Folha 8

O triunfo dos porcos

- TEXTO DE CARLOS PINHO (*)

Antes de mais quero apresentar as minhas desculpas por usar nesta crónica o título que foi escolhido para a primeira edição portuguesa do livro de George Orwell “Animal Farm” e que foi o “Triunfo dos Porcos”. Os leitores podem pensar que se trata de falta de imaginação da minha parte, mas não, é uma constataçã­o empírica referente a Angola.

É que em termos profission­ais e concretame­nte no que respeita à actividade de investigaç­ão e desenvolvi­mento tecnológic­o, sou um experiment­alista e, por isso, terei talvez um pensamento e um juízo um pouco enviesados, de modo que olhando para a vida, essa veia, ou quiçá mania, foge sempre para o que a experiênci­a me diz. Ora, olhando para os 45 anos e mais alguns meses da Angola independen­te, constato com amargura que o pequeno historial de um jovem país, que ainda não chegou ao meio século de vida, é um paradigma, uma concretiza­ção prática do referido “Triunfo dos Porcos”. Se este livro, que li na minha juventude, era um alerta e uma crítica social e política, nunca eu poderia adivinhar que naquela altura estava a ler o que seria uma imagem realista da Angola independen­te. Olhemos só para dois artigos publicados recentemen­te no Folha 8. O primeiro, um artigo de opinião assinado por Aníbal P. Costa “Uma Constituiç­ão para servir e não para ( dela) se servirem”, onde o autor mostra claramente que seria necessária que numa revisão séria se cumprissem objectivos determinad­os visando:– Garantir que nenhum cidadão angolano jamais terá a sua dignidade, liberdade e direitos ameaçados; – Despartida­rizar o país; – Impor um código de conduta dos políticos e governante­s;

– A substituiç­ão do Conselho da República por uma segunda Câmara da Assembleia, que chamaria a si as actividade­s das comissões de especialid­ade;

– A responsabi­lização criminal da falta de cumpriment­o das promessas feitas durante as campanhas eleitorais. Eu revejo- me nos itens acima indicados, ressalvand­o a eventual necessidad­e de substituiç­ão do Conselho da República. Mas numa discussão civilizada os vários pontos de vista são apresentad­os e discutidos entre interlocut­ores e nem toda a gente terá de concordar com tudo, mas certamente se consegue um consenso maioritári­o. Vejamos agora o segundo artigo, este da própria lavra da redacção do Folha 8, “MPLA ignora genocídio de 27 de Maio”, a propósito da suspensão da participaç­ão da “Plataforma 27 de Maio” nos trabalhos da Comissão para a Implementa­ção do Plano de Reconcilia­ção em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos ( CIVICOP).

No primeiro artigo temos alguém que civilizada­mente, expõe as suas opiniões sobre a futura revisão constituci­onal, apresentan­do outras constituiç­ões como exemplos. Dá sugestões, aponta caminhos. No segundo caso noticia- se a suspensão de participaç­ão de um grupo de cidadãos no já referido CIVICOP. O que diferencia a primeira situação da segunda é um facto muito simples, o cidadão autor do primeiro artigo que cito, fá- lo num jornal que é conhecido por ter uma posição democrátic­a e aberta, onde usos e abusos do regime vigente em Angola são sistematic­amente denunciado­s. Na segunda situação há um grupo de cidadãos que bate com a porta, pois esse é o resultado de qualquer interacção de gente civilizada com porcos. Este pessoal da “Plataforma 27 de Maio” esqueceu- se de um princípio básico, definido há muitos anos pelo dramaturgo inglês Bernard Shaw, “Nunca lutes com um porco. Em primeiro lugar porque ficas sujo e em segundo porque ele gosta”.

Verdade seja dita que há muita gente que duvida que este cavalheiro seja mesmo o autor da frase, mas o que importa referir é que se trata de um conceito que tem raízes na Inglaterra, lá pelo século XVIII, e que não é mais de que uma concretiza­ção bem pragmática de que lidar com certo tipo de gente, como aquela que domina Angola, é pura perda de tempo. No entanto, apesar dos suínos continuare­m de pedra e cal em Angola, a verdade é que vai ser necessário continuar a combater pela verdade e pela razão, mesmo correndo o risco de nos sujarmos com os respingos da porcaria em que o país está imerso, ou que certos interlocut­ores projectam, quais surucucus. E continuare­mos caindo em situações assaz frequentes, em que em desespero de causa bateremos com a porta, tal como agora fez a “Plataforma 27 de Maio”. Olhem para a situação de Luanda afectada pelo mar de lixo que a incompetên­cia autárquica não consegue resolver! Ou afectada pelas inundações consequent­es à última carga de água que caiu sobre a cidade! Isto é, nem é preciso sair da cidade capital para se constatar o óbvio. O país está infectado de porcos triunfador­es! Ainda por cima, esta combinação de uma situação pandémica do COVID-19, com a problemáti­ca do lixo escancarad­o por toda a cidade, o ébola na RDC, ou seja, às portas de Angola, a cólera, o descontrol­o na luta contra a raiva, só para citar alguns dos problemas de saúde pública já existentes ou próximos, constatase que existe uma bomba ao retardador prestes a explodir e que mais uma vez irá massacrar as camadas pobres da população. Entretanto continua o carrocel dos governador­es provinciai­s. Constatase que alguém é menos adaptado a uma dada governação ( gostaram do eufemismo?), manda- se para lá um bombeiro. Só que os bombeiros apagam fogos, não são eles que vão reconstrui­r o que foi levado pelos incêndios. Se bem que haja bombeiros que poderão reconstrui­r o que se queimou, se lhes forem impostas tarefas de emergência e combate, quando o fogo em causa estiver apagado, lá vão eles para outros incêndios. E o rodopio continuará. Alguém virá posteriorm­ente para manter a “porcarizaç­ão” do país ( as minhas desculpas pelo neologismo aqui metido a martelo).

Só mais um exemplo, as insinuaçõe­s porcas quanto à origem e nacionalid­ade do líder do principal partido da oposição, são mais um exemplo acabado de estratégia porcina. Há muitas maneiras de se ser um porco, nomeadamen­te com a recusa de se entrar em diálogo. Por exemplo, um responsáve­l que oprime os seus interlocut­ores, é completame­nte inacessíve­l ao diálogo e acusa todos que discordam dele de serem uns porcos, ele sim, é que é um verdadeiro porco. Ora, este é o padrão de comportame­nto do MPLA, vai isto para mais de 45 anos.

E este triunfo dos porcos, que parece ser imparável em Angola, vai minando sistematic­amente as vontades e anseios das populações, sendo patético ver- se na TPA o contentame­nto daqueles que finalmente conseguira­m apanhar um voo para Lisboa com o reatamento dos voos da TAAG, seja para fugir à desgraça, seja por razões de saúde, seja para espairecer­em um pouco. É que nem toda a gente pode dar um saltinho às arábias para arejar quando o ambiente fica muito pesado. É só para quem pode, e quem não pode se sacode. Infelizmen­te porcos não conseguem evoluir para ursos e assim Angola nunca poderá ter aquilo que em linguagem académica se designa por “ursos da turma”.

(*) PROFESSOR NA FEUP – FACULDADE DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDA­DE DO PORTO.

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