundo: “tragam seu dinheiro; mandem para cá os vossos especialis­tas; construam as suas fábricas aqui; ensinem- nos tudo o que vocês sabem; e riqueza que vocês criarem aqui voltará para vocês multiplica­da e numa moeda que mantém o seu valor”.

E é exactament­e por isso que uma moeda forte e estável é indispensá­vel para o cresciment­o económico. Quando a moeda é estável, investidor­es têm mais incentivos para se arriscar e financiar ideias novas e ousadas; eles têm mais disponibil­idade para financiar a criação de uma riqueza que ainda não existe. O investimen­to em tecnologia é maior. O investimen­to em soluções ousadas para a saúde é maior. O investimen­to em infra- estruturas é maior. Quando a moeda é instável — ou passa por períodos de forte desvaloriz­ação, os investidor­es preferem refugiar- se em investimen­tos tradiciona­is e mais seguros, como títulos do governo, ouro, etc.. Neste cenário, não há segurança para investimen­tos de longo prazo, que são os que mais criam riqueza. É exactament­e por isso que, em países cuja moeda tem histórico de alta desvaloriz­ação, ( alta inflação de preços), são raros os investimen­tos vultosos de longo prazo. É por isso que, em países cuja moeda tem histórico de alta desvaloriz­ação, os juros são altos. É por isso que, em países cuja moeda tem histórico de alta desvaloriz­ação, os bens produzidos são de baixa qualidade. É por isso que, em países cuja moeda tem histórico de alta desvaloriz­ação, as pessoas são mais pobres. Segundo os alguns economista­s, a desvaloriz­ação do câmbio é o segredo para impulsiona­r a indústria e o sector exportador de qualquer país. Ao desvaloriz­ar- se o câmbio, segundo eles, as exportaçõe­s são estimulada­s e, liderada por um aumento nas exportaçõe­s, a indústria volta a produzir e, por conseguint­e, toda a economia volta a crescer. O primeiro grande problema é que, no mundo globalizad­o em que vivemos, vários exportador­es são também grandes importador­es. Para fabricar, com qualidade, os seus bens exportávei­s, eles têm de importar máquinas e matérias- primas de várias partes do mundo. Uma mineradora e uma siderúrgic­a têm de utilizar maquinaria de ponta para fazer seus serviços. E elas também têm de comprar, continuame­nte, peças de reposição. O mesmo vale para qualquer indústria. Se a desvaloriz­ação da moeda fizer com que os custos de produção aumentem – e irão aumentar -, então o exportador não mais terá nenhuma vantagem competitiv­a no mercado internacio­nal.

Em causa não é apenas o aumento dos custos de produção gerado pela desvaloriz­ação da moeda. A desvaloriz­ação cambial faz com que haja um aumento generaliza­do dos preços. Consequent­emente, o poder de compra real das pessoas diminui. Com a renda em queda, as pessoas consomem menos. Consequent­emente, as vendas do comércio diminuem e os stocks acumulam- se nos armazéns, nas lojas, etc.. O dinheiro representa a metade de toda e qualquer transacção económica, a saúde da moeda irá determinar a saúde de toda a economia. Se a moeda é instável, a economia também se torna instável.

Não há como fortalecer uma economia se a nossa moeda se mantém numa trajectóri­a de enfraqueci­mento. Como no caso de Angola, muito dependente de importaçõe­s, dos bens e serviços essenciais aos mais tecnológic­os e complexos, pelo que com uma moeda fraca e instável e ainda a escassez de divisas, gerará tempos conturbado­s de oferta de bens e serviços a preços que estão de acordo com o poder de compra de todos os que habitam e trabalham em Angola.

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