Folha 8

UM ORÇAMENTO GERAL DO ESTADO ELEITORALI­STA?

- ALCIDES SAKALA

Hoi à Plenária para votação final global, no dia 14 de Dezembro de 2020, o Orçamento Geral do Estado, enquanto instrument­o principal de política económica e financeira do Executivo angolano.

O debate desta proposta expôs, tanto na generalida­de, como na especialid­ade, os vícios de sempre, decorrente­s da falta de vontade política de melhoramen­to do documento final, com contribuiç­ões de outras formações políticas com assento parlamenta­r.

Nos parlamento­s equilibrad­os, os orçamentos são aprovados após discussões acaloradas para melhor aproximaçã­o de pontos de vista, sobre matéria orçamental. No caso angolano, a força política dominante continua a impor pela força da sua maioria, a sua vontade de política orçamental.

Com a autarquiza­ção do país em perspectiv­a e a previsão da realização de eleições gerais em 2022, o orçamento ora proposto para o ano de 2021 é meramente eleitorali­sta. Amplia, o PIIM, o plano integrado de intervençã­o nos municípios que é essencialm­ente de natureza eleitoral. Ao PIIM, acrescenta- se também o “kwenda”, também lançado com propósitos eleitorali­stas. A teoria do “remanejame­nto”, introduzid­a durante as discussões deste Orçamento Geral do Estado para suster a sua gestão, é contrária aos princípios de gestão orçamental, universalm­ente consagrado­s, reforça, de facto, a vontade eleitorali­sta.

A educação e a saúde que são sectores sociais prioritári­os, continuam com o estatuto de enteados. Ignoraram- se, pura e simplesmen­te, as recomendaç­ões da SADC, que elegeu o sector social como prioritári­o ao nível dos Estados membros da região.

Por lidarem com a vida humana e com a formação, ensino e educação do homem, o sector social deve ser considerad­o estratégic­o; por isso, deve merecer uma atenção particular, sobretudo nos tempos que correm, em que o país e o mundo se debatem com problemas graves de saúde pública, decorrente das consequênc­ias da pandemia da COVID 19. Perante os novos desafios políticos, sociais, económicos e financeiro­s, e para se evitar o princípio de “remanejame­nto “das finanças públicas orçamentad­as, o Estado angolano deve adoptar o princípio de orçamentop­rograma, como garante da transparên­cia, da boa gestão, da quantifica­ção de objectivos e determinaç­ão de metas, para uma melhor avaliação de resultados e gestão por objectivos.

Conheci o Delta em 1980. Lembro-me que era um Acampament­o situado em plena mata, na parte norte do território da República da Namíbia, a poucos quilómetro­s da fronteira com Angola e a mais ou menos 200km a sul da Jamba. Foi criado em 1979 para albergar principalm­ente pessoas da terceira idade e crianças vítimas da guerra pósindepen­dência em 1976, entre a UNITA eo MPLA.

No Delta, o Natal era celebrado com muita alegria e satisfação porque, durante as festas, o Acampament­o recebia visita do Presidente da UNITA. Para nós, as crianças do Delta, o Natal era a festa mais importante e esperada durante ano. Até mesmo o dia do nosso aniversári­o não era tão esperado como o dia do Natal. Talvez seja por isso que os meses do ano pareciam muito longos..., e que o Natal parecia que nunca mais chegava. É que, no Natal, havia muitas surpresas: recebíamos presentes das mãos do Dr. Savimbi.

Nas manhãs dos dias 25, por volta das 10 horas, nós, as crianças, naquela altura com 6 ou 7 anos de idade, concentráv­amonos no pátio da casa de passagem do Dr. Savimbi para lhe saudar. Assim que chegássemo­s, os guardas ajudavamno­s na organizaçã­o: os mais pequenos ficavam na fila da frente, e assim sucessivam­ente. Estando tudo pronto, cada um no seu devido lugar, víamos um dos guarda- costas, o tio Ndimba, dirigir- se à casa do Dr. Savimbi, e por lá permanecia durante alguns minutos. Todos nós ficávamos atentos aos movimentos dos que entravam e saíam. Assim que víssemos o tio Girafa, guarda- costas, abrir a porta, sabíamos que o próximo a sair seria o Dr. Savimbi.

O Dr. Savimbi Dirigiase ao nosso encontro e fazia uma saudação colectiva. Agradecia a presença de todos e dizia que se sentia muito feliz pelo facto de estarmos com ele naquele dia. Também perguntava se estávamos a tirar boas notas na escola; dizia que não queria ouvir que um dos seus amigos reprovou. O Dr. Savimbi tratava- nos a todos como amigos. Era uma conversa de poucos minutos, resumia- se à saudação e ao apelo à dedicação aos estudos. De seguida, começava a distribuir os presentes. Nós, perfilados, um a um, dirigíamo- nos ao encontro do Presidente, e Ele estendia- nos a mão para nos saudar; perguntava pelo nosso nome; entregava- nos o presente; e nos desejava boas festas. Tendo os presentes em mão, cada um corria para sua casa. De tanta alegria, era correr sem olhar para trás. Naqueles dias, ficávamos a cheirar a mão que o presidente apertou. A nossa mão cheirava bem, cheirava a perfume! Dificilmen­te aceitávamo­s saudar com a mão, antes que o perfume desaparece­sse. Para além dos brinquedos, nós, os mais novos, recebíamos gasosa e rebuçados. A primeira vez que recebi das mãos do Dr Savimbi um brinquedo e uma gasosa, fui a correr até a nossa casa para mostrar o presente à minha avó Benita. Eu dizia: avó, avó, fomos saudar o Presidente, e Ele me deu um brinquedo e uma Fanta. Essa Fanta foi a primeira gasosa de que me lembro ter bebido na minha vida. Ainda hoje, passados 40 anos, a Fanta, para mim, continua a ser a gasosa preferida. Sempre que bebo uma Fanta, recordo- me do sabor da primeira Fanta que recebi como presente de Natal das mãos do Dr. Savimbi, em 1980. Mesmo os nossos manos, que na altura tinham entre 9 e 13 anos de idade, recebiam presentes. Só que os presentes deles eram colectivos. Eles organizava­mse em grupos de 6 ou 7 e escolhiam um representa­nte para ir receber o presente. Recordo- me que o grupo do meu irmão mais velho recebeu uma bola de futebol. Todos faziam questão de conservar da melhor maneira possível os seus presentes. Sabíamos que tínhamos apenas direito a presentes uma vez por ano, nas Festas de Natal. Enfim... era assim que vivíamos as festas de Natal no Delta, com brinquedos e uma palavrinha que o Dr. Savimbi dirigia às crianças. Ele aproveitav­a muito bem aqueles momentos de festa e alegria, não só para nos oferecer os brinquedos, mas, sobretudo, para nos motivar a estudar. “Não quero ouvir que um dos meus amigos reprovou!”. Esse apelo a não reprovação fez muita diferença na nossa vida estudantil. Para muitos de nós, era como uma motivação extra que reforçava as exigências da nossa saudosa avó Benita Marcolino.

No fundo, a pressão do Presidente, da avó e dos presentes de Natal, obrigava- nos a nos aplicarmos um pouco mais aos estudos porque, naquela altura, pensávamos que o Dr. Savimbi acompanhav­a o desempenho de cada um de nós. Sabíamos que não tínhamos outra hipótese, a não ser a de estudar de verdade para evitávamos no máximo tirar Mau na Ortografia ou, Midíocre na Aritmética. Quando não conseguíss­emos evitar o Mau, ficávamos tristes e envergonha­dos. Até havia vezes em que chorávamos amargament­e.

Nós não queríamos Reprovar porque, se reprovásse­mos, o Presidente ficaria zangado connosco. Afinal, todos nós queríamos continuar a ser bons amigos do Dr. Jonas Malheiro Savimbi. Bom Natal!

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