POLÍTICA PORCA
PONTO PRÉVIO: A política é suja, mas não navega na pocilga, pese ter nela muitos políticos, intelectualmente, porcos, que têm o cérebro ligado ao intestino grosso. A discriminação da comunicação social pública é latente, quando se trata de dar voz aos intelectuais livres ou à oposição real, catalogados como adversários e ou inimigos pelo partido no poder, mas esta mesma imprensa, de forma espúria estende tapete vermelho para quem, camaleonicamente, pretenda atacar e destratar, alguém, conotado pelo MPLA e pelo seu líder, como inimigo. E é por isso que me lembro de Rui Barbosa quando diz: ““De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.
Ain ic iat iva presidencial para a revisão ordinária parcial da Constituição deveria, repito, ter a solenidade que se impõe: anúncio na Assembleia Nacional, porque no seu gabinete, diante de meros auxiliares é e foi demonstrativa do império da maioria ( aprovada na generalidade), aliás como o ministro do Estado tem vindo a dizer, que os deputados da bancada maioritária não estão lá para pensar, mas para dizer: YES BOSS! E segue a procissão das ilegalidades, agora na especialidade.
Uma revisão pontual e de mérito seria se tivesse proposto a eleição nominal do Presidente; a proibição do presidente do MPLA ser Presidente da República e das Forças Armadas serem partidárias, por via disso, ao invés de apartidárias. Como jurista e único advogado discriminado, com carteira cassada, pelo regime, por razões políticas, esta iniciativa do Titular do Poder Executivo é, segundo a fundamentação e articulados, o prenúncio de uma era da inquisição, face à parte respeitante ao poder judicial, que revela o evidente propósito do desmembramento e subalternização dos tribunais e respectivos juízes, o que atenta o princípio consagrado na Constituição, o da independência dos juízes e dos tribunais, aliás, característica dominante em todos os Estados de Direito e Democráticos, em todo o mundo civilizado.
Os juízes dos diferentes tribunais constituem um corpo único e estão sujeitos ao mesmo estatuto.
De acordo com a organização judiciária angolana, assente na hierarquia dos tribunais que a compõem, a magistratura judicial angolana integra: a) Juízes do Tribunal Supremo, com a designação de Conselheiros; b) Juízes dos Tribunais da Relação, com a denominação de Desembargadores; c) Juízes dos Tribunais de Comarca, com o título de Juízes de Direito a que correspondem respectivamente a instância suprema, segunda instância e primeira; d) Banalização do juiz de direito em serviço no Tribunal Supremo, ao fazer, muitas vezes, o papel de escrivão, nas audiências de julgamento; e) Escrivães do Tribunal Supremo usam a beca do juiz de direito; f) Número exagerado de viaturas atribuídas aos juízes conselheiros, enquanto os da primeira instância andam a pé ou em carros de aluguer, tendo havido já casos em que o juiz viajou na mesma viatura, que o réu e respectiva família... Entre os juízes das diferentes instâncias não existe qualquer hierarquia, o Juiz Conselheiro não é superior dos demais juízes e nem deve interferir nos processos de outros juízes, nomeadamente das segunda e primeira instâncias, isso resultante do princípio estruturante do Estado de Direito e das disposições constitucionais que consagram à independência dos Tribunais e dos respectivos juízes. Lamentavelmente, em Angola a promoção na carreira dos juízes para alcançarem o Tribunal Supremo, o Tribunal Constitucional e o Tribunal de Contas não tem sido até aqui feita de forma transparente e com base no mérito e capacidade intelectual. A ascensão ao cargo de Juiz Conselheiro, salvo um ou outro caso, é feita por conveniência política e amiguismo. Assim é que a maioria dos actuais Juízes Conselheiros dos Tribunais Supremo e Constitucional foram levados pela mão de políticos e generais, em detrimento de muitos bons juízes que continuam na primeira instância e outros já jubilados, que postos no Supremo ou Constitucional ofereceriam um melhor desempenho, quer sob o ponto de vista técnicojurídico, de redacção e argumentação dos acórdãos, assumo enquanto jurista e conhecedor da realidade de muitos pareceres sofríveis.
Os Juízes administram a justiça em nome do Povo, exercem uma função que não é equiparada à do Ministério Público ou à do Ministério do Interior, eles são todos titulares do órgão de soberania: o Tribunal.
É de estranhar que o Presidente da República, como titular de órgão de soberania ( não tendo sido nominalmente eleito) não queira continuar a reconhecer os Tribunais da primeira e segunda instância como órgãos de soberania e antes pretenda desmembrar a unidade da judicatura com a hierarquização dos juízes.
Mais estranho e arrepiante foi ouvirmos o Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, por sinal jurista, afirmar que Juízes da primeira instância só são titulares de órgão de soberania quando estiverem na sala de audiências. Que tamanho dislate para um jurista.
Ó senhor Ministro, uma sala de ciências é o espaço reservado às audiências de julgamentos e outros actos processuais julgados importantes. O que a sala de audiências tem a ver com a soberania? Talvez o senhor quisesse agradar o Presidente da República e desceu a escadaria como se fosse um estudante de direito do primeiro ano. Só pode ser...
A iniciativa do Presidente da República e de todos aqueles que a abraçam, vem confirmar que o poder judicial em Angola é efectivamente dependente do poder político. De acordo com a iniciativa os tribunais de primeiras e segundas instâncias deixam de ser órgãos de soberania, para, provavelmente, passarem a ser considerados meros dependentes do poder executivo, ou apêndices dos CAP/ MPLA, logo os referidos juízes da primeira e segunda instância passarem a ser meros funcionários públicos.
Perante tal iniciativa, que visa amputar a unicidade da magistratura judicial, é incompreensível o silêncio do Presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial e do comunicado dócil da Associação dos Juízes de Angola!
A magistratura judicial, no seu todo, deveria merecer respeito e dignidade de todos os demais órgãos de soberania.
Quem trafega pelos tribunais sabe serem os juízes da primeira instância os que mais trabalham e se sacrificam, no espírito de serviço ao país, algumas vezes em prejuízo do seu descanso e da família. Infelizmente tal esforço não é reconhecido nem pelo próprio Conselho Superior da Magistratura Judicial, nem pelo Titular do Poder Executivo, que nada ou muito pouco fazem para mitigar as inúmeras dificuldades com que os mesmos se debatem, desde a falta de transporte a uma remuneração condigna. O Conselho Superior da Magistratura Judicial fez aprovar uma deliberação para aumento do salário dos Conselheiros e olvidou em relação aos da primeira e segunda instância.
É necessário que os homens e Conselheiros do Presidente da República o aconselhem bem para a saúde jurídica do país e bom nome de Angola, e não com vista à satisfação de interesses individuais de cada um. Não se pode aceitar que estando o Presidente da República rodeado de juristas, venha este apresentar uma iniciativa de revisão constitucional que ofende directamente e constitui injustiça para os cidadãos e os juízes, no seu todo, na medida em que pretende passar para a opinião pública que os juízes dos tribunais superiores são hierarquicamente superiores aos restantes juízes e que só eles merecem a dignidade de soberania, quando a podridão grassa mais nos tribunais Constitucional e Supremo, onde se alojam muitos juízes partidocratas e empresários, que, muitas vezes, produzem encomendados acórdãos de viés comercial e político.