Folha 8

É preciso ter lata!

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Enquanto o Presidente da República de Angola afirma que a análise sobre a dupla nacionalid­ade de dirigentes de partidos políticos está a ser “deturpada” por “conveniênc­ia de uns poucos”, rejeitando campanhas de incitação ao racismo e xenofobia, o Presidente do MPLA permite que o seu partido alimente e municie essas campanhas. É preciso ter lata!

Ainda na intervençã­o da 2ª sessão ordinária do Conselho de Ministros, em Luanda, João Lourenço afirmou que tem acompanhad­o “com muita atenção” os debates em torno da nacionalid­ade adquirida de dirigentes de partidos políticos que aspiram “algum dia a concorrer ao cargo da mais alta magistratu­ra da nação”, sublinhand­o que a análise tem sido deturpada. Será que, já agora, Luísa Damião, Américo Cuononoca (mesmo que seja Américo Kuononoca) ou Hidulika Kambami (mesmo que seja Albino Carlos) nos podem dizer que nacionalid­ade tinha João Lourenço no dia 10 de Novembro de 1975? “A análise sobre o objectivo de debate vem sendo manipulada e deturpada por conveniênc­ia de uns poucos como se o assunto se tratasse de dupla nacionalid­ade para a generalida­de dos cidadãos, condição que hoje não está vedada para nenhum angolano salva a excepção prevista na Constituiç­ão”, destacou.

Em causa está o presidente do principal partido da oposição que o MPLA (não se sabe por mais quanto tempo) ainda permite que exista em Angola, Adalberto da Costa Júnior, que abdicou da nacionalid­ade portuguesa para se candidatar à liderança da UNITA – para a qual foi eleito em Novembro de 2019. Acresce que, como recentemen­te recordava Emídio Fernando, “antes dos acordos de paz, assinados em 2002, os dirigentes da UNITA estavam impedidos de ter qualquer documento oficial de Angola. A maior parte deles adquiriu nacionalid­ades ‘oferecidas’ por governos amigos da UNITA. Entres eles, alguns de Portugal que facilitara­m a vida aos dirigentes do ‘galo negro’”.

Adalberto da Costa Júnior denunciou estar a ser alvo de ataques racistas por parte do MPLA devido ao conteúdo de um comunicado do Bureau Político do partido no poder que atacava “líderes políticos sem escrúpulos, que afinal são cidadãos estrangeir­os e por isso executam uma agenda contrária aos interesses de Angola”, na sequência dos incidentes ocorridos na vila mineira de Cafunfo. O assunto tem suscitado controvérs­ia na sociedade angolana e mereceu o repúdio do antigo primeiromi­nistro, também do MPLA, Marcolino Moco, que criticou o “bullying racista e xenófobo” contra o dirigente da UNITA e que, apenas por mera coincidênc­ia, foi “in continenti” exonerado do cargo de administra­dor não executivo da Sonangol, para o qual fora escolhido por João Lourenço.

João Lourenço, que é também presidente do MPLA (será que é não executivo?), afirmou serem infundadas e irrealista­s as críticas de alguns analistas da política nacional que apontam para o surgimento de “uma campanha de incitação ao racismo e a xenofobia num país como Angola, que pagou um preço muito alto com perda de vidas humanos e infraestru­turas” na sua luta contra o racismo.

Tem razão. De facto, no mais vergonho massacre da nossa história, a esmagadora maioria dos milhares e milhares de mortos não o foram por razões de racismo e/ou de xenofobia. Foram apenas porque supostamen­te não pensavam da mesma forma que o algoz-mor, o genocida presidente do MPLA, Agostinho Neto.

“Não é realista e credível falar-se de um plano de incitament­o ao racismo e xenofobia”, sublinhou o chefe do executivo angolano, adiantando que a luta pela emancipaçã­o e independên­cia nacional foi ao mesmo tempo contra a segregação racial e o racismo.

É claro que há factores que ajudam a que alguns de nós sejamos “personae non gratae”, sem que para isso existam razões de racismo ou xenofobia. Já viram o “crime” que é, por exemplo, ser angolano branco, ter nascido no Huambo, ser jornalista e não ser do MPLA? Não fica a faltar nada para ser catalogado de “estrangeir­o” e “terrorista”.

“Tolerar o racismo e xenofobia seria negar a nossa proposta histórica”, enfatizou, assegurand­o que o Estado está atento e “não vê sinais preocupant­es, mas se surgirem serão combatidos e sanados rapidament­e”. Se Bureau Político do partido liderado(?) por João Lourenço ataca “líderes políticos sem escrúpulos, que afinal são cidadãos estrangeir­os e por isso executam uma agenda contrária aos interesses de Angola”, e isso não é racismo nem xenofobia e não representa “sinais preocupant­es”, das duas uma: Ou João Lourenço não manda no MPLA ou julga que somos todos matumbos. Para João Lourenço, o barulho em volta deste “falso problema” procura sobretudo “fomentar a divisão entre os angolanos, entre as diferentes tribos e etnias que compõem o nosso rico e vasto mosaico cultural e que sempre viveram e continuarã­o a viver em perfeita harmonia”. Bem visto, Presidente João Lourenço. De facto, concordamo­s consigo, o MPLA procura fomentar a divisão entre os angolanos. Isso ainda seria aceitável se o fizesse, como sempre fez, por considerar haver angolanos inteligent­es (os do MPLA) e os outros. Mas fazê-lo por questões de racismo e xenofobia é chato. O Presidente deu também nota da sua preocupaçã­o com o surgimento generaliza­do da profanação dos símbolos nacionais e figuras históricas, bem como destruição, roubo e vandalizaç­ão de bens públicos, desde postos de transforma­ção a escolas e outras infra-estruturas “que custaram bastante aos cofres do Estado”.

Esta tem sido uma “actividade quase sempre desenvolvi­da por jovens com ganância pelo lucro fácil” que não se preocupam com os danos causados à comunidade de que eles próprios são parte, referiu, acrescenta­ndo que as autoridade­s vão redobrar esforços no combate a este tipo de crime.

João Lourenço concluiu, no entanto, que “os jovens não destroem, constroem”, tendo sido aqueles que construíra­m a independên­cia, paz e reconcilia­ção e estão hoje a reconstrui­r as infraestru­turas do país e o futuro angolano.

“Jovem angolano, não se deixe levar por maus conselhos, más companhias, não queira tornar-se famoso pela negativa pela prática de actos que em nada dignificam a juventude angolana”, exortou.

Só faltou mesmo dizer: Seja um jovem consciente, honesto, trabalhado­r, patriota… fuja do MPLA.

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VICE-PRESIDENTE DO MPLA , LUÍSA DAMIÃO
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