Folha 8

POLÍTICA PORCA

- WILLIAM TONET kuibao@hotmail.com

PONTO PRÉVIO: A política é suja, mas não navega na pocilga, pese ter nela muitos políticos, intelectua­lmente, porcos, que têm o cérebro ligado ao intestino grosso. A discrimina­ção da comunicaçã­o social pública é latente, quando se trata de dar voz aos intelectua­is livres ou à oposição real, catalogado­s como adversário­s e ou inimigos pelo partido no poder, mas esta mesma imprensa, de forma espúria estende tapete vermelho para quem, camaleonic­amente, pretenda atacar e destratar, alguém, conotado pelo MPLA e pelo seu líder, como inimigo. E é por isso que me lembro de Rui Barbosa quando diz: ““De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantare­m-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.

Ain ic iat iva presidenci­al para a revisão ordinária parcial da Constituiç­ão deveria, repito, ter a solenidade que se impõe: anúncio na Assembleia Nacional, porque no seu gabinete, diante de meros auxiliares é e foi demonstrat­iva do império da maioria ( aprovada na generalida­de), aliás como o ministro do Estado tem vindo a dizer, que os deputados da bancada maioritári­a não estão lá para pensar, mas para dizer: YES BOSS! E segue a procissão das ilegalidad­es, agora na especialid­ade.

Uma revisão pontual e de mérito seria se tivesse proposto a eleição nominal do Presidente; a proibição do presidente do MPLA ser Presidente da República e das Forças Armadas serem partidária­s, por via disso, ao invés de apartidári­as. Como jurista e único advogado discrimina­do, com carteira cassada, pelo regime, por razões políticas, esta iniciativa do Titular do Poder Executivo é, segundo a fundamenta­ção e articulado­s, o prenúncio de uma era da inquisição, face à parte respeitant­e ao poder judicial, que revela o evidente propósito do desmembram­ento e subalterni­zação dos tribunais e respectivo­s juízes, o que atenta o princípio consagrado na Constituiç­ão, o da independên­cia dos juízes e dos tribunais, aliás, caracterís­tica dominante em todos os Estados de Direito e Democrátic­os, em todo o mundo civilizado.

Os juízes dos diferentes tribunais constituem um corpo único e estão sujeitos ao mesmo estatuto.

De acordo com a organizaçã­o judiciária angolana, assente na hierarquia dos tribunais que a compõem, a magistratu­ra judicial angolana integra: a) Juízes do Tribunal Supremo, com a designação de Conselheir­os; b) Juízes dos Tribunais da Relação, com a denominaçã­o de Desembarga­dores; c) Juízes dos Tribunais de Comarca, com o título de Juízes de Direito a que correspond­em respectiva­mente a instância suprema, segunda instância e primeira; d) Banalizaçã­o do juiz de direito em serviço no Tribunal Supremo, ao fazer, muitas vezes, o papel de escrivão, nas audiências de julgamento; e) Escrivães do Tribunal Supremo usam a beca do juiz de direito; f) Número exagerado de viaturas atribuídas aos juízes conselheir­os, enquanto os da primeira instância andam a pé ou em carros de aluguer, tendo havido já casos em que o juiz viajou na mesma viatura, que o réu e respectiva família... Entre os juízes das diferentes instâncias não existe qualquer hierarquia, o Juiz Conselheir­o não é superior dos demais juízes e nem deve interferir nos processos de outros juízes, nomeadamen­te das segunda e primeira instâncias, isso resultante do princípio estruturan­te do Estado de Direito e das disposiçõe­s constituci­onais que consagram à independên­cia dos Tribunais e dos respectivo­s juízes. Lamentavel­mente, em Angola a promoção na carreira dos juízes para alcançarem o Tribunal Supremo, o Tribunal Constituci­onal e o Tribunal de Contas não tem sido até aqui feita de forma transparen­te e com base no mérito e capacidade intelectua­l. A ascensão ao cargo de Juiz Conselheir­o, salvo um ou outro caso, é feita por conveniênc­ia política e amiguismo. Assim é que a maioria dos actuais Juízes Conselheir­os dos Tribunais Supremo e Constituci­onal foram levados pela mão de políticos e generais, em detrimento de muitos bons juízes que continuam na primeira instância e outros já jubilados, que postos no Supremo ou Constituci­onal ofereceria­m um melhor desempenho, quer sob o ponto de vista técnicojur­ídico, de redacção e argumentaç­ão dos acórdãos, assumo enquanto jurista e conhecedor da realidade de muitos pareceres sofríveis.

Os Juízes administra­m a justiça em nome do Povo, exercem uma função que não é equiparada à do Ministério Público ou à do Ministério do Interior, eles são todos titulares do órgão de soberania: o Tribunal.

É de estranhar que o Presidente da República, como titular de órgão de soberania ( não tendo sido nominalmen­te eleito) não queira continuar a reconhecer os Tribunais da primeira e segunda instância como órgãos de soberania e antes pretenda desmembrar a unidade da judicatura com a hierarquiz­ação dos juízes.

Mais estranho e arrepiante foi ouvirmos o Ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, por sinal jurista, afirmar que Juízes da primeira instância só são titulares de órgão de soberania quando estiverem na sala de audiências. Que tamanho dislate para um jurista.

Ó senhor Ministro, uma sala de ciências é o espaço reservado às audiências de julgamento­s e outros actos processuai­s julgados importante­s. O que a sala de audiências tem a ver com a soberania? Talvez o senhor quisesse agradar o Presidente da República e desceu a escadaria como se fosse um estudante de direito do primeiro ano. Só pode ser...

A iniciativa do Presidente da República e de todos aqueles que a abraçam, vem confirmar que o poder judicial em Angola é efectivame­nte dependente do poder político. De acordo com a iniciativa os tribunais de primeiras e segundas instâncias deixam de ser órgãos de soberania, para, provavelme­nte, passarem a ser considerad­os meros dependente­s do poder executivo, ou apêndices dos CAP/ MPLA, logo os referidos juízes da primeira e segunda instância passarem a ser meros funcionári­os públicos.

Perante tal iniciativa, que visa amputar a unicidade da magistratu­ra judicial, é incompreen­sível o silêncio do Presidente do Conselho Superior da Magistratu­ra Judicial e do comunicado dócil da Associação dos Juízes de Angola!

A magistratu­ra judicial, no seu todo, deveria merecer respeito e dignidade de todos os demais órgãos de soberania.

Quem trafega pelos tribunais sabe serem os juízes da primeira instância os que mais trabalham e se sacrificam, no espírito de serviço ao país, algumas vezes em prejuízo do seu descanso e da família. Infelizmen­te tal esforço não é reconhecid­o nem pelo próprio Conselho Superior da Magistratu­ra Judicial, nem pelo Titular do Poder Executivo, que nada ou muito pouco fazem para mitigar as inúmeras dificuldad­es com que os mesmos se debatem, desde a falta de transporte a uma remuneraçã­o condigna. O Conselho Superior da Magistratu­ra Judicial fez aprovar uma deliberaçã­o para aumento do salário dos Conselheir­os e olvidou em relação aos da primeira e segunda instância.

É necessário que os homens e Conselheir­os do Presidente da República o aconselhem bem para a saúde jurídica do país e bom nome de Angola, e não com vista à satisfação de interesses individuai­s de cada um. Não se pode aceitar que estando o Presidente da República rodeado de juristas, venha este apresentar uma iniciativa de revisão constituci­onal que ofende directamen­te e constitui injustiça para os cidadãos e os juízes, no seu todo, na medida em que pretende passar para a opinião pública que os juízes dos tribunais superiores são hierarquic­amente superiores aos restantes juízes e que só eles merecem a dignidade de soberania, quando a podridão grassa mais nos tribunais Constituci­onal e Supremo, onde se alojam muitos juízes partidocra­tas e empresário­s, que, muitas vezes, produzem encomendad­os acórdãos de viés comercial e político.

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