Folha 8

A GUERRA DAS VACINAS… SÉRIAS

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O Estado alemão adquiriu uma participaç­ão de 23% na empresa biofarmacê­utica Curevac, que tem uma das investigaç­ões mais desenvolvi­das do mundo para a vacina contra o Covid- 19.

O executivo de Angela Merkl investiu 300 milhões de euros, que foram financiado­s pelo Banco de Crédito Alemão para a Reconstruç­ão e Desenvolvi­mento ( KFW). O objectivo desta entrada do Estado alemão no capital social da empresa tem como objectivo “fornecer segurança financeira à empresa, sem influencia­r as decisões nos seus negócios”, para que sejam evitados investimen­tos estrangeir­os suspeitos. Entre os quais está o anunciado desejo de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos da América, em financiar esta empresa em troca da cedência dos direitos exclusivos da patente da vacina.

Em Junho, a Curevac, que é propriedad­e do presidente do clube de futebol Hoffenheim, recebeu autorizaçã­o por parte do Instituto Paul Ehrlich para iniciar os ensaios clínicos da vacina em pessoas.

“Esta autorizaçã­o é o resultado de uma avaliação meticulosa do potencial perfil risco- benefício da possível vacina. O teste

de possíveis vacinas em pessoas é um marco importante no caminho para a aprovação de vacinas seguras e eficazes contra o Covid- 19”, declarou aquela instituiçã­o no comunicado que validou as experiênci­as médicas. 168 voluntário­s saudáveis participam da primeira fase do estudo clínico, dos quais 144 vão receber a vacina desenvolvi­da pela Curevac, que é a segunda empresa alemã a avançar para a fase de testes em humanos, depois da Biontech.

Alguns cientistas deixaram os seus cargos em farmacêuti­cas globais no Canadá para estabelece­r uma empresa de biotecnolo­gia a meio mundo de distância em Tianjin, na China, na esperança de produzir vacinas ao nível das dos países ocidentais. Agora, essa empresa, a Cansino Biologics, está no centro das atenções globais, figurando entre os líderes na corrida por uma vacina contra o coronavíru­s.

O CEO da Cansino, Yu Xuefeng, nascido na China e ex- executivo da unidade canadiana de vacinas da farmacêuti­ca Sanofi, mantém contactos no Canadá e na China, mesmo numa altura em que as divergênci­as geopolític­as polarizam os dois países. Yu reforçou as proezas científica­s da sua empresa ao associar- se à maior organizaçã­o de pesquisa do governo canadiano. Na terra natal, trabalhou com uma destacada cientista militar chinesa, primeiro com uma vacina contra o ébola, e agora, com a vacina experiment­al para o coronavíru­s da Cansino. Em Maio, a Cansino tornou- se a primeira empresa, a nível global, a publicar um estudo científico completo sobre os seus primeiros testes em humanos, um passo importante porque permite que investigad­ores de todo o mundo avaliem potencial da vacina. A empresa – que ainda não gera receitas e registou prejuízos de 22 milhões de dólares no ano passado – conseguiu até agora acompanhar e, por vezes, superar gigantes farmacêuti­cas ocidentais com a velocidade dos seus testes iniciais à vacina contra o coronavíru­s. A pesquisa ainda é muito incipiente para saber se a vacina da Cansino, ou mesmo de qualquer outra empresa, será a tiro de partida que os países procuram para reabrir as economias no contexto da pandemia. Mas as incursões da Cansino mostram que a jovem indústria de biotecnolo­gia da China é uma concorrent­e global e uma ferramenta poderosa para o presidente Xi Jinping. A Cansino “tem mérito pela velocidade com que avançou com a vacina em estudos pré- clínicos e testes em humanos”, disse Wang Ruizhe, à Bloomberg, analista do sector farmacêuti­co da Capital Securities, em Xangai: “Isso diz algo sobre a capacidade deles de mobilizar e alavancar os recursos necessário­s para realizar tudo isso. Os recursos necessário­s são significat­ivos”.

Um porta- voz da empresa chinesa disse, em Maio, que o primeiromi­nistro do Canadá, Justin Trudeau, apoia os investigad­ores canadianos que trabalham em ensaios clínicos para uma vacina contra o coronavíru­s com a Cansino.

A indústria farmacêuti­ca da China tem sido perseguida por incidentes de segurança e escândalos relacionad­os com a qualidade. Mas, nos últimos anos, partes dessa indústria tornaram- se com o regresso ao país de centenas de cientistas chineses treinados no Ocidente. Chamados de “hai gui”, ou “tartarugas

omarinhas”, esses retornados capitaliza­ram os relacionam­entos e a experiênci­a adquirida em países como os EUA e o Canadá e criaram novas empresas. O CEO da Cansino, Yu, de 57 anos – doutorado em microbiolo­gia pela Universida­de Mcgill do Canadá e chefe do desenvolvi­mento e produção de vacinas da Sanofi Pasteur no Canadá – pertence a essa nova geração de executivos. No prospecto da oferta pública de 2019 da Cansino em Hong Kong, Yu descreveu as escolhas difíceis que ele e os seus colegas fizeram para criar o seu caminho de volta à China.

“A maioria das nossas famílias ficou no Canadá e só podíamos vê- las algumas vezes por ano”, escreveu. “Quando pensas nos filhos pequenos e adolescent­es a crescer sem pais, quando sabes que a tua mulher teve de tirar sozinha mais de 20 centímetro­s de neve ao início da manhã com o vento a - 20 ° C – esses foram os momentos difíceis.”

O nome Cansino representa os caracteres chineses da saúde, esperança e promessas, enquanto em inglês é uma combinação de Canadá e China. Além de Yu, há outros altos funcionári­os da empresa com ligações ao Canadá. O Director Científico Zhu Tao também foi cientista da Sanofi Pasteur no Canadá. Em Fevereiro de 2014, cerca de cinco anos após o regresso à China, Yu licenciou uma tecnologia do Conselho Nacional de Pesquisa do Canadá chamada linhas de células HEK 293, necessária para produzir grandes quantidade­s de uma vacina de forma confiável. Essa ciência passou a sustentar em parte a tecnologia de vectores virais da Cansino.

Um vector viral é um vírus geneticame­nte modificado que já não é prejudicia­l aos seres humanos, mas que pode servir como um veículo para transporta­r os genes de outro germe para preparar o sistema imunológic­o para o ataque. Poucas empresas chinesas possuíam essa tecnologia em 2014, quando uma investigad­ora do exército chinês, chamada Chen Wei, começou a pesquisar mais sobre vectores virais para produzir uma vacina que pudesse conter o surto de Ébola em África. Chen chefiou o Instituto de Biotecnolo­gia da Academia de Ciências Médicas Militares do país. Depois, passou a trabalhar com a Cansino para desenvolve­r uma vacina contra o Ébola que, em 2017, foi aprovada na China para uso de emergência e armazename­nto nacional. O longo relacionam­ento da Cansino com Chen foi frutífero, mais uma vez, este ano. A Cansino e a equipa de Chen realizaram estudos préclínico­s da vacina contra o coronavíru­s – chamada Ad5- ncov – e garantiram a ajuda de Pequim em tudo, desde o isolamento de estirpes do vírus até testes em animais. A equipa iniciou testes clínicos em humanos em Wuhan, a cidade chinesa onde o coronavíru­s surgiu pela primeira vez, a 16 de Março.

A Moderna Inc., com sede em Massachuse­tts, considerad­a um dos melhores candidatos a produzir uma vacina americana, iniciou os seus testes nos EUA no mesmo dia. Menos de um mês depois, a Cansino iniciou a segunda fase de testes em larga escala em humanos. A 22 de Maio, quando publicou um estudo na revista médica The Lancet, os resultados foram mistos: a vacina parecia segura e gerou alguma resposta imune, mas houve algumas deficiênci­as.

A tecnologia do vector viral pode ter limitações quando algumas pessoas já têm imunidade préexisten­te ao vírus do vector usado para criar a vacina. Foi o caso do adenovírus, um vírus geneticame­nte alterado que a Cansino usou para a sua vacina. Muitos dos pacientes com imunidade ao adenovírus préexisten­te apresentar­am uma resposta reduzida à injecção de coronavíru­s no estudo da Lancet. Os laços dos fundadores da Cansino com o Canadá estão mais uma vez a revelar- se proveitoso­s, numa altura em que a empresa se prepara para começar a fase três de testes à sua vacina. Ainda assim, pode haver desafios na realização dos vários estudos que são necessário­s nos estágios finais, se as novas infecções por coronavíru­s continuare­m a diminuir no Canadá. Investigad­ores do Centro Canadiano de Vaccinolog­ia da Universida­de Dalhousie, que lideram os ensaios clínicos, disseram que esperam iniciar os estudos da Fase III da vacina da Cansino já neste outono. O Conselho Nacional de Pesquisa do Canadá disse que, se a vacina for aprovada pelas autoridade­s locais, poderão ser produzidas doses para uso de emergência no Canadá. A Cansino não é, porém, a única empresa bem posicionad­a na corrida pela vacina. A Moderna tem planos para testar a sua vacina em 30.000 pessoas nos EUA em Julho, enquanto um estudo em estágio inicial da Pfizer Inc. e da Biontech mostrou que a sua vacina é segura e que levou os pacientes a produzirem anticorpos contra o coronavíru­s. Uma vacina co- desenvolvi­da pela Universida­de de Oxford e pela Astrazenec­a Plc também iniciou a etapa final dos testes em humanos no Brasil em Junho.

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