(Re)visão pontual da constituição
João Lourenço, Presidente angolano ( não nominalmente eleito), também Presidente do partido ( o MPLA) que está no Poder desde a independência ( há 45 anos) e Titular do Poder Executivo, anunciou, como temos explicado, nas páginas anteriores, uma revisão pontual da Constituição com o objectivo, entre outros, de clarificar os mecanismos de fiscalização política, dar direito de voto a residentes no estrangeiro e eliminar o princípio de gradualismo nas autarquias.
João Lourenço sublinhou que os detalhes das propostas, o seu sentido, alcance e fundamento seriam e foram de forma confusa e difusa apresentados publicamente, pelos seus lugares tenentes, os juristas e dirigentes das mordomias... Só falta, agora, saber se, pela primeira vez, a “Constituição” do MPLA se subordinará ( de facto e não apenas de jure) à Constituição do país. “Com esta proposta de revisão pontual da Constituição pretende- se preservar a estabilidade dos seus princípios fundamentais, adaptar algumas das suas normas à realidade vigente, mantendo ajustada ao contexto político, social e económico, clarificar os mecanismos de fiscalização política e melhorar o relacionamento entre os órgãos de soberania, bem como corrigir algumas insuficiências”, destacou. Segundo ponto r) do Artigo 119. º ( Competências como Chefe de Estado), compete ao Presidente da República, enquanto Chefe de Estado, promulgar e mandar publicar a Constituição, as leis de revisão constitucional e as leis da Assembleia Nacional. No âmbito do processo legislativo, o Artigo 166. º diz no ponto 1 que a Assembleia Nacional emite, no exercício das suas competências, leis de revisão constitucional, leis orgânicas, leis de bases, leis, leis de autorização legislativa e resoluções, sendo da sua competência ( Artigo 161. º , alínea a) “Aprovar alterações à Constituição (…)”. Os projectos de leis de revisão constitucional e as propostas de referendo são aprovados por maioria qualificada de dois terços dos deputados em efectividade de funções ( ponto 1, artigo 169). Artigo 233. º ( Iniciativa de revisão):
A iniciativa de revisão da Constituição compete ao Presidente da República ou a um terço dos Deputados à Assembleia Nacional em efectividade de funções.
Artigo 234. º ( Aprovação e promulgação)
1. As alterações da Constituição são aprovadas por maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções.
2. O Presidente da República não pode recusar a promulgação da Lei de revisão constitucional, sem prejuízo de poder requerer a sua fiscalização preventiva pelo Tribunal Constitucional.
3. As alterações da Constituição que forem aprovadas são reunidas numa única lei de revisão.
4. A Constituição, no seu novo texto, é publicada conjuntamente com a lei de revisão.
Artigo 235. º ( Limites temporais)
1. A Assembleia Nacional pode rever a Constituição, decorridos cinco anos da sua entrada em vigor ou da última revisão ordinária.
2. A Assembleia Nacional pode assumir, a todo o tempo, poderes de revisão extraordinária, por deliberação de uma maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções. Artigo 236. º ( Limites materiais)
As alterações da Constituição têm de respeitar o seguinte: a) A dignidade da pessoa humana; b) A independência, integridade territorial e unidade nacional; c) A forma republicana de governo; d) A natureza unitária do Estado; e) O núcleo essencial dos direitos, liberdades e garantias; f ) O Estado de direito e a democracia pluralista; g) A laicidade do Estado e o princípio da separação entre o Estado e as igrejas; h) O sufrágio universal, directo, secreto e periódico para a designação dos titulares electivos dos órgãos de soberania e das autarquias locais; i) A independência dos Tribunais; j) A separação e interdependência dos órgãos de soberania; k) A autonomia local. Artigo 237. º ( Limites circunstanciais) Durante a vigência do estado de guerra, do estado de sítio ou do estado de emergência, não pode ser realizada qualquer alteração da Constituição.
De uma forma geral, obviamente não partilhada pelo MPLA, há a convicção de que a Constituição ( promulgada a 5 de Fevereiro de 2010) atribui competências “excessivas” ao Presidente da República. Angola só teve três em 45 anos e, como se sabe, nenhum foi nominalmente eleito. “Temos uma Constituição híper- presidencialista”, afirma Lindo Bernardo Tito, da CASA- CE, referindo que “alguns olham para ela como uma Constituição com uma tendência autoritária ou, se quisermos, uma Constituição que tem algumas nuances com um exercício de poder excessivamente centralizado, na perspectiva de uma monarquia. Por isso, essa Constituição, relativamente às excessivas competências do Presidente da República, deve ser alterada”.
De acordo com a Constituição, o chefe de Estado ( que chega ao cargo não por escolha directa dos eleitores mas por ser o cabeça- de- lista do partido mais votado) é também o Titular do Poder Executivo, Comandanteem- chefe das Forças Armadas e responsável pela segurança nacional. Nomeia ministros, juízes e embaixadores, e define e dirige a execução da política externa do Estado, além de assinar os tratados e convenções internacionais. Em Fevereiro de 2020, falando à DW, Lindo Bernardo Tito disse que as revisões à Constituição não deveriam ficar por aqui. A forma de eleger o Presidente da República também deveria ser alterada. Segundo a lei magna, é eleito chefe de Estado o cabeça- de- lista de um partido ou coligação de partidos políticos. Contudo, para o jurista, isso limita o exercício de direitos políticos de alguns cidadãos que tencionam avançar com uma candidatura independente.
“Não podemos começar a eleger alguém de forma indirecta quando podemos fazê- lo de forma directa. Esse modo de eleição coarcta a possibilidade de angolanos com qualificações poderem concorrer às eleições presidenciais”, referiu. Também à DW, o constitucionalista angolano Manuel Pinheiro concorda com a revisão da Constituição, referindo que o documento aprovado e promulgado em 2010 já não se adequa à realidade do país, “uma vez que o condicionalismo vivido hoje é completamente diferente do que reinava em 2010. Portanto, hoje as vozes que se levantavam para a revisão da mesma têm razão bastante para esse desiderato.” A propósito dos dez anos da Constituição, num debate organizado pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Angola ( UCAN), Osvaldo Afonso, professor da UCAN, disse que a lei magna angolana tem de ser mais divulgada: “Poucos conhecem o conteúdo de tão importante documento. As instituições não dão ao diploma a devida utilidade. Como consequência, não podemos caminhar até um ponto desejável”, advertiu.