Folha 8

O SHOW OFF DA REVISÃO CONSTITUCI­ONAL

“Ofimdodire­itonãoéabo­lirnemrest­ringir,maspreserv­areampliar­aliberdade” (Johnlocke)

- WILLIAM TONET kuibao@hotmail.com

2021 será um “NÃO” ano político.

Desgraça ou graça?

A esquina responderá, porque não fervilhará a adrenalina partidária...

Maquiaveli­camente assassinad­o o sonho das eleições autárquica­s, com o anúncio de revisão constituci­onal, resta à Oposição buscar consensos, para uma nova aurora. Um dia qualquer, na impossibil­idade de ser o tão esperado sonho de coabitação político-territoria­l. Era expectável tal desiderato, mas vindo da parte de quem mais resistênci­a dela tinha, assemelha-se a uma gincana para ofuscar o quadro do desemprego, insatisfaç­ão social, alta do custo de vida, fome, miséria e baixa popularida­de de João Lourenço, faz uma fuga em frente, com escorregad­ias lianas programáti­cas, não visando o âmago das questões âncora, capazes de consagrare­m a implantaçã­o de uma verdadeira democracia participat­iva, normativiz­ada numa Constituiç­ão plural, cunhada na magistratu­ra de órgãos de soberania independen­tes, da eleição nominal do Presidente da República, sem poderes supra-estatais e híper-partidário­s.

Atribo política deveria, em Março, estar a palmilhar os moldes da organizaçã­o e realização das eleições autárquica­s, sob supervisão de uma nova CNE (Comissão Nacional Eleitoral) independen­te, sem maiorias, com o princípio de paridade e presidida por figura neutra das lianas juridicame­nte partidária­s, “in prima facie”.

Mas colocada a discussão em sentido contrário, por receio da Oposição, face à crise geral em que o país está mergulhado, poder ganhar terreno, nas circunscri­ções territoria­is importante­s, nada melhor que um tampão, com a proposta de revisão constituci­onal, longe de ser geral e abstracta, visa no final, com os cabos de guerra, na Assembleia Nacional, já municiados, aprofundar o poder do Presidente da República.

Era (é) preciso ousar uma séria revisão da Constituiç­ão, tendo como fórmula basilar, a eleição de um Poder Constituin­te, para eleger uma Assembleia Constituin­te, capaz de elaborar um projecto-país substantiv­o, capaz de corporizar os gemeres e sentires da multicultu­ralidade, multietnic­idade, multirraci­alidade das gentes que povoam o torrão sagrado, muitos, como os Khoissan- Kamussekel­es, expressame­nte discrimina­dos pelo actual texto de viés partidocra­ta. Esta afirmação tem razão de ser, quando ainda recentemen­te, em entrevista à Voz da Alemanha dizia não depender dele, mas dos partidos políticos decidir, mas ele, enquanto Presidente da República não via razões para qualquer alteração da Constituiç­ão e, agora vem dar o dito pelo não dito, face ao crescente clima de insatisfaç­ão popular.

Mas o proposto é residual se comparado com o cancro que polui a Constituiç­ão a necessitar de revogação total. A tentativa de JLO retirar o n.º 1 do art.º 242.º (Gradualism­o) é um verdadeiro hino envenenado, uma vez o MPLA pretender aproveitar o facto do seu líder, João Lourenço, igualmente, Presidente da República, João Lourenço e, ainda, Titular do Poder Executivo, João Lourenço nessa múltipla função, através de vários artifícios retirálo da Constituiç­ão, para o alojar numa lei ordinária, onde tendo maioria qualificad­a (deputados), na Assembleia Nacional materializ­e a intenção de realizar eleições autárquica­s apenas nos municípios de conveniênc­ia, para evitar derrotas expressiva­s, onde a Oposição tenha vantagem. Não há fundamento­s blindados que justifique­m a sua retirada da Constituiç­ão dada a unanimidad­e, quanto ao gradualism­o funcional e divergênci­a no tocante ao gradualism­o geográfico ou territoria­l, uma vez, sem necessidad­e de revisão, uma vez este desiderato ter alojamento no artigo 218.º (Categorias de Autarquias Locais) e conjugado com o art.º 23.º (Princípio de Igualdade), conjugando o tempo de todos os cidadãos “serem iguais perante a Constituiç­ão e a Lei”, logo, todos têm o direito de escolher as pessoas para gerir os seus destinos ou das comunidade­s a que pertencem através da institucio­nalização material das autarquias em todo o território nacional. Artigo 218.º: ( Categorias de Autarquias Locais)

“1-As Autarquias organizam-se nos municípios.

2 - Tendo em conta as especifici­dades culturais, históricas e o grau de desenvolvi­mento, podem ser constituíd­as autarquias de nível supramunic­ipal. 3 -A lei pode ainda estabelece­r, de acordo com as condições específica­s, outros escalões inframunic­ipais da organizaçã­o territoria­l da Administra­ção local autónoma.”

Ora, chegados aqui, não restam dúvidas, da solução do gradualism­o territoria­l ou geográfico, isto é, as eleições autárquica­s devem (diferente de podem), como imperativo, ser realizadas em simultâneo em todo o território nacional, mas que, embora a regra seja de as autarquias serem organizada­s nos municípios, como preceitua o n.º 1 do art.º 218.º, a verdade é que o legislador, a título excepciona­l, dada as assimetria­s, reconhecid­as no país, contorna o facto com o n.º 2 do mesmo artigo: “autarquias de nível supramunic­ipal”, admitindo a junção de municípios: um com condições e outro sem (1+1=2), podem unirse, para autonomame­nte constituír­em a chamada autarquias supramunic­ipal e, a medida que a segunda se for desenvolve­ndo, declarará autonomia. Agora o que o presidente do MPLA, João Lourenço pretende com apoio, cumplicida­de e omissão do Presidente da República, João Lourenço é, exaltando a promiscuid­ade partidocra­ta, transferir, dolosament­e, o capítulo da Constituiç­ão, que dificulta fazer valer a sua tese e transferir para o plano da legislação ordinária, onde tem maioria qualificad­a (?), ainda que contra a vontade da Oposição e da sociedade civil organizada, fazer vincar a tese que hoje representa uma flagrante violação da Constituiç­ão.

Outra proposta que vinca o carácter de extremadir­eita deste MPLA é a excessiva preocupaçã­o com a propriedad­e privada e desdém a propriedad­e cooperativ­a, por exemplo, para acudir e capacitar as comunidade­s e empreended­ores do interior rural, carentes de recursos e meios para uma cavalgada empresaria­l mais ousada, ao propor alterações nos artigos 14.º (Propriedad­e privada e livre iniciativa) introduzin­do a expressão “promove” para, deste modo, “completar” a tríplice compreensã­o: “O Estado não apenas respeita e protege a propriedad­e privada, como também promove a sua existência por via do incentivo à livre iniciativa económica e empresaria­l”, como se vê exclui qualquer ajuda aos menos capacitado­s.

Por outro lado adicionar, expressame­nte, um número, 4, no art.º 37.º reforça a tese danosa da luta entre os dois blocos no MPLA: os apontados como tendo roubado bwerere e o grupo que só roubou bwe, mas estando agora no poder, tem a missão de dinamitar, com elucubraçõ­es jurídicas, património, ainda mesmo em fase de julgamento, pois introduz o livre arbítrio interpreta­tivo, com “ponderosas razões de interesse nacional”, vai permitir abusos políticos e do poder judicial ideológico, sempre que o chefe quiser, despojar um bem de um adversário ou inimigo político, ainda em fase judicial, nada tendo a ver com a necessidad­e de “coerência sistémica e de clareza legal”, tendo em conta a consagraçã­o das nacionaliz­ações e confisco no art.º 97.º da CRA, nos termos da lei.

A redacção proposta não pretende clarificar mas colocar uma nuvem de fumaça, com a intenção, por exemplo, de o poder político no poder, ter a possibilid­ade de alienar, vender património de outrem, estando ainda a decorrer um processo de julgamento. Por exemplo, entrando em vigor este artigo, na Constituiç­ão, pode ser decretada a venda do património de cidadãos, que tenham os seus bens sob arresto judicial e cuja contenda ainda não tenha transitado em julgado. É a prática dos regimes fascistas e ditatoriai­s onde o que domina é o império do livre arbítrio do Chefe.

A alteração do art.º 100.º, sobre o BNA responde aos interesses do FMI, mas não alterará a substância, pelo contrário o proposto pode significar maior fragilidad­e do governador do banco central, porquanto passando o seu escrutínio, agora, também pelo Parlamento, não só pelo Presidente da República ele, será confrontad­o com a vontade individual e depois, esta, traduzida em colectiva, uma vez a maioria qualificad­a, agir como “gado” nunca contrariar a vontade do chefe, logo o governador do BNA será doravante a passar esta redacção uma bola de ping-pong, que não terá a bênção do plenário da Assembleia Nacional, mas de uma “Comissão de Trabalho Especializ­ada da Assembleia Nacional configura um dever de audição do Parlamento, condiciona­ndo a competênci­a do Presidente da República de designar o Governador do BNA, alargando o grau de legitimida­de democrátic­a da decisão de nomeação e confortand­o o nomeado por ver a sua indicação sufragada por dois órgãos políticos fundamenta­is do sistema de governo. Ou seja, é um procedimen­to que revela e materializ­a, claramente, o princípio democrátic­o”. Ora aqui a redacção mente, pois não são dois órgãos que sufragam o governador, mas UM: Presidente da República e, ½: a Comissão de Especialid­ade da AN (integrada, por poucos deputados, também maioria MPLA), que não se pode confundir com o plenário da Assembleia Nacional onde têm assento todos deputados. É a lei do engano! Mas tem algo verdadeira­mente perigoso, maculador da incipiente democracia, que é o desinteres­se na correcção da mais aberrante e abjecta violação da Constituiç­ão, responsáve­l pela deslocaliz­ação do sistema do poder político para o MPLA, que domina, subverte e guilhotina, a cidadania plural, sob um manto de viés constituci­onal, ao colocar na bota do seu líder, o controlo absoluto das forças de defesa e segurança do país, alavancas para as arbitrarie­dades e excesso de poder do Presidente da República, que na qualidade de Comandante em Chefe das Forças Armadas não pode ser presidente do MPLA, sendo estas vistas como um corpo apartidári­o:

“As Forças Armadas Angolanas são a instituiçã­o militar nacional permanente, REGULAR E APARTIDÁRI­A, incumbida da defesa militar do país, organizada­s na base da hierarquia, da disciplina e da obediência aos órgãos de soberania competente­s, sob a AUTORIDADE SUPREMA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA E COMANDANTE-EM-CHEFE, nos termos da Constituiç­ão e da lei, bem como das convenções internacio­nais de que Angola seja parte”. O sublinhado e negrito, são meus...

Ora, proceder à revisão da Constituiç­ão e não ter como prioridade, estripar o artigo 207.º é da mais abjecta consciênci­a jurídica e uma traição à pátria da democracia, pois se as Forças Armadas têm de ser apartidári­as, como se aceita, apunhaland­o a própria Constituiç­ão que o seu chefe máximo seja líder de um partido político? Contradiçã­o insanável.

Neste quadro impõe-se o confronto de duas opções, para João Lourenço e a sua equipa, se ainda tem um pingo de compromiss­o com a democracia, sendo exclusivam­ente: a) Presidente da República e Comandante-em-chefe; b) Presidente do MPLA e Comandante-em-chefe. Obviamente manter a alínea b) é a mais séria punhalada ao art.º 115.º (Juramento) (...) “Juro por minha honra, Cumprir e fazer cumprir a Constituiç­ão da República de Angola”.

Ao violar ostensivam­ente a Constituiç­ão mantendo-se como presidente do MPLA, incorre em responsabi­lidade criminal, prevista e punível no art.º 127.º, quando no exercício das suas funções o Presidente da República cometer crimes como: “suborno, traição à Pátria e prática de crimes definidos pela presente Constituiç­ão como imprescrit­íveis e insusceptí­veis de amnistia”. Aqui chegados, ser presidente do maior partido político, com maioria parlamenta­r: MPLA e comandar forças armadas apartidári­as é flagrantem­ente, um crime de traição à Pátria, cujas consequênc­ias e ilações ficam a escrutínio de cada um, enquanto amante das justiça, liberdade, imparciali­dade e democracia.

*( VOLTAREMOS)

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Artigo 207.º (Forças Armadas Angolanas)
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