(Re)visão pessoal e individual da Constituição
AConstituição da República de Angola ( CRA) foi promulgada a 5 de Fevereiro de 2010, e entrou em vigor na data da sua publicação. É uma Constituição rígida, que prevê a sua revisão cinco anos após a sua entrada em vigor ou a contar da última revisão. A Constituição, que tem sido chamada de atípica, suscitou, desde a primeira hora, ataques, condenações e reprovações por algumas das soluções por ela consagradas, e que não agradaram aos cidadãos, dum modo geral. Trata- se do seguinte: do modo de eleição do Presidente da República ( que integra a lista dos candidatos a deputados, lista da qual é o cabeça- de- lista), dos poderes excessivos do
Presidente da República ( tratado como « titular do poder executivo » ) e da subalternização dos outros poderes ( legislativo e judicial) ao Titular do Poder Executivo. Uma vez eleito deputado ( pelo círculo nacional na lista de um partido ou coligação de partidos que participa nas eleições), o cabeça da lista vencedora e o segundo candidato da mesma lista não tomam posse como deputados ( renunciando implicitamente ao mandato parlamentar) e tomam posse como Presidente e VicePresidente da República, sem mais formalidades. Por isso, muitos cidadãos esperavam por uma revisão da Constituição para que esta pudesse ser expurgada dos seus excessos, nomeadamente os acima referidos, e se tornasse verdadeiramente democrática e equilibrada, promotora da reconciliação nacional e defensora do interesse nacional.
Não obstante essa vontade de revisão da Constituição, clara e manifestamente expressa por vários sectores e quadrantes da comunidade nacional e pelos partidos da oposição, o regime tomou todas as providências para impedi- la, quer em 2015, quando se completaram os cinco anos que permitiam a primeira revisão, quer na transição da titularidade do poder executivo, em que, na campanha eleitoral, o MPLA não anunciou nenhuma revisão; do mesmo modo que o deputado eleito Presidente da República como cabeça da lista daquele partido também não apresentou essa tarefa como ponto do seu programa de governo. De igual modo, ao longo da sua governação ( do último trimestre de 2017 a finais de Fevereiro de 2021), não se referiu nunca ( salvo erro ou distracção da minha parte) à revisão constitucional como prioridade ou como tarefa importante e necessária do seu mandato.
Por isso foi, com uma grande surpresa e visível estupefacção que os angolanos e os curiosos que acompanham a agenda política de Angola, seguiram o anúncio do Presidente João Lourenço de que ia dar início a uma « revisão pontual da Constituição » ; anúncio divulgado na reunião do Conselho de Ministros de 2 de Março.
Como era de esperar, a notícia caiu como uma bomba, e levantou uma onda de preocupações e uma série de interrogações. É verdade que a revisão constitucional, como possibilidade ou como necessidade, é uma questão consensual e conciliadora. Mas a maneira como ela foi anunciada, como um « segredo de Estado » ou um coelho saído da « cartola presidencial » , dado que a questão não constava da agenda política do país nem do programa de governo do MPLA, ou mesmo do seu Presidente, João Lourenço, foi interpretada por muitos como um golpe ou uma conspiração e uma manobra política destinada a servir fins inconfessos.
Na verdade, uma revisão da Constituição devia ser anunciada com uma grande antecedência, ser discutida calma e serenamente, para reunir o mais amplo consenso, quer sobre a oportunidade da revisão, quer sobre os temas ( ou questões), quer ainda sobre as soluções a consagrar. Mas, não: no dia 2 de Março, a impressão ( ou a convicção que tivemos) é que nem o próprio MPLA, nem o governo ( os auxiliares do Titular do Poder Executivo, com excepção daquele punhado de homens de confiança que prepararam a proposta, em nome e a pedido do seu Chefe, no mais completo e absoluto secretismo), nem a oposição ( parlamentar ou não), nem a sociedade civil, nem mesmo o Conselho de Estado tiveram conhecimento prévio da referida iniciativa: todos foram apanhados de surpresa!