INDÚSTRIA
No sector industrial, a participação da holding do MPLA é curiosa, em contraste com a dos dirigentes do partido no poder. O governo tem transferido, sem concurso público, a titularidade das principais moageiras do país à GEFI, enquanto as principais figuras do regime partilham entre si, para enriquecimento pessoal, consideráveis acções nos blocos de petróleo e nas concessões diamantíferas. Todavia, o negócio das moageiras tem grande importância política, económica e social pois significa, em parte, o controlo do principal alimento básico no país, o pão, assim como da farinha de milho, que serve de prático básico no sul de Angola.
A 14 de Julho de 2008, o ministro da Indústria e o então secretário de Estado para o Sector Empresarial Público, Joaquim David e Augusto Tomás, exararam o Decreto Executivo Conjunto n° 91/ 08, referente à privatização total e por ajuste directo dos activos móveis e imóveis da Moagem Cimor, na Matala, província da Huíla. Fizeram- no a favor da Seipo ( 50%), uma subsidiária da GEFI, do empresário local Fernando Borges ( 35%) e de outros pequenos subscritores, incluindo trabalhadores e quadros locais ( 15%). Por sua vez, na Seipo, o MPLA representa 55% das acções da GEFI, enquanto os seus deputados João Marcelino Typinge e Alfredo Berner, assim como o ministro da Defesa, Kundy Paihama, beneficiam de 14% das quotas, cabendo as restantes a outras figuras do MPLA.
Do ponto de vista legal, a transferência de quotas do Estado para a Seipo está sujeita ao tráfico de influência. A Lei 21/ 90 ( Artigo 10°, 2) proíbe os membros do governo, como é o caso do ministro da Defesa, de participação económica em negócio que envolva o Estado. Até Maio de 2008, a Cimor produzia diariamente 300 toneladas de farinha de milho. Segundo informações prestadas ao Jornal de Angola pelo seu gestor, Edgar Macedo, a moageira previa triplicar a sua produção diária para melhoria do abastecimento à região sul.
O referido decreto justificou a privatização “no âmbito da estratégia de desenvolvimento da indústria alimentar a reabilitação e ampliação das capacidades produtivas das indústrias de moagem de milho (…)” assim como “para fazer participar o sector privado no desenvolvimento das referidas indústrias”. Dez anos antes, a 31 de Julho de 1998, os ministros da Indústria e das Finanças na altura, Manuel Duque e Alcântara Monteiro, exararam o Decreto Executivo Conjunto n° 39/ 98, para a privatização total e por ajuste directo da Moagem Heróis de Kangamba, em Viana, Luanda, a favor da GEFI ( 60%) e da sua subsidiária Sengoservice ( 40%). Conforme justificação ministerial, a privatização enquadrouse “no âmbito da estratégia de desenvolvimento da indústria alimentar e do Programa do Pão (…)” assim como “para fazer participar o sector privado no desenvolvimento das referidas indústrias”. Após a privatização a empresa, que é a maior do país no sector, foi re- baptizada Moagem Kwaba. Por sua vez, a GEFI atraiu um investidor estrangeiro, a empresa americana Seabord, com quem negociou a transferência de 45% das suas acções. No entanto, desde 2006, a Moagem Kwaba se encontra paralisada devido a problemas de gestão e de investimento.
Como parte da aludida estratégia, e como figurino institucional do processo de privatizações, todas as moageiras deveriam ter sido submetidas a concurso público, salvaguardas as quotas para trabalhadores e pequenos subscritores locais. Formalmente, os ministros da Indústria e das Finanças anunciaram o concurso público para a privatização de 60% das acções das moageiras Saidy Mingas e Aliança no Lubango, província da Huíla. Outro exemplo de concurso público, no sector, foi a privatização dos activos da Empresa Industrial de Produtos Alimentares ( EMPAL) situada no Lobito, em Benguela, a favor do Fundo Lwini, da primeira- dama Ana Paula dos Santos. No Decreto Executivo Conjunto n° 31/ 00 de 21 de Abril de 2000, os então ministros das Finanças e Indústria, Joaquim David e Albina Assis, consideraram que “não houve participação de entidades singulares ou colectivas, no concurso público oportunamente aberto para a alienação da referida unidade” e, por conseguinte, transferiram, por ajuste directo a titularidade da empresa para o Fundo da primeira- dama. Apesar desta transacção revelar um quadro de tráfico de influência a favor da esposa do Presidente José Eduardo dos Santos, o expediente de submeter a empresa a concurso público é prova bastante do cumprimento conveniente da lei e das regras de transparência por parte dos dirigentes do MPLA.
A GEFI, através da sua subsidiária Sogepang, beneficiou ainda de 20% das acções da Cerangola, a segunda maior fábrica de transformação de cereais no país, localizada em Benguela. Nesse projecto a americana Seabord também foi convidada a intervir com o seu know- how. O gosto do MPLA pelo negócio do pão estendese ainda à Sociedade dos Industriais de Panificação de Luanda ( Sopão), onde a GEFI detém 20% das acções e é o segundo maior accionista, depois da Martal com 35% do capital.
Apesar das privatizações, o Estado continua a intervir no sector e por via de mecanismos que levantam mais dúvidas. Como parte do relançamento da indústria de transformação alimentar, o governo anunciou, em Maio passado, na Conferência sobre o Relançamento da Indústria Transformadora 20092012, um investimento de 100 milhões de dólares na construção de duas moageiras de trigo, com capacidade de produção de mil toneladas diárias. O JP Morgan e os bancos locais serão os credores das fábricas a serem construídas nas províncias do Bengo e do Kwanza- Sul.
O director de Estudos e Planeamento do Ministério da Indústria, José Gonçalves, revelou, na referida conferência, a reabilitação, para breve, das moageiras Kwaba, Cerangola e Saydi Mingas, está última localizada na Huíla, com um custo total de 33 milhões de dólares a ser financiados por bancos comerciais. A fronteira entre o investimento público e o privado, em projectos como os anunciados na conferência, tem sido bastante difusa. O governo tem feito avultados investimentos na indústria e noutros sectores para, depois, transferir, praticamente como “oferta”, a titularidade de todos os activos móveis e imóveis para empresas pertencentes a dirigentes. Todavia, esse assunto é uma outra maka a ser abordada em tempo oportuno.