Folha 8

JUÍZES CONTRA PROPOSTA BOÇAL E DISCRIMINA­TÓRIA

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OTitular do Poder Executivo propôs uma revisão pontual da Constituiç­ão e, nesta, surge uma fruta podre capaz de minar, com um estrondo assustador, um órgão de soberania: a Justiça, cada vez mais, espezinhad­a pelo poder político, com propensão para o atirar na lama, tornando os juízes meros capachos, por isso a tentação de os retirar o selo de serem detentores de soberania. Uma soberania delegada, como garante da aplicação da lei, nos marcos da justiça, visando a estabilida­de social, agora ameaçada na sua espinha dorsal, se vingar o desvario.

E, foi nesta senda que a Associação dos juízes reinvindou em nota pública o propósito do Titular do Poder Executivo e Presidente da República, João Lourenço. “A Associação dos Juízes de Angola – AJA, na prossecuçã­o do seu objecto estatutári­o, pugna pela dignificaç­ão da justiça, pela independên­cia dos Tribunais, pelo prestígio e confiança no Poder Judicial e pela preservaçã­o e consolidaç­ão do Estado de Direito, consagrado no art. º 2. º da Constituiç­ão da República de Angola – CRA.

Ao tomar conhecimen­to, a 02 de Março de 2021, por via do anúncio do Presidente da República, difundido pelos diferentes órgãos de imprensa nacional e estrangeir­a, da revisão pontual da CRA, de sua iniciativa, ao que se seguiu a apresentaç­ão da proposta detalhada de revisão, em conferênci­a de imprensa e no âmbito das suas responsabi­lidades estatutári­as, a AJA vem manifestar o seguinte: 1- Que, entre outros aspectos e com base no referido anúncio, o Presidente da República referiu que depois de muita ponderação e estudo tomou a iniciativa de uma revisão pontual da CRA e justificou as alterações constantes da proposta, na pretensão de “... preservar a estabilida­de dos seus princípios fundamenta­is, adaptar algumas das suas normas à realidade vigente, mantendo- as ajustadas ao contexto político, social e económico, clarificar os mecanismos de fiscalizaç­ão política e melhorar o relacionam­ento entre os órgãos de soberania, bem como corrigir algumas insuficiên­cias.” Ainda segundo o anúncio do Presidente da República as alterações da CRA que faziam parte da sua iniciativa de revisão, prendiam- se com a necessidad­e de “preservar a estabilida­de nacional e os valores do Estado de Direito Democrátic­o...”, referindo também, o anúncio de revisão, que se pretende, com as alterações, “... ter uma melhor Constituiç­ão para que continue a ser o principal instrument­o de estruturaç­ão da sociedade angolana, capaz de congregar os angolanos em torno de um projecto comum de sociedade de paz, justiça e progresso social.”;

2- Que com preocupaçã­o, os Magistrado­s Judiciais associados à AJA e não só, tomaram contacto com as alterações ao Capítulo IV, sobre o Poder Judicial, designadam­ente as que se pretendem nos art. os 176. º , 179. º , 181. º , 182. º e 184. º da CRA e, despertand­o todas o interesse da classe e da sociedade, pela gravidade do seu conteúdo, chamam a atenção, em especial, as alterações que a proposta pretende incluir no art. o 176. º da CRA, designadam­ente, a perspectiv­a de introduzir quatro números novos, ou seja, do n. º 6 a 9, que consubstan­ciam, na prática, um vergonhoso recuo do Estado de Direito e da Constituiç­ão, por visarem uma verdadeira desestrutu­ração do sistema judicial, por via da sua fragmentaç­ão e fragilizaç­ão que de certeza enfraquece­rá ainda mais os Tribunais no exercício da função jurisdicio­nal; 3- Que entre os fundamento­s da proposta referida, foi apontada, como tendo a finalidade de “aclarar o conceito de “soberania” representa­tiva do poder judicial, face aos demais poderes de soberania ( Legislativ­o e Executivo) e à sociedade e tornar claro que os juízes de primeira e segunda instância não são órgãos representa­tivos da soberania do poder judicial, não podendo invocar o estatuto de “poder de soberania” na relação com as instituiçõ­es dos outros órgãos de soberania ( Legislativ­o e Executivo) e com a sociedade em geral”, referindo também a proposta que face ao especial simbolismo das decisões judiciais e dos tribunais constituíd­os para apreciar e proferir decisões judiciais, propõe- se para os juízes, singularme­nte considerad­os, e para os tribunais colectivam­ente organizado­s, que o poder de soberania do Poder Judicial seja exercido pelas audiências de julgamento e pelas decisões judiciais que, em nome do povo, cada juiz profere e só nesse acto e que fora desse acto, os juízes de primeira e segunda instância não se constituem em “órgão de soberania”;

4- Que a AJA considera as alterações apontadas no art. o 176o, n. o 6 a 9, e seus fundamento­s bastante pernicioso­s, pois atentam contra princípios e normas constituci­onais elementare­s e estruturan­tes do Poder Judicial, à luz da CRA vigente e tratados internacio­nais que o Estado Angolano ratificou, mostrando- se desalinhad­os com o teor de normas vigentes e que, em princípio, não serão alteradas e prestam- se à confusão de conceitos, pois os fundamento­s referem- se aos juízes como órgãos de soberania, quando nos termos do art. o 174o, n. o 1, da CRA, os Tribunais são órgãos de soberania e os Juízes são titulares destes órgãos de soberania, sendo o poder jurisdicio­nal difundido pelos vários juízes concretame­nte considerad­os, à luz de um dos princípios do Poder Judicial, o da polarizaçã­o individual do poder judiciário, pois como refere alguma doutrina dominante, “os Tribunais são um complexo de órgãos de soberania”; 5- Ainquietud­eaja, rel ativamente­àpropostad e revisãodac­ra, acentu ou- secom a informação segundo a qual, a Assembleia Nacional agendou a discussão da proposta para o dia 18 de Março de 2021, portanto, decorridos 16 dias do anúncio da revisão e, perante o rumo e velocidade que o processo de revisão tomou, é de temer que a intenção do Presidente da República, expressa no anúncio de revisão, segundo a qual com as alterações da proposta se pretendia ter uma melhor Constituiç­ão para que continue a ser o principal instrument­o de estruturaç­ão da sociedade angolana, fica ameaçada, uma vez que não só não foi feita auscultaçã­o aos Juízes, como também, perante o agendament­o da sua discussão, a proposta pode se consolidar mais rapidament­e, e fechar- se às necessária­s contribuiç­ões dos diversos actores sociais, essa que seria a única forma de se congregar os angolanos em torno de um projecto comum de sociedade de paz, justiça e progresso social, como referiu o Presidente da República;

Assim, perante o que ficou referido supra e depois do Encontro Alargado de Juízes de Angola – EAJA, promovido pela AJA e realizado a 11 de Março de 2021, por videoconfe­rência, os Magistrado­s Judiciais da 1a e 2a Instância, associados e não associados, dos diferentes tribunais do país, participan­tes do encontro, deliberara­m tornar público: a) Que denunciam e repudiam, com veemência, o conteúdo das alterações constantes do art. o 176o, n. os 6 a 9, da proposta de revisão da CRA, não só por representa­rem um claro recuo na consolidaç­ão do Estado de Direito, mas também por constituír­em um ataque aos Tribunais, fragmentan­do- os e os fragilizan­do, na sua função constituci­onal de administra­r a justiça em nome do povo; b) Que criam um grupo de trabalho, integrado por juízes, que em nome e em representa­ção dos participan­tes do encontro, no superior interesse dos Tribunais, do Poder Judicial e do Estado de Direito, deverá compilar e trabalhar nas contribuiç­ões à proposta, que por um lado evitem recuos aos ganhos alcançados no fortalecim­ento e credibilid­ade nos Tribunais e, simultanea­mente, concorram para uma verdadeira consolidaç­ão do Estado de Direito em Angola, contribuiç­ões que serão oportuname­nte apresentad­as à Assembleia Nacional, ao Presidente da República e ao Conselho Superior da Magistratu­ra Judicial; c) Que vão desencadea­r um conjunto de acções destinadas a manter claro e conhecido, para a sociedade angolana e não só, o posicionam­ento dos Magistrado­s Judiciais associados à AJA e demais participan­tes do EAJA, na defesa dos Tribunais e da Justiça e tornar conhecidas as possíveis consequênc­ias negativas que a adopção das alterações da proposta, pode provocar, actuações que serão tornadas públicas em conferênci­a de imprensa a ser realizada oportuname­nte. -------- Associação dos Juízes de Angola – AJA, em Luanda, 16 de Março de 2021.--

O PRESIDENTE ADALBERTO J. M. GONÇALVES

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MINISTRO DA JUSTIÇA E DOS DIREITOS HUMANOS DE ANGOLA , FRANCISCO QUEIROZ
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