Causas e feitos da “Constituição Jessina”
pode afirmar- se, com o testemunho da história, que uma verdadeira revisão constitucional, em países democráticos, decorre sempre sob a égide de uma Assembleia Constituinte e não de uma composição partidocrata, como ocorreu com a actual, visando acobertar apenas um homem: o presidente do MPLA e da República.
Numa Constituinte estão representadas delegações de todas as classes existentes, isto é, dos partidários, aos intelectuais, aos técnicos, aos militares, dos letrados e do povo.
De norte a sul do País todas as cidades e comunas se deviam fazer representar com procuradores eleitos. Assim se formaria uma representação vasta, diversificada, independente e livre, através dos mais notáveis valores sociais.
Para além da autonomia administrativa é numa Assembleia Constituinte, com o contributo de todos os seus componentes, que se geravam as principais regras gerais que moldariam a colectividade no que se chama “Lei Fundamental”.
Numa verdadeira revisão da Constituição os governantes são meros administradores temporários dos interesses do colectivo, desta forma o Presidente governa, a Nação administra- se. O Presidente colocase como presidente de todos angolanos e não dos angolanos do partido no poder e quando assim é governa, cumprindo a Constituição efectuando uma clara distribuição da justiça e pela defesa do solo a unidade necessária à segurança de todos. O País administrase, realizando a multiplicidade dos seus interesses na multiplicidade dos vários órgãos que legitimamente os exprimem. Só se é soberano dentro de processos transparentes e elaborados com lisura, salvo contrário está- se na suspeição.
E a actual Constituição é um manto de suspeição, desde logo se diz estarmos num regime presidencialista, onde não se elege um presidente mas uma lista de candidatos a deputados, apresentadas por partidos políticos.
Assim sendo, e no rigor do constitucionalismo democrático, estamos diante de eleições legislativas, que atipicamente, no caso angolano, colocam no cume da sua lista um cidadão qualquer em sua representação, que mais tarde, em caso de vitória da lista, assume a mais alta magistratura do país. Ora uma estratégia governista de revisão constitucional, sempre cria problemas para o futuro daqueles que não se revêem na formatação partidocrata, onde impera a desorganização e o oportunismo político. Assim o oportunismo de se vetar uma Assembleia Constituinte, substituída por uma representação numérica partidocrata, decretou a pena de morte a uma verdadeira democracia, abrindo brechas a todo sorte de arbitrariedades. Tanto assim é que a amplitude das competências atribuídas ao Presidente da República, não constituem hoje, uma fonte de equilíbrios ou de estabilidade, pelo contrário. Hoje assistimos a uma anarquia constitucional, desfeitas que foram as bases de equilíbrios, imprescindíveis em democracia, com a instauração da partidocracia dirigente ao seu mais alto nível.
A actual Assembleia Nacional não fiscaliza o Executivo, por não estar estruturada para tal, por conseguinte não é possível um controlo aos desvios da rés- pública.
Uma nova Constituição, de que aliás os povos angolanos andam carecidos, é absolutamente distinto do mísero e insignificante arranjo que nos foi imposto: a Constituição é coisa grande demais, diria Mário Saraiva, para que se confie a membros de um partido político, por mais categorizados eles fossem. O País que trabalha e pensa não deveria ficar de fora de qualquer Assembleia de poderes constituintes. Num Estado de Direito, o respeito à lei e à democracia são importantes, como forma de se acautelar situações que possam manchar a imagem do País.
É claro que na forma republicana podem acontecer incapacidades nas pessoas dos presidentes. Seres humanos que são, não estão imunes a doenças de incidência mental e outras, mas aqui torna- se embaraçosa, por ter tudo sido feito visando “alojar” um homem. Efectivamente, a Constituição angolana de Fevereiro de 2010, não prevê a hipótese de um presidente sofrer de perturbações mentais que o tornem inapto a exercer funções. É omissa a tal respeito. Não é fácil supor o processo a usar para afastar do poder um presidente adoecido mentalmente. E este ponto deveria ser acautelado, até mesmo pela experiência vivida em 1979, com o passamento inesperado de Agostinho Neto.
Se um dia voltar a ocorrer em Angola, tal como Saraiva previu, ter-se-á de fazer “ad hoc” uma apressada revisão constitucional, criando um novo artigo referindo a destituição? Aí está um caso que deveria preocupar os futuros legisladores.
O que até certo ponto surpreende é que os ilustres deputados do MPLA, na sua presciência, não se esqueceram ( desígnios de Deus ou do Diabo?) da eventualidade, mais improvável do que a doença, quanto a nós, de aparecer e sermos governados por um presidente criminoso e ou ladrão.
O n. º 1 do art. º 127. º da Constituição diz o seguinte: “O Presidente da República não é responsável pelos actos praticados no exercício das suas funções, salvo em caso de suborno, traição à Pátria e prática de crimes definidos pela presente Constituição como imprescritíveis e insusceptíveis de amnistia”.
Os bispos católicos da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé ( CEAST) manifestaram no dia 01.03 preocupação com a “degradação do discurso político”, que pode pôr em risco a unidade nacional, reconciliação, justiça e paz em construção, apelando à “contenção e respeito mútuo”. A preocupação dos bispos angolanos foi expressa no comunicado final da sua primeira Assembleia Plenária Anual, que decorreu de 24 de Fevereiro até ao dia primeiro de Março, no santuário mariano da Muxima, em Luanda, e apresentado em conferência de imprensa. No documento, apresentado pelo porta- voz da CEAST, Arcebispo Dom Belmiro Chissengueti, os prelados católicos afirmam estar preocupados com a “degradação do discurso político que ameaça desmoronar a unidade nacional, reconciliação, justiça e paz em construção com tanto sacrifício”.
Pelo que, refere a nota, “apelam à contenção, ao respeito mútuo, ao diálogo construtivo e ao renovado compromisso com a nação e com a ética”.
Os prelados católicos assinalaram igualmente que “continua a agudizarse a situação social do país, com níveis elevados de pobreza, fome, desemprego, perda acentuada do poder de compra e o encerramento de empresas”.
Além disso, a falta de chuva no centro e sul do país voltam a levantar o espectro da fome, pelo que os bispos exortam as autoridades a criarem um plano de contingência. Vários membros da sociedade civil já manifestaram, anteriormente , preocupações com o “agudizar da fome” na região sul de Angola em consequência da seca, que decorre da falta de chuva, “perigando a sobrevivência” de várias famílias e animais. Os bispos católicos exteriorizaram a sua preocupação sobre o assunto defendendo um plano de contingência para acudir às populações vulneráveis.
Os incidentes de 30 de Janeiro em Cafunfo, na província da Lunda Norte, que resultaram em várias mortes e feridos, com a polícia a considerar como “um acto de rebelião” e a população como “manifestação pacífica” também mereceram reflexão nesta plenária. A CEAST manifestou apoio e solidariedade para com os bispos da província eclesiástica de Saurimo, que congrega as dioceses ou províncias do leste de Angola, que “condenaram e deploraram os actos de violência” que “resultaram em mortes e violações clamorosas e incompreensível dos direitos humanos na vila de Cafunfo”, lê- se na nota. Os bispos católicos apelaram “para o bem da harmonia e do convívio plural, entre todos, que seja apurada a verdade material dos factos e responsabilizados os que agiram contra a lei de um e de outro lado”. No domínio religioso, os bispos angolanos apontaram a necessidade da retoma das catequeses pelas crianças em todas dioceses, observando as regras de biossegurança, devido à Covid- 19.
A necessidade do “reconhecimento, nas medidas de situação de calamidade pública, do direito dos católicos de celebrarem diariamente a santa Eucaristia, tal como são permitidas outras actividades de carácter social”, foi também defendida pelos bispos. Foram igualmente aprovados, no âmbito religioso, propostas para a criação de mais três dioceses em Angola, a criação do Instituto Missionário Mamã Muxima e a realização do segundo Simpósio Internacional de Pastoral Bíblica.
o arcebispo de Cabinda, Belmiro Chissengueti, considerou em 12 de Março de 2019 que os protestos no enclave devemse a “condições sociais precárias” e defendeu que a região precisa de “sinais de desenvolvimento”. A voz do Povo costuma ser a voz de Deus. Mas nem o Povo nem o bispo têm poder para sensibilizar “deus” angolano que dá pelo nome de João Lourenço. Nem mesmo quando se juntam na CEAST.
“Porque são precárias em Cabinda, e um pouco por todo o país, que está tomado por uma crise desigual, e então há que encontrar soluções sustentáveis para dar resposta às inquietações principais dos jovens, dos adultos, não só em Cabinda, mas também em todo o país”, disse na altura, há dois anos, Belmiro Chissengueti, em declarações à Lusa. O sacerdote católico exemplificou que regiões como o Cacongo continuam iguais, “como há 35 anos” em termos de desenvolvimento, o que causa “algum mau estar e alguma dor”.
Para Belmiro Chissengueti, “é importante que aquelas que são as zonas de produção das maiores riquezas do país tenham maior benefício do ponto de vista da reconstrução”. Desde “infra- estruturas, condições sociais e medidas políticas que favoreçam a empregabilidade e a auto- s u s tentabilidade (…), a província precisa de recordações vivas e sustentáveis dos 50 anos de exploração petrolífera”. “Tem que haver sinal sensível de desenvolvimento”, argumentou o bispo. Recorde- se que a UNITA, o maior partido na oposição que o MPLA ainda permite em Angola, denunciou na mesma altura que “continuavam a morrer” angolanos em Cabinda, “vítimas de um conflito mal resolvido”, considerando que naquela província os cidadãos são tratados de forma “arbitrária e autoritária”.
“O grupo parlamentar da UNITA já não pode aceitar que em tempos de paz morram angolanos em Cabinda vítimas de um conflito mal resolvido”, disse Adalberto da Costa Júnior, então presidente do grupo parlamentar da UNITA. “Recomendamos a necessidade da humanização dos órgãos de defesa e segurança, que através de métodos repressivos e de violência estimulam e acirram os extremismos d e s n e c e s s á r i o s ”, sublinhou.
Em relação à detenção os jovens activistas, o bispo de Cabinda considerou que “é preciso salvaguardar a necessidade de um diálogo permanente”, afirmando que as “vozes dissonantes da província são parte integrante do processo democrático”. “Não podemos ter a ilusão de pensarmos que os jovens académicos e intelectuais tenham um pensamento uniforme,
preocupados com a “degradação do discurso político que ameaça desmoronar a unidade nacional, reconciliação, justiça e paz em construção com tanto sacrifício”.
então o que é importante, por um lado, é que se cumpram os pressupostos das detenções, que é justamente a apresentação dos motivos”, adiantou. “Porque essas vozes também podem apresentar inquietações que podem ser aproveitadas para o exercício da boa governação, porque em democracia as manifestações são parte integrante e isso deve ser salvaguardado evitando a todo custo as arbitrariedades”, acrescentou. Questionado sobre a situação da segurança em Cabinda, Belmiro Chissengueti respondeu: “A minha missão é sobretudo religiosa e espiritual, e naquilo que toca a minha missão, tenho andado um pouco por toda a província e nada mais do que isso”.