Bitacaia no pé ou espinha na garganta?
Oex- chefe de Estado-maior General das Forças Armadas Angolanas ( CEMGFAA), Francisco Pereira Furtado, considera estável a situação político- militar do país, apesar de ser necessário “solucionar um pequeno detalhe da província de Cabinda”. Francisco Pereira Furtado dissertou no 31.03.21 sobre o tema “A Paz como Factor Imperativo para a Estabilidade e Desenvolvimento de Angola”, na abertura das jornadas patrióticas alusivas ao 4 de Abril, Dia da Paz e da Reconciliação Nacional, promovida pelo Estado- Maior General das Forças Armadas Angolanas.
Em bom rigor factual registe- se o dia 4 de Abril ( de 2002), por incapacidade política, social e governativa, não é ( ainda não é) o Dia da Paz e da Reconciliação Nacional. As armas calaram- se, é certo, mas o que aconteceu foi a rendição de um dos beligerantes ( a UNITA) e a ditatorial usurpação da vitória pelo vencedor (o MPLA). Veja- se os anos que passaram para que Jonas Savimbi tivesse direito a um funeral ( mais ou menos) condicente com o que representou para uma grande parte dos angolanos. Também falar de “reconciliação nacional” num país com 20 milhões de pobres é como falar em ir a Marte de bicicleta.
“A situação políticomilitar do país é estável, o país está em paz, independentemente da necessidade de solucionar um pequeno detalhe da província de Cabinda. O país está pacificado e é esta paz que os militares têm que preservar, manter a estabilidade, com vista a garantirmos uma efectiva reconciliação nacional”, disse Francisco Pereira Furtado, em declarações à Lusa no final da cerimónia. Segundo o oficial das Forças Armadas Angolanas ( FAA), existem mecanismos para a situação actual da província de Cabinda, salientando que “o Governo está empenhado” no assunto. “Da mesma forma que negociamos os processos de paz anteriores devemos negociar com a ala da FLEC [ Frente de Libertação do Estado de Cabinda], porque é mais uma ala. Pelo que eu conheço da FLEC, desde o seu surgimento, em 1975, no seu seio já surgiram mais de seis alas, é preciso levar esta ala que ainda reivindica de uma forma não correcta, com alguma violência, a compreender que o país não pode continuar nesta senda de conflitos”, referiu. Questionado se a escolha da província de Cabinda como palco central das comemorações dos 19 anos de paz de Angola será um sinal de aproximação, Francisco Pereira Furtado disse julgar que “tem mesmo a ver” com isso.
“Porque há necessidade de em Cabinda ter- se o mesmo sentimento e a mesma visão estratégica do país inteiro”, frisou, colando- se à velha tese do MPLA de que Angola vai de Cabinda ao Cunene, tal como os assalariados de Salazar diziam que Portugal ia do Minho a Timor, tal como Jacarta dizia que TimorLeste era uma província da Indonésia.
Na sua dissertação, Francisco Pereira Furtado admitiu que “devido a algumas situações não muito boas”, que não precisou ( se o fizesse teria de mostrar que o seu MPLA só conhece a razão da força, ou então mentir), “o processo de implementação do Estatuto Especial para a província de Cabinda não teve o seu desenvolvimento como desejado e terá que ser restabelecido de forma a que se observe aquilo a que foi acordado”. Francisco Pereira Furtado, numa incursão histórica sobre a situação de Cabinda, disse que as negociações entre o Governo e o Fórum Cabindês para o Diálogo ( FCD) para o alcance da paz naquele território petrolífero no norte do país tiveram início em 2005.
“O Governo da República de Angola iniciou um estabelecimento de contactos com o Fórum Cabindês para o Diálogo a partir do exterior do país e após mais um ano de sucessivos contactos foi assinado no dia 4 de Junho de 2006 em Chicamba, comuna de Massabi, município de Cacongo em Cabinda, o Acordo de Cessação das Hostilidades entre as FAA e a FLEC sob autoridade do FCD”, contou. De acordo com o exCEMGFAA, em Julho de 2006, juntaram- se à mesa de negociações na República do Congo, as delegações do Governo de Angola e do FCD, com a observação dos membros do Ibinda — conselho das mais altas autoridades tradicionais de Cabinda – convidados a participarem nas negociações em Brazzaville.
A delegação angolana, da qual fez parte Francisco Pereira Furtado, era chefiada pelo então ministro da Administração do Território, Virgílio de Fontes Pereira, coadjuvado pelo chefe da Casa Militar do Presidente da República, Hélder Vieira Dias “Kopelipa”. “É desta forma que, das negociações, resultou a assinatura de um memorando de entendimento de reconciliação da província de Cabinda e também de um Estatuto Especial para a província de Cabinda, estatuto este que dá autonomia à província de Cabinda para estar em condições diferente das outras províncias”, sublinhou.