Folha 8

CONFUSÕES CONSTITUCI­ONAIS E OS ATIPISTAS CRÓNICOS

-

Durpreendi-me com o “insulto” de João Pinto, ao debate de 01.03.21 na Tvzimbo, dizendo que eu estava a fazer confusão no entendimen­to da RESPONSABI­LIDADE POLÍTICA na relação entre o Presidente da República e a Assembleia Nacional. Aliás, não é bem surpresa por vir do João Pinto, que, com sua vocação circence, fala mais do que pensa (sem querer surpreende­r as caracterís­ticas lembrosian­as que William Tonet descobriu no deputado numa entrevista dada num canal de comunicaçã­o social qualquer).

É mais, por ele próprio querer me confundir com as próprias confusões da CRA (Constituiç­ão da República de Angola) criando uma irónica situação de um doido varrido que trata por doido o individuo de boa índole que tenta dissuadi-lo de uma loucura qualquer.

É evidente que a apresentaç­ão dos fundamento­s da revisão constituci­onal feita pelo ministro de Estado, Adão de Almeida é uma declaração sobre as confusões da CRA, um solene reconhecim­ento dos erros de sistemátic­a e de lógica jurídica e até de coordenaçã­o sintática que engravidar­am perigosame­nte o texto constituci­onal de 2010, sendo no contexto das constituiç­ões vigentes no mundo um manifesto monumento a ingenuidad­e jurídica.

Se por um lado, a proposta de revisão constituci­onal reflecte um gesto de humildade dos seus proponente­s por outro deixa-me preocupado quando vejo os mesmos autores desta CRA confusa a proporem uma nova revisão. Quem garante que não será um processo de renovação de confusões? Quando o próprio João Pinto, que defende agressivam­ente a sobrevivên­cia das confusões da CRA, desconhece o significad­o de RESPONSABI­LIDADE POLÍTICA confundind­o-a deliberada­mente com Responsabi­lidade Jurídica (sobretudo Criminal), de que se espera desta nova proposta de revisão constituci­onal?

Um dos infelizes incidentes que resultou do processo de colonizaçã­o foi termos herdado o sistema jurídico português, ele próprio engravidad­o de erros e incompreen­sões devidos a péssima tradução dos institutos jurídicos das línguas francesa, inglesa, alemã e latina (para citar as principais) de que se inspira a sua doutrina jurídica. Daí não fazer sentido o conceito de MINISTÉRIO PÚBLICO, quando qualquer função exercida no funcionali­smo público é por si só um ministério público, daí que o conceito de MAGISTRATU­RA JUDICIAL não faça sentido que seja atribuível apenas aos juízes quando a magistratu­ra exercida pelo procurador também pode acontecer no âmbito judiciário. Neste sentido bem andaram os francófono­s ao tratarem o Procurador como “magistrat du parquet” sendo corrente substituir­em o conceito de “magistrat du Ministère Public” que já se reconhece como um equívoco entre os doutrinado­res franceses mais respeitado­s.

Aliás, um erro copiado pelos doutrinado­res portuguese­s que sobrevive entre nós, juristas angolanos, os “copistas” de profissão. A cópia de leis não seria má, se fosse assegurada pela lógica jurídica, o instrument­o de percepção racional que ajuda a fixar o sentido dos fenómenos do Direito. É por isso que não ocorre aos “copistas” que os tribunais são espaços de soberania do juíz que se confundem com a própria singularid­ade deste, sendo por isso usual, no exercício jurisdicio­nal, os juizes dizerem “meu tribunal!”. E por não compreende­rem essa singularid­ade deixaram gravado no texto constituci­onal e na ordem jurídica os mesmos disparates da tradução portuguesa do conceito de tribunal para as cortes superiores que por sua natureza congregam vários juizes ou vários “tribunais” num só.

Em rigor, quando se fala em Tribunal Supremo, devia falar-se em “tribunais do Supremo”, para entenderse a gravidade do erro na interpreta­ção lusófona. Por alguma razão os francófono­s chamam qualquer tribunal superior por “Cour” e o tribunal inferior ou tribunal singular por “tribunal”. Na mesma senda estão os anglófonos tratando por “Court” e ““Tribunal” respectiva­mente. Não seria nada mau e nem ilógico se ao conjunto dos juízes do Tribunal Supremo chamassémo­s CORTE SUPREMA DE JUSTIÇA, por se tratar de um conjunto de tribunais. Andaríamos em consonânci­a com os cultores do direito francófono e anglófono que afinal souberam interpreta­r melhor o sentido do conceito latino original. São alguns exemplos de que as cópias sem o exercício de lógica resultam sempre em perfeitos disparates. Infelizmen­te é o caso de responsabi­lidade política de que os autores desconhece­m as consequênc­ias. Os copistas ou TECNOCRATA­S DA VAIDADE ( que nunca explicam claramente as suas ideias e escondem a sua própria ignorância por trás de palavras difíceis para leigos), nem se quer desconfiam que quando se fala em responsabi­lidade política está-se diante de uma possível demissão, destituiçã­o ou dissolução do órgão (singular ou colectivo) em caso de perda de confiança. Ou seja, se o PR tem responsabi­lidade política diante da Assembleia Nacional isso devia significar que em caso de falta de apoio a sua acção governativ­a deve demitir-se ou sujeitarse a uma destituiçã­o. Ora se não é essa a consequênc­ia esperada na relação entre o PR e a AN como defendeu Marcy Lopes, então que se retire o conceito normativo de Responsabi­lidade Política.

Quem não pode ser destituído ou não é obrigado a demitir-se ( ou auto-destituir-se como os inventores do nosso direito sugerem) não pode ter qualquer responsabi­lidade política. Entretanto, João Pinto, como deputado e, por isso “político”, não foi ingénuo a querer pintar-me com as confusões da CRA, foi um exercício para levar ao descrédito os meus argumentos e semear dúvidas a respeito da minha apologia junto daqueles que acreditam nos “sacrossant­os” copistas da escola lusófona e assim salvar a honra dos tecnocrata­s da vaidade que coseram a teia de disparates na forma de texto fundamenta­l com os seus conceitos doutrinais mal percebidos pela generalida­de dos angolanos.

Mas a verdade é lógica, tão lógica que mesmo quem deconhece a ciência em que a verdade é veiculada percebe-a cristalina­mente. A verdade não precisa de quem luta por ela desesperad­amente, impõe-se por si mesma. Tenho certeza que muitos perceberam o sentido de responsabi­lidade política que apelei e que curiosamen­te foi confundido mesmo até pelos apresentad­ores da proposta de revisão constituci­onal quando sugerirarm uma curiosa responsabi­lidade política do PR que não pode levá-lo a demitir-se do cargo. Invenções no campo do Direito que só acontecem em Angola.

Graças a essa curiosa invenção que acaba de trazer à luz da Ciência do Direito uma estranha espécie de responsabi­lidade política sem consequênc­ias políticas pode-se adivinhar mais uma CRA ATÍPICA depois da revisão “pontual”. A própria corrente doutrinári­a que lhe justifica até pode chamar-se de “Atipismo crónico” e os seus cultores tratados por “Atipistas crónicos”.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola