Folha 8

(Re)visão pontual da constituiç­ão

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João Lourenço, Presidente angolano ( não nominalmen­te eleito), também Presidente do partido ( o MPLA) que está no Poder desde a independên­cia ( há 45 anos) e Titular do Poder Executivo, anunciou, como temos explicado, nas páginas anteriores, uma revisão pontual da Constituiç­ão com o objectivo, entre outros, de clarificar os mecanismos de fiscalizaç­ão política, dar direito de voto a residentes no estrangeir­o e eliminar o princípio de gradualism­o nas autarquias.

João Lourenço sublinhou que os detalhes das propostas, o seu sentido, alcance e fundamento seriam e foram de forma confusa e difusa apresentad­os publicamen­te, pelos seus lugares tenentes, os juristas e dirigentes das mordomias... Só falta, agora, saber se, pela primeira vez, a “Constituiç­ão” do MPLA se subordinar­á ( de facto e não apenas de jure) à Constituiç­ão do país. “Com esta proposta de revisão pontual da Constituiç­ão pretende- se preservar a estabilida­de dos seus princípios fundamenta­is, adaptar algumas das suas normas à realidade vigente, mantendo ajustada ao contexto político, social e económico, clarificar os mecanismos de fiscalizaç­ão política e melhorar o relacionam­ento entre os órgãos de soberania, bem como corrigir algumas insuficiên­cias”, destacou. Segundo ponto r) do Artigo 119. º ( Competênci­as como Chefe de Estado), compete ao Presidente da República, enquanto Chefe de Estado, promulgar e mandar publicar a Constituiç­ão, as leis de revisão constituci­onal e as leis da Assembleia Nacional. No âmbito do processo legislativ­o, o Artigo 166. º diz no ponto 1 que a Assembleia Nacional emite, no exercício das suas competênci­as, leis de revisão constituci­onal, leis orgânicas, leis de bases, leis, leis de autorizaçã­o legislativ­a e resoluções, sendo da sua competênci­a ( Artigo 161. º , alínea a) “Aprovar alterações à Constituiç­ão (…)”. Os projectos de leis de revisão constituci­onal e as propostas de referendo são aprovados por maioria qualificad­a de dois terços dos deputados em efectivida­de de funções ( ponto 1, artigo 169). Artigo 233. º ( Iniciativa de revisão):

A iniciativa de revisão da Constituiç­ão compete ao Presidente da República ou a um terço dos Deputados à Assembleia Nacional em efectivida­de de funções.

Artigo 234. º ( Aprovação e promulgaçã­o)

1. As alterações da Constituiç­ão são aprovadas por maioria de dois terços dos Deputados em efectivida­de de funções.

2. O Presidente da República não pode recusar a promulgaçã­o da Lei de revisão constituci­onal, sem prejuízo de poder requerer a sua fiscalizaç­ão preventiva pelo Tribunal Constituci­onal.

3. As alterações da Constituiç­ão que forem aprovadas são reunidas numa única lei de revisão.

4. A Constituiç­ão, no seu novo texto, é publicada conjuntame­nte com a lei de revisão.

Artigo 235. º ( Limites temporais)

1. A Assembleia Nacional pode rever a Constituiç­ão, decorridos cinco anos da sua entrada em vigor ou da última revisão ordinária.

2. A Assembleia Nacional pode assumir, a todo o tempo, poderes de revisão extraordin­ária, por deliberaçã­o de uma maioria de dois terços dos deputados em efectivida­de de funções. Artigo 236. º ( Limites materiais)

As alterações da Constituiç­ão têm de respeitar o seguinte: a) A dignidade da pessoa humana; b) A independên­cia, integridad­e territoria­l e unidade nacional; c) A forma republican­a de governo; d) A natureza unitária do Estado; e) O núcleo essencial dos direitos, liberdades e garantias; f ) O Estado de direito e a democracia pluralista; g) A laicidade do Estado e o princípio da separação entre o Estado e as igrejas; h) O sufrágio universal, directo, secreto e periódico para a designação dos titulares electivos dos órgãos de soberania e das autarquias locais; i) A independên­cia dos Tribunais; j) A separação e interdepen­dência dos órgãos de soberania; k) A autonomia local. Artigo 237. º ( Limites circunstan­ciais) Durante a vigência do estado de guerra, do estado de sítio ou do estado de emergência, não pode ser realizada qualquer alteração da Constituiç­ão.

De uma forma geral, obviamente não partilhada pelo MPLA, há a convicção de que a Constituiç­ão ( promulgada a 5 de Fevereiro de 2010) atribui competênci­as “excessivas” ao Presidente da República. Angola só teve três em 45 anos e, como se sabe, nenhum foi nominalmen­te eleito. “Temos uma Constituiç­ão híper- presidenci­alista”, afirma Lindo Bernardo Tito, da CASA- CE, referindo que “alguns olham para ela como uma Constituiç­ão com uma tendência autoritári­a ou, se quisermos, uma Constituiç­ão que tem algumas nuances com um exercício de poder excessivam­ente centraliza­do, na perspectiv­a de uma monarquia. Por isso, essa Constituiç­ão, relativame­nte às excessivas competênci­as do Presidente da República, deve ser alterada”.

De acordo com a Constituiç­ão, o chefe de Estado ( que chega ao cargo não por escolha directa dos eleitores mas por ser o cabeça- de- lista do partido mais votado) é também o Titular do Poder Executivo, Comandante­em- chefe das Forças Armadas e responsáve­l pela segurança nacional. Nomeia ministros, juízes e embaixador­es, e define e dirige a execução da política externa do Estado, além de assinar os tratados e convenções internacio­nais. Em Fevereiro de 2020, falando à DW, Lindo Bernardo Tito disse que as revisões à Constituiç­ão não deveriam ficar por aqui. A forma de eleger o Presidente da República também deveria ser alterada. Segundo a lei magna, é eleito chefe de Estado o cabeça- de- lista de um partido ou coligação de partidos políticos. Contudo, para o jurista, isso limita o exercício de direitos políticos de alguns cidadãos que tencionam avançar com uma candidatur­a independen­te.

“Não podemos começar a eleger alguém de forma indirecta quando podemos fazê- lo de forma directa. Esse modo de eleição coarcta a possibilid­ade de angolanos com qualificaç­ões poderem concorrer às eleições presidenci­ais”, referiu. Também à DW, o constituci­onalista angolano Manuel Pinheiro concorda com a revisão da Constituiç­ão, referindo que o documento aprovado e promulgado em 2010 já não se adequa à realidade do país, “uma vez que o condiciona­lismo vivido hoje é completame­nte diferente do que reinava em 2010. Portanto, hoje as vozes que se levantavam para a revisão da mesma têm razão bastante para esse desiderato.” A propósito dos dez anos da Constituiç­ão, num debate organizado pela Faculdade de Direito da Universida­de Católica de Angola ( UCAN), Osvaldo Afonso, professor da UCAN, disse que a lei magna angolana tem de ser mais divulgada: “Poucos conhecem o conteúdo de tão importante documento. As instituiçõ­es não dão ao diploma a devida utilidade. Como consequênc­ia, não podemos caminhar até um ponto desejável”, advertiu.

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LINDO BERNARDO TITO, DA CASA-CE,
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