Revisão sem revisar o mal da Constituição
No anúncio feito na abertura da 2ª sessão ordinária do Conselho de Ministros, O presidente João Lourenço disse que, com a revisão pontual da Constituição, pretendia preservar a estabilidade dos seus princípios fundamentais, adaptar algumas das suas normas à realidade vigente, mantendo- a ajustada ao contexto político, social e económico, clarificar os mecanismos de fiscalização política, melhorar o relacionamento entre os órgãos de soberania e corrigir algumas insuficiências. Além disso, foi ainda esclarecido que a revisão visava preservar a estabilidade nacional e os valores do Estado democrático e de direito. Assim, seria também consagrado o direito de voto dos angolanos no estrangeiro, afirmada a independência do Banco Nacional de Angola, eliminado o princípio do gradualismo na institucionalização das autarquias e introduzindo a constitucionalização de um período fixo para a realização das eleições gerais.
No dia seguinte ao do anúncio da revisão constitucional, a proposta de lei da revisão foi entregue na Assembleia Nacional. Foi sem surpresa que se confirmou que nenhuma das preocupações que levavam muitos cidadãos a ansiar pela revisão da Constituição ( modo de eleição do Presidente da República e « racionalização » dos poderes, bem como um equilíbrio harmonioso – de pesos e contrapesos – entre os órgãos de soberania) fazia parte da proposta presidencial. Das questões que são objecto de revisão, são de referir: a confirmação, por outras palavras e expressões, que a Assembleia Nacional não pode fiscalizar os « auxiliares » do Titular do Poder Executivo. A “fiscalização” só pode ser feita na base e nos limites da análise de relatórios apresentados por aqueles responsáveis, apenas ao nível das Comissões, e sem a presença deles; e para que eles possam ir ao Parlamento responder às perguntas e preocupações dos deputados, devem ser previamente autorizados pelo Titular do Poder Executivo, que fixa, desde logo, o âmbito e os limites das suas intervenções. E o procedimento não consubstancia qualquer responsabilidade política nem deve, de maneira nenhuma, provocar a demissão de tais responsáveis ou auxiliares políticos.
Por outro lado, põe- se termo ao gradualismo, na implementação das autarquias, mas nada garante que elas possam ainda ser efectivamente instaladas no decorrer do mandato dos deputados e do Presidente da República. Finalmente, consagra- se a independência do Banco Nacional de Angola ( BNA), para se garantir a existência de uma política cambial e monetária livre das imposições e ingerências do poder político, para a estabilidade da moeda e da economia. Valerá a pela essa consagração? Será suficiente para atingir os objectivos proclamados? Duvido muito que isso aconteça: a independência da justiça também tem consagração constitucional, mas ela é não só dependente, como está inteiramente subordinada ao interesse político ( e mesmo pessoal) do titular do poder. É difícil que os resultados sejam diferentes no que se refere ao BNA.
E quanto ao direito de voto dos angolanos no estrangeiro, não vejo que vantagens imediatas poderá ter. Ainda que o voto deles venha a ser verdadeiramente livre, não terá incidência nenhuma nos resultados eleitorais. Esta é a realidade da revisão constitucional: não foi pensada nem vai ser realizada em prol do Povo. Não só os seus anseios não foram tidos em conta, como também o próprio Povo não foi tido em conta, não foi ouvido ( não foi tido nem achado). E, embora alguns pensem que a lei de revisão poderá ser enriquecida e aprofundada na Assembleia Nacional, é evidente que, para além da retórica e da verborreia que a ocasião ( da discussão da proposta proporcionará), nas suas linhas gerais, éo « pacote preparado, concluído e fechado » por João Lourenço que será aprovado, e que integrará a Constituição.
Resta saber qual será o impacto real que a revisão terá na vida dos cidadãos. Muito pouco, pelo menos em termos de vantagens, de benefícios ou de ganhos. Embora os objectivos verdadeiramente prosseguidos pelo Titular do Poder Executivo não estejam ainda claramente definidos e perceptíveis ao cidadão comum, é evidente que a revisão constitucional não foi gizada a pensar no Povo, nem estará ao seu serviço. A revisão servirá exclusiva ou essencialmente os interesses do poder, ou seja, os interesses do Titular do poder Executivo, que a aprova a cerca de vinte meses do fim do seu mandato. A sua oportunidade, a sua pertinência e o seu alcance último não se enquadram no âmbito do « melhorar o que está bem e corrigir o que está mal » , nem no reforço da luta contra a impunidade e a corrupção.