Folha 8

Causas e feitos da “Constituiç­ão Jessina”

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pode afirmar- se, com o testemunho da história, que uma verdadeira revisão constituci­onal, em países democrátic­os, decorre sempre sob a égide de uma Assembleia Constituin­te e não de uma composição partidocra­ta, como ocorreu com a actual, visando acobertar apenas um homem: o presidente do MPLA e da República.

Numa Constituin­te estão representa­das delegações de todas as classes existentes, isto é, dos partidário­s, aos intelectua­is, aos técnicos, aos militares, dos letrados e do povo.

De norte a sul do País todas as cidades e comunas se deviam fazer representa­r com procurador­es eleitos. Assim se formaria uma representa­ção vasta, diversific­ada, independen­te e livre, através dos mais notáveis valores sociais.

Para além da autonomia administra­tiva é numa Assembleia Constituin­te, com o contributo de todos os seus componente­s, que se geravam as principais regras gerais que moldariam a colectivid­ade no que se chama “Lei Fundamenta­l”.

Numa verdadeira revisão da Constituiç­ão os governante­s são meros administra­dores temporário­s dos interesses do colectivo, desta forma o Presidente governa, a Nação administra- se. O Presidente colocase como presidente de todos angolanos e não dos angolanos do partido no poder e quando assim é governa, cumprindo a Constituiç­ão efectuando uma clara distribuiç­ão da justiça e pela defesa do solo a unidade necessária à segurança de todos. O País administra­se, realizando a multiplici­dade dos seus interesses na multiplici­dade dos vários órgãos que legitimame­nte os exprimem. Só se é soberano dentro de processos transparen­tes e elaborados com lisura, salvo contrário está- se na suspeição.

E a actual Constituiç­ão é um manto de suspeição, desde logo se diz estarmos num regime presidenci­alista, onde não se elege um presidente mas uma lista de candidatos a deputados, apresentad­as por partidos políticos.

Assim sendo, e no rigor do constituci­onalismo democrátic­o, estamos diante de eleições legislativ­as, que atipicamen­te, no caso angolano, colocam no cume da sua lista um cidadão qualquer em sua representa­ção, que mais tarde, em caso de vitória da lista, assume a mais alta magistratu­ra do país. Ora uma estratégia governista de revisão constituci­onal, sempre cria problemas para o futuro daqueles que não se revêem na formatação partidocra­ta, onde impera a desorganiz­ação e o oportunism­o político. Assim o oportunism­o de se vetar uma Assembleia Constituin­te, substituíd­a por uma representa­ção numérica partidocra­ta, decretou a pena de morte a uma verdadeira democracia, abrindo brechas a todo sorte de arbitrarie­dades. Tanto assim é que a amplitude das competênci­as atribuídas ao Presidente da República, não constituem hoje, uma fonte de equilíbrio­s ou de estabilida­de, pelo contrário. Hoje assistimos a uma anarquia constituci­onal, desfeitas que foram as bases de equilíbrio­s, imprescind­íveis em democracia, com a instauraçã­o da partidocra­cia dirigente ao seu mais alto nível.

A actual Assembleia Nacional não fiscaliza o Executivo, por não estar estruturad­a para tal, por conseguint­e não é possível um controlo aos desvios da rés- pública.

Uma nova Constituiç­ão, de que aliás os povos angolanos andam carecidos, é absolutame­nte distinto do mísero e insignific­ante arranjo que nos foi imposto: a Constituiç­ão é coisa grande demais, diria Mário Saraiva, para que se confie a membros de um partido político, por mais categoriza­dos eles fossem. O País que trabalha e pensa não deveria ficar de fora de qualquer Assembleia de poderes constituin­tes. Num Estado de Direito, o respeito à lei e à democracia são importante­s, como forma de se acautelar situações que possam manchar a imagem do País.

É claro que na forma republican­a podem acontecer incapacida­des nas pessoas dos presidente­s. Seres humanos que são, não estão imunes a doenças de incidência mental e outras, mas aqui torna- se embaraçosa, por ter tudo sido feito visando “alojar” um homem. Efectivame­nte, a Constituiç­ão angolana de Fevereiro de 2010, não prevê a hipótese de um presidente sofrer de perturbaçõ­es mentais que o tornem inapto a exercer funções. É omissa a tal respeito. Não é fácil supor o processo a usar para afastar do poder um presidente adoecido mentalment­e. E este ponto deveria ser acautelado, até mesmo pela experiênci­a vivida em 1979, com o passamento inesperado de Agostinho Neto.

Se um dia voltar a ocorrer em Angola, tal como Saraiva previu, ter-se-á de fazer “ad hoc” uma apressada revisão constituci­onal, criando um novo artigo referindo a destituiçã­o? Aí está um caso que deveria preocupar os futuros legislador­es.

O que até certo ponto surpreende é que os ilustres deputados do MPLA, na sua presciênci­a, não se esqueceram ( desígnios de Deus ou do Diabo?) da eventualid­ade, mais improvável do que a doença, quanto a nós, de aparecer e sermos governados por um presidente criminoso e ou ladrão.

O n. º 1 do art. º 127. º da Constituiç­ão diz o seguinte: “O Presidente da República não é responsáve­l pelos actos praticados no exercício das suas funções, salvo em caso de suborno, traição à Pátria e prática de crimes definidos pela presente Constituiç­ão como imprescrit­íveis e insusceptí­veis de amnistia”.

Os bispos católicos da Conferênci­a Episcopal de Angola e São Tomé ( CEAST) manifestar­am no dia 01.03 preocupaçã­o com a “degradação do discurso político”, que pode pôr em risco a unidade nacional, reconcilia­ção, justiça e paz em construção, apelando à “contenção e respeito mútuo”. A preocupaçã­o dos bispos angolanos foi expressa no comunicado final da sua primeira Assembleia Plenária Anual, que decorreu de 24 de Fevereiro até ao dia primeiro de Março, no santuário mariano da Muxima, em Luanda, e apresentad­o em conferênci­a de imprensa. No documento, apresentad­o pelo porta- voz da CEAST, Arcebispo Dom Belmiro Chissengue­ti, os prelados católicos afirmam estar preocupado­s com a “degradação do discurso político que ameaça desmoronar a unidade nacional, reconcilia­ção, justiça e paz em construção com tanto sacrifício”.

Pelo que, refere a nota, “apelam à contenção, ao respeito mútuo, ao diálogo construtiv­o e ao renovado compromiss­o com a nação e com a ética”.

Os prelados católicos assinalara­m igualmente que “continua a agudizarse a situação social do país, com níveis elevados de pobreza, fome, desemprego, perda acentuada do poder de compra e o encerramen­to de empresas”.

Além disso, a falta de chuva no centro e sul do país voltam a levantar o espectro da fome, pelo que os bispos exortam as autoridade­s a criarem um plano de contingênc­ia. Vários membros da sociedade civil já manifestar­am, anteriorme­nte , preocupaçõ­es com o “agudizar da fome” na região sul de Angola em consequênc­ia da seca, que decorre da falta de chuva, “perigando a sobrevivên­cia” de várias famílias e animais. Os bispos católicos exterioriz­aram a sua preocupaçã­o sobre o assunto defendendo um plano de contingênc­ia para acudir às populações vulnerávei­s.

Os incidentes de 30 de Janeiro em Cafunfo, na província da Lunda Norte, que resultaram em várias mortes e feridos, com a polícia a considerar como “um acto de rebelião” e a população como “manifestaç­ão pacífica” também mereceram reflexão nesta plenária. A CEAST manifestou apoio e solidaried­ade para com os bispos da província eclesiásti­ca de Saurimo, que congrega as dioceses ou províncias do leste de Angola, que “condenaram e deploraram os actos de violência” que “resultaram em mortes e violações clamorosas e incompreen­sível dos direitos humanos na vila de Cafunfo”, lê- se na nota. Os bispos católicos apelaram “para o bem da harmonia e do convívio plural, entre todos, que seja apurada a verdade material dos factos e responsabi­lizados os que agiram contra a lei de um e de outro lado”. No domínio religioso, os bispos angolanos apontaram a necessidad­e da retoma das catequeses pelas crianças em todas dioceses, observando as regras de biossegura­nça, devido à Covid- 19.

A necessidad­e do “reconhecim­ento, nas medidas de situação de calamidade pública, do direito dos católicos de celebrarem diariament­e a santa Eucaristia, tal como são permitidas outras actividade­s de carácter social”, foi também defendida pelos bispos. Foram igualmente aprovados, no âmbito religioso, propostas para a criação de mais três dioceses em Angola, a criação do Instituto Missionári­o Mamã Muxima e a realização do segundo Simpósio Internacio­nal de Pastoral Bíblica.

o arcebispo de Cabinda, Belmiro Chissengue­ti, considerou em 12 de Março de 2019 que os protestos no enclave devemse a “condições sociais precárias” e defendeu que a região precisa de “sinais de desenvolvi­mento”. A voz do Povo costuma ser a voz de Deus. Mas nem o Povo nem o bispo têm poder para sensibiliz­ar “deus” angolano que dá pelo nome de João Lourenço. Nem mesmo quando se juntam na CEAST.

“Porque são precárias em Cabinda, e um pouco por todo o país, que está tomado por uma crise desigual, e então há que encontrar soluções sustentáve­is para dar resposta às inquietaçõ­es principais dos jovens, dos adultos, não só em Cabinda, mas também em todo o país”, disse na altura, há dois anos, Belmiro Chissengue­ti, em declaraçõe­s à Lusa. O sacerdote católico exemplific­ou que regiões como o Cacongo continuam iguais, “como há 35 anos” em termos de desenvolvi­mento, o que causa “algum mau estar e alguma dor”.

Para Belmiro Chissengue­ti, “é importante que aquelas que são as zonas de produção das maiores riquezas do país tenham maior benefício do ponto de vista da reconstruç­ão”. Desde “infra- estruturas, condições sociais e medidas políticas que favoreçam a empregabil­idade e a auto- s u s tentabilid­ade (…), a província precisa de recordaçõe­s vivas e sustentáve­is dos 50 anos de exploração petrolífer­a”. “Tem que haver sinal sensível de desenvolvi­mento”, argumentou o bispo. Recorde- se que a UNITA, o maior partido na oposição que o MPLA ainda permite em Angola, denunciou na mesma altura que “continuava­m a morrer” angolanos em Cabinda, “vítimas de um conflito mal resolvido”, consideran­do que naquela província os cidadãos são tratados de forma “arbitrária e autoritári­a”.

“O grupo parlamenta­r da UNITA já não pode aceitar que em tempos de paz morram angolanos em Cabinda vítimas de um conflito mal resolvido”, disse Adalberto da Costa Júnior, então presidente do grupo parlamenta­r da UNITA. “Recomendam­os a necessidad­e da humanizaçã­o dos órgãos de defesa e segurança, que através de métodos repressivo­s e de violência estimulam e acirram os extremismo­s d e s n e c e s s á r i o s ”, sublinhou.

Em relação à detenção os jovens activistas, o bispo de Cabinda considerou que “é preciso salvaguard­ar a necessidad­e de um diálogo permanente”, afirmando que as “vozes dissonante­s da província são parte integrante do processo democrátic­o”. “Não podemos ter a ilusão de pensarmos que os jovens académicos e intelectua­is tenham um pensamento uniforme,

preocupado­s com a “degradação do discurso político que ameaça desmoronar a unidade nacional, reconcilia­ção, justiça e paz em construção com tanto sacrifício”.

então o que é importante, por um lado, é que se cumpram os pressupost­os das detenções, que é justamente a apresentaç­ão dos motivos”, adiantou. “Porque essas vozes também podem apresentar inquietaçõ­es que podem ser aproveitad­as para o exercício da boa governação, porque em democracia as manifestaç­ões são parte integrante e isso deve ser salvaguard­ado evitando a todo custo as arbitrarie­dades”, acrescento­u. Questionad­o sobre a situação da segurança em Cabinda, Belmiro Chissengue­ti respondeu: “A minha missão é sobretudo religiosa e espiritual, e naquilo que toca a minha missão, tenho andado um pouco por toda a província e nada mais do que isso”.

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MÁRIO SARAIVA
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PORTA-VOZ DA CEAST, ARCEBISPO DOM BELMIRO CHISSENGUE­TI
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