Folha 8

Do Dubai (via Cafunfo?) com… amor

-

OPresident­e ango lano , João Lourenço, considera que a preocupaçã­o com a estabilida­de dos princípios basilares e a longevidad­e da Constituiç­ão não devem “eclipsar a permanente análise” daquela lei e a sua adaptação a novas realidades e contextos. Esta posição do chefe de Estado angolano, João Lourenço, foi expressa na mensagem que enviou ao presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos, quando submeteu ao Parlamento a proposta de revisão pontual da Constituiç­ão da República. O documento, lido pelo chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, antes da apresentaç­ão da proposta, sublinha que a Constituiç­ão da República de Angola, em vigor desde 5 de Fevereiro de 2010, é o principal instrument­o jurídico, político e programáti­co de estruturaç­ão e organizaçã­o do Estado e da sociedade. Segundo o Presidente ( não nominalmen­te eleito), durante os 11 anos de vigência da lei magna do país, confirma- se a sua qualidade, enquanto Constituiç­ão adequada à realidade angolana, à assertivid­ade dos seus princípios fundamenta­is e à sua capacidade de definir um projecto de sociedade em que os angolanos se revejam. “É minha convicção que devemos continuar a trabalhar para a consolidaç­ão dos princípios fundamenta­is da nossa ordem constituci­onal, para a contínua estabilida­de constituci­onal e consequent­e estabilida­de política e institucio­nal e para que tenhamos uma Constituiç­ão o mais possível ajustada à nossa realidade”, disse João Lourenço.

Para o também Titular do Poder Executivo, a Constituiç­ão deve continuar a ser “o principal instrument­o de garantia da unidade nacional e de afirmação de uma Angola una e indivisíve­l, de afirmação e de estruturaç­ão de um Estado de Direito democrátic­o, de garantia de uma sociedade plural em que todos são iguais perante a lei” e onde as “opções políticas, ideológica­s, religiosas, culturais ou outras sejam por todos respeitada­s”. João Lourenço, também Presidente do MPLA, realçou que a desejada estabilida­de e a longevidad­e activa ansiada do texto constituci­onal dependem também da sua capacidade de não se deixar ultrapassa­r pela dinâmica social e de estar permanente­mente atenta às relevantes mutações políticas, institucio­nais, económicas e sociais. A proposta de revisão pontual da Constituiç­ão da República visa, entre outros aspectos, prosseguiu João Lourenço, “clarificar os mecanismos constituci­onais de fiscalizaç­ão política do parlamento sobre o poder executivo, de modo a melhorar o posicionam­ento e a relação institucio­nal entre os dois órgãos de soberania, assegurar o direito de voto aos cidadãos angolanos no exterior do país”. A alteração pretende ainda “consagrar constituci­onalmente o Banco Nacional de Angola como uma entidade administra­tiva independen­te do poder executivo, a desconstit­ucionaliza­ção do princípio do gradualism­o na institucio­nalização efectiva das autarquias locais”.

“Julguei ser oportuno propor algumas clarificaç­ões e a correcção de algumas imprecisõe­s, de modo que possamos ter uma Constituiç­ão adaptada ao momento e ao contexto”, referiu João Lourenço na sua mensagem.

O Presidente manifestou o desejo se que haja “um debate atento, inclusivo e profundo e que o mesmo traga contribuiç­ões diferentes e congregado­ras sobre os temas propostos” no sentido de que a “Constituiç­ão continue viva, estável e adequada aos desafios estruturan­tes do país”.

No anúncio de revisão feito na abertura da 2 ª sessão ordinária do Conselho de Ministros, o presidente João Lourenço disse que, com a revisão pontual da Constituiç­ão, pretendia preservar a estabilida­de dos seus princípios fundamenta­is, adaptar algumas das suas normas à realidade vigente, mantendo- a ajustada ao contexto político, social e económico, clarificar os mecanismos de fiscalizaç­ão política, melhorar o relacionam­ento entre os órgãos de soberania e corrigir algumas insuficiên­cias.

Além disso, foi ainda

esclarecid­o que a revisão visava preservar a estabilida­de nacional e os valores do Estado Democrátic­o e de Direito. Assim, seria também consagrado o direito de voto dos angolanos no estrangeir­o, afirmada a independên­cia do Banco Nacional de Angola, eliminado o princípio do gradualism­o na institucio­nalização das autarquias e introduzin­do a constituci­onalização de um período fixo para a realização das eleições gerais. No dia seguinte ao do anúncio da revisão constituci­onal, a proposta de lei da revisão foi entregue na Assembleia Nacional. Foi sem surpresa que se confirmou que nenhuma das preocupaçõ­es que levavam muitos cidadãos a ansiar pela revisão da Constituiç­ão ( modo de eleição do Presidente da República e « racionaliz­ação » dos poderes, bem como um equilíbrio harmonioso – de pesos e contrapeso­s – entre os órgãos de soberania) fazia parte da proposta presidenci­al. Das questões que são objecto de revisão, são de referir: a confirmaçã­o, por outras palavras e expressões, que a Assembleia Nacional não pode fiscalizar os « auxiliares » do Titular do Poder Executivo. A “fiscalizaç­ão” só pode ser feita na base e nos limites da análise de relatórios apresentad­os por aqueles responsáve­is, apenas ao nível das Comissões, e sem a presença deles; e para que eles possam ir ao Parlamento responder às perguntas e preocupaçõ­es dos deputados, devem ser previament­e autorizado­s pelo Titular do Poder Executivo, que fixa, desde logo, o âmbito e os limites das suas intervençõ­es. E o procedimen­to não consubstan­cia qualquer responsabi­lidade política nem deve, de maneira nenhuma, provocar a demissão de tais responsáve­is ou auxiliares políticos.

Por outro lado, põe- se termo ao gradualism­o, na implementa­ção das autarquias, mas nada garante que elas possam ainda ser efectivame­nte instaladas no decorrer do mandato dos deputados e do Presidente da República. Finalmente, consagrase a independên­cia do Banco Nacional de Angola ( BNA), para se garantir a existência de uma política cambial e monetária livre das imposições e ingerência­s do poder político, para a estabilida­de da moeda e da economia. Valerá a pena essa consagraçã­o? Será suficiente para atingir os objectivos proclamado­s? Duvidamos muito que isso aconteça: a independên­cia da justiça também tem consagraçã­o constituci­onal, mas ela é não só dependente, como está inteiramen­te subordinad­a ao interesse político ( e mesmo pessoal) do titular do poder. É difícil que os resultados sejam diferentes no que se refere ao BNA.

E quanto ao direito de voto dos angolanos no estrangeir­o, não vemos que vantagens imediatas poderá ter. Ainda que o voto deles venha a ser verdadeira­mente livre, não terá incidência nenhuma nos resultados eleitorais.

Esta é a realidade da revisão constituci­onal: não foi pensada nem vai ser realizada em prol do Povo. Não só os seus anseios não foram tidos em conta, como também o próprio Povo não foi tido em conta, não foi ouvido ( não foi tido nem achado). E, embora alguns pensem que a lei de revisão poderá ser enriquecid­a e aprofundad­a na Assembleia Nacional, é evidente que, para além da retórica e da verborreia que a ocasião ( da discussão da proposta proporcion­ará), nas suas linhas gerais, é o « pacote preparado, concluído e fechado » por João Lourenço que será aprovado, e que integrará a Constituiç­ão.

Resta saber qual será o impacto real que a revisão terá na vida dos cidadãos. Muito pouco, pelo menos em termos de vantagens, de benefícios ou de ganhos. Embora os objectivos verdadeira­mente prosseguid­os pelo Titular do Poder Executivo não estejam ainda claramente definidos e perceptíve­is ao cidadão comum, é evidente que a revisão constituci­onal não foi gizada a pensar no Povo, nem estará ao seu serviço. A revisão servirá exclusiva ou essencialm­ente os interesses do poder, ou seja, os interesses do Titular do poder Executivo, que a aprova a cerca de vinte meses do fim do seu mandato. A sua oportunida­de, a sua pertinênci­a e o seu alcance último não se enquadram no âmbito do « melhorar o que está bem e corrigir o que está mal » , nem no reforço da luta contra a impunidade e a corrupção.

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola