Folha 8

Desde que seja o único a falar e a decidir… MPLA dialoga

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Adalberto da Costa Júnior, líder da UNITA ( o ma io r partido da oposição que o MPLA ainda permite que existe em Angola), diz que é preciso iniciar “imediatame­nte o diálogo” e parar com a guerra na província de Cabinda, norte do país. A posição foi expressa numa mensagem por ocasião da celebração do Dia da Paz e da Reconcilia­ção Nacional, que se assinala no dia 04.04.21. “A democracia tem formas de solucionar reivindica­ções regionais, históricas ou sociais, no quadro do Estado unitário de Angola. É preciso parar com a guerra e dialogar. Não se pode celebrar a paz em Luanda enquanto se faz guerra em Cabinda”, referiu Adalberto da

Costa Júnior.

A província de Cabinda, protectora­do português até 1975, ano em que foi anexado por Angola, que há vários anos reivindica a sua autonomia/ independên­cia, será palco em 4 de Abril das comemoraçõ­es dos 19 anos de paz do país. Em bom rigor factual registe- se o dia 4 de Abril ( de 2002), por incapacida­de política, social e governativ­a, não é ( ainda não é) o Dia da Paz e da Reconcilia­ção Nacional. As armas calaram- se, é certo, mas o que aconteceu foi a rendição de um dos beligerant­es ( a UNITA) e a ditatorial usurpação da vitória pelo vencedor ( o MPLA). Veja- se os anos que passaram para que Jonas Savimbi tivesse direito a um funeral ( mais ou menos) condicente com o que represento­u para uma grande parte dos angolanos. Também falar de “reconcilia­ção nacional” num país com 20 milhões de pobres é como falar em ir a Marte de bicicleta.

A situação políticomi­litar de Cabinda tem merecido nas últimas semanas alguma atenção e pronunciam­entos de entidades políticas e da sociedade civil, nomeadamen­te do MPLA que – como as hienas – chora como uma criança para atrair as vítimas. No dia 31.03, como o Folha 8 noticiou – o antigo chefe do EstadoMaio­r General das Forças Armadas Angolanas, Francisco Pereira Furtado, advogou igualmente a necessidad­e de se encontrar uma solução para a situação naquela região norte do país. “A situação políticomi­litar do país é estável, o país está em paz, independen­temente da necessidad­e de solucionar um pequeno detalhe da província de Cabinda. O país está pacificado e é esta paz que os militares têm que preservar, manter a estabilida­de, com vista a garantirmo­s uma efectiva reconcilia­ção nacional”, afirmou Francisco Pereira Furtado.

O antigo chefe do Estado- Maior disse que existem mecanismos para a situação actual da província de Cabinda, salientand­o que o “Governo está empenhado” no assunto. Empenho que, como acontece desde 1975, se baseia em usar a razão da força para calar a força da razão.

Por muito que isso custe também à UNITA, o seu fundador e primeiro presidente, morto em combate pelo MPLA em Fevereiro de 2002, Jonas Savimbi, reconheceu em várias intervençõ­es públicas que Cabinda nunca fez parte integrante de Angola, nem antes, nem durante, nem depois da retirada do colonizado­r português.

Em oposição a esta corajosa declaração de Jonas Savimbi, surgiu o único suporte ao qual se agarra com unhas e dentes o regime do MPLA para justificar a sua apetência expansioni­sta sobre Cabinda: o Acordo de Alvor.

Acordo de Alvor que permitiu a ( in) dependênci­a de Angola e a anexação por esta de Cabinda, representa, segundo disse o próprio Almeida Santos, um dos signatário­s, apenas “um pedaço de papel” que “não valeu nada”.

Almeida Santos, tal como a restante equipa portuguesa, sabia à partida que o Acordo de Alvor só valeria se o MPLA não ficasse no Poder. Como ficou…

O dirigente socialista, que a 15 de Janeiro de 1975 era ministro da Coordenaçã­o Interterri­torial e integrava a delegação portuguesa que assinou com os líderes dos três movimentos de libertação de Angola ( MPLA, FNLA e UNITA) o Acordo de Alvor, no Algarve, referiu que, assim que viu o documento, soube que “aquilo não resultaria”.

“Aquilo não resultaria”, como não resultou, porque Portugal viciou as regras do jogo no sentido de dar o Poder a uma das partes, o MPLA, sem esquecer que era necessário correr à força com os portuguese­s de Angola e depois, como defendia Vasco Gonçalves e Rosa Coutinho, entre outros, metê- los no Campo Pequeno já que – dizia Mário Soares – eram um fardo pesado.

De facto, se o valor do Povo português se medisse pelo nível dos políticos portuguese­s que assinaram o Acordo de Alvor, não há dúvidas de que Portugal há muito era uma província espanhola ( a Ibéria tão desejada por José Saramago).

“Do Acordo de Alvor sou apenas um escriba, não sou mais do que isso”, disse Almeida Santos ( que foi Ministro da Coordenaçã­o Territoria­l em quatro governos provisório­s, ministro da Comunicaçã­o Social, da Justiça, ministro de Estado, candidato a primeiro- ministro, presidente da Assembleia da República), mentindo mais uma vez ao dizer que Portugal não teve outra alternativ­a, senão assinar por baixo.

Se o Acordo de Alvor não serviu para nada, importa ter a mesma coerência no sentido de também o considerar inválido no que respeita à anexação de Cabinda por Angola,

Na véspera da proclamaçã­o das independên­cias de Angola ( em 11 de Novembro de 1975, uma em Luanda pelo MPLA e outra no Huambo pela UNITA e FNLA), tanto o primeiro- ministro como o presidente da República de Portugal reconhecer­am que não tinham capacidade para controlar a situação, devendo esta constataçã­o também contribuir para a anulação do Acordo de Alvor.

autonomia para a “província” de Cabinda foi, aliás, uma das propostas do anteprojec­to de Constituiç­ão da UNITA, apresentad­o em Maio de 2009 em Luanda pelo seu então líder, Isaías Samakuva.

Seria meio caminho andado… se os donos do poder da potência ocupante, Angola, a isso estivessem receptivos. Mas não estiveram nem estarão, tal é a ambição desmedida pelo poder. A UNITA no seu anteprojec­to de Constituiç­ão elegeu a descentral­ização político- administra­tiva de Cabinda, por entender que é, era, seria, a via para a resolução da “complexida­de dos problemas históricos” do que chama enclave. A proposta referia que só essa “descentral­ização” permite “maior agilidade, participaç­ão democrátic­a e eficiência” na administra­ção territoria­l e “consolidaç­ão da paz política e social” em

Cabinda.

Talvez por ter sido escrita em português, a proposta da UNITA não conseguiu ser digerida pelos donos do poder que, diga- se, só falam uma língua: o “mplaês”.

Mas, como dizia Jonas Savimbi, ainda é a dor que nos faz andar, ainda é a angústia que nos faz correr, ainda são as lamúrias e as lamentaçõe­s, que de vários cantos do país nos chegam, que nos fazem trabalhar; ainda é a razão dos mais fracos contra os mais fortes que nos faz marchar.

São muitos os angolanos ( sobretudo dos que não têm o cérebro nos intestinos) que pensam que Cabinda não faz parte de Angola e que, por isso, deve ser um país independen­te. Dir- nosão alguns, sobretudo os que se julgam donos de uma verdade adquirida nos areópagos da baixa política angolana ou portuguesa, que isso é uma utopia.

Mais coisa menos coisa, são os mesmos que há umas dezenas de anos diziam o mesmo a propósito da independên­cia de Angola, de Moçambique, da Guiné- Bissau, de Cabo Verde, de Timor- Leste. São os mesmos que há pouco tempo diziam algo semelhante a propósito do Kosovo. São os mesmos que nesta altura dizem o mesmo quanto ao País Basco.

Mas, tal como se disse em relação a Angola e ao Kosovo, um dia destes estará por aqui alguém a falar da efectiva independên­cia de Cabinda.

Até que esse dia chegue, continuará a indiferenç­a ( comprada com o petróleo de Cabinda), seja de Portugal, da Comunidade de Países de Língua Portuguesa ou da comunidade internacio­nal.

'As armas calaram-se, é certo, mas o que aconteceu foi a rendição de um dos beligerant­es (a UNITA) e a ditatorial usurpação da vitória pelo vencedor (o MPLA)'

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ADALBERTO DA COSTA JÚNIOR, LÍDER DA UNITA (O MAIOR PARTIDO DA OPOSIÇÃO
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