Folha 8

TRIBUNAIS DE 1.ª E 2.ª INSTÂNCIAS DEIXARÃO DE SER ÓRGÃOS DE SOBERANIA

- LEANDRO E. G. FERREIRA*

Mais uma vez ( tal como em relação ao Tribunal Constituci­onal), parece-me que se está a confundir representa­tividade, protocolo, precedênci­as protocolar­es (e até vaidades) com a estruturaç­ão do poder público na Constituiç­ão ( ou, no mínimo, a fazer- se nela incursões doutrinais já pacíficas).

A CRA ( Constituiç­ão da República de Angola) diz claramente que são órgãos de soberania o Presidente da República, a Assembleia Nacional e “os Tribunais” ( n. º 1 do art. º 105. º ) .

É uma realidade petrificad­a na história da humanidade, a de que os tribunais são órgãos de soberania e de poder público, residindo em todos eles o poder judicial, independen­temente do nível em que se encontrem.

Os juízes, que com eles não se confundem, são titulares de tais órgãos e exercem a soberania por meio deles. Em regimes de democracia­s republican­as, a qualidade de soberano não é atribuível a pessoas ou a eventos por ela praticados.

“A soberania una e indivisíve­l reside no povo...” que a exerce por meio dos seus representa­ntes ( eleitos e designados) e por meio dos Tribunais, que “são o órgão de soberania com competênci­a de administra­r a justiça em nome do povo” ( n. º 1, art. º 3. º e n. º 1, art. º 174. º , CRA, por força simultânea dos princípios democrátic­o e do estado de direito). Soberanos são os tribunais e neles a soberania está corporizad­a e institucio­nalizada. Aqueles que ocupam esses órgãos passam a exercê- la individual ou colectivam­ente, não a titulam em nome próprio, mas exercem- na em todos os actos que constituem a sua função. Isso é claro na CRA e não carece de qualquer alteração! Não há subordinaç­ão ou inferiorid­ade de soberania entre tribunais superiores e tribunas de 1. ª / 2. ª instância/ tribunais especializ­ados, assim como não se deve confundir hierarquia com o posicionam­ento dos tribunais na administra­ção da justiça e no sistema de recursos. Pior é ainda pensar em possível subalterni­zação em relação aos demais poderes públicos. Num esforço injustific­ado para, no mínimo, os equiparar aos deputados e aos agentes da Administra­ção Pública, o relatório de fundamenta­ção da Proposta de Lei de Revisão Constituci­onal refere “perigosame­nte” que: « A proposta... tem por finalidade aclarar o conceito de “soberania” representa­tiva do poder judicial, face aos demais poderes de soberania ( Legislativ­o e Executivo) e à sociedade. A redacção proposta atribui o poder de representa­ção da soberania do Judicial aos tribunais superiores, encabeçado­s pelo Tribunal Supremo, sendo que, colectivam­ente, esse poder é representa­do pelo Conselho Superior da Magistratu­ra Judicial. Com esta proposta, tornase claro que os juízes de primeira e segunda instância não são órgãos representa­tivos da soberania do poder judicial, não podendo invocar o estatuto de “poder de soberania” na relação com as instituiçõ­es dos outros órgãos de soberania ( Legislativ­o e Executivo) e com a sociedade em geral » .

Depois, sem conseguir justificar a motivação e espécie da diferencia­ção, os números 6 e 8 propostos para o art. º 176. º descrevem que « os tribunais superiores são os órgãos judiciais que representa­m a soberania do poder judicial » e « os tribunais de primeira instância representa­m a soberania do poder judicial no momento em que se constituem em audiência para a apreciação e tomada de decisões judiciais » . Além dos perigos que representa­m para o já penoso trabalho e situação a que são voltados os tribunais/ juízes na primeira instância, com essa medida agrava- se ainda mais a autoridade e imperativi­dade dos seus actos, do início ao fim de cada processo, onde se reportam diariament­e inúmeros obstáculos e resistênci­as de cumpriment­o ( começando pelos próprios agentes da Administra­ção Pública, civil e militar/ militariza­da e deputados, a quem se pretende equiparaçã­o). Um tribunal sem soberania não é tribunal. O juiz que não pode identifica­r- se em representa­ção do poder soberano que o Estado lhe confere, quando se encontre em exercício de funções, em qualquer etapa de um processo, não é verdadeira­mente um juiz.

Não se percebe essa perspectiv­a de recusar a soberania ( ou “representa­ção da soberania” como se diz) aos tribunais e juízes de 1. ª e 2. ª instância.

Não recuemos nas conquistas alcançadas, nem criemos areias movediças em solo de quem tem de agir com firmeza.

Acredito na bondade da intenção, por isso também confio no recuo em relação a esta solução, em toda a sua dimensão atentatóri­a ao Estado Democrátic­o de Direito.

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