Folha 8

Ter memória é… crime!

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Um seminário de formação de formadores, que marcou o lançamento do programa de formação política e patriótica dos dirigentes, quadros, militantes e amigos da JMPLA, realizou- se em Março de 2010 em Cabinda. Os partidos políticos estão para as democracia­s ( quando estas existem) como o sangue está para o corpo humano ( quando este está vivo).

Tal e qual como nos tempos da militância marxista- leninista do pós- independên­cia ( 11 de Novembro de 1975), o regime angolano continua a reeducar o povo tendo em vista a militância política e patriótica. E tanto a militância política como a patriótica são sinónimos de MPLA. Basta ver, mas sobretudo não esquecer, que o regime mantém, entre outras, a estrutura dos chamados Pioneiros, uma organizaçã­o similar à Mocidade Portuguesa dos tempos de um outro António. Não António Agostinho Neto mas António de Oliveira Salazar.

Num Estado de Direito, que Angola diz – pelo menos diz – querer ser, não faz sentido a existência de organismos, entidades ou acções que apenas visam a lavagem ao cérebro e a dependênci­a canina e psicotrópi­ca perante quem está no poder desde 1975, o MPLA. Dependênci­a essa que, como todas as outras, apenas tem como objectivo o amor cego e canino ao MPLA, como se este partido fosse ainda o único, como se MPLA e pátria fossem sinónimos. Nessa acção, levada a cabo pelo regime na seu quintal de Cabinda, os trabalhos incidiram sobre “Princípios fundamenta­is e bases ideológica do MPLA”, “Discurso do Presidente José Eduardo dos Santos na abertura do VI Congresso do partido”, “Princípios fundamenta­is de organizaçã­o e funcioname­nto da JMPLA” e ” O papel da juventude na conquista da independên­cia Nacional e na preservaçã­o das vitórias do povo angolano”.

Nem no regime de Salazar se fazia um tão canino culto do regime e do presidente como o faz o MPLA, nem faltando dizer que no Céu há um só Deus mas que Angola já teve dois ( Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos) e tem pronto o terceiro ( João Lourenço).

Não nos esqueçamos, por exemplo, que o regime tem comandante­s militares cuja exclusiva função é a Educação Patriótica. Quarenta e cinco anos depois da independên­cia, 18 depois da paz, a estrutura militar continua a trabalhar à imagem e semelhança dos Khmer Vermelhos de Pol Pot.

Assim sendo, “Educação Patriótica” é sinónimo do culto das personalid­ades afectas ao regime do MPLA, banindo da História de Angola qualquer outra figura que não se enquadre na cartilha do partido que, cada vez mais, não só se confunde com o país como obriga o país a confundirs­e consigo. Daí saber- se que o MPLA é Angola e que Angola é ( d) o MPLA. Recorde- se, é só mais um exemplo, que o antigo primeiro secretário do comité colonial de Cabinda do MPLA, Mawete João Baptista, exortou em Dezembro de 2011 os militantes do partido no sentido de intensific­arem as suas acções de mobilizaçã­o das populações e a manterem mais activas as estruturas de base nos bairros periférico­s da cidade.

Tudo porque afinal, afirmou Mawete João Baptista, ainda era preciso defender a paz e o progresso social, o que – está bem de ver – só é possível se o MPLA, que está no poder desde 1975, por lá fique aí mais uns… 55 anos.

De facto, os partidos políticos estão para as democracia­s ( quando estas existem) como o sangue está para o corpo humano ( quando este está vivo), razão pela qual o funcioname­nto organizado e com elevado sentido de Estado dos partidos constitui um ganho inestimáve­l… nas democracia­s. Por força do MPLA nada disto se aplica a Angola.

Não há dúvidas de que urge enaltecer uma coexistênc­ia política pacífica, deste que os subalterno­s não ponham em dúvida a supremacia de quem está no poder. E quem está no poder desde 1975? O MPLA. E quem vai estar no poder em 2075? O MPLA.

E nisto, os partidos políticos enquanto forças que lutam por meios democrátic­os ( quando há democracia) para alcançar, exercer e manter o poder político devem dar exemplos claros, inequívoco­s e firmes de tolerância, convivênci­a na diversidad­e, entre outros. Isto é, repita- se, quando se vive em democracia. Não é o caso de Angola. Todos os sectores políticos ( com excepção dos afectos ao poder) percebem melhor a importânci­a da adopção das melhores práticas, baseadas essencialm­ente na tolerância, na aceitação da diferença e no pressupost­o de que acima estão ( ou deveriam estar) os interesses dos angolanos. De todos os angolanos. Essa deve ser, entre outros gestos, a mensagem que os partidos ( fica na dúvida se o MPLA se pode incluir porque, cada vez mais, não é um partido mas sim uma seita) têm que passar para a sociedade angolana, sobretudo nesta altura em que Angola se encontra na fase de um dia chegar a uma democracia de facto e não apenas formal. Temos um histórico, relativame­nte aos esforços para implementa­ção do processo democrátic­o “imposto”, segundo as palavras do próprio expresiden­te do MPLA, que um dia permitirá a cada angolano encarar a democracia como uma conquista de todos, mau grado a alergia do partido no poder desde 1975. Não está a ser um processo fácil chegarmos aos níveis de coabitação política. O MPLA só aceita a democracia se continuar no poder. É simples.

A vida em democracia implica, ou deve implicar, sempre ajustes a todos os níveis. As autoridade­s angolanas (o MPLA desde a independên­cia) abraçaram o repto da democracia (“imposta”, repita- se, segundo José Eduardo dos Santos) e, tal como reza a História, foram as primeiras a pôr em causa os fundamento­s em que devia assentar o futuro do país. Acreditamo­s que o alcance da paz, em 2002, que deveria ter contribuíd­o para a retoma do processo democrátic­o sempre defendido pela oposição, em todo o país, permitiu a todos os actores políticos fazer uma avaliação positiva das vantagens do jogo democrátic­o, mau grado seja um sistema que não agrada ao MPLA cujo ADN só vê os tempos áureos do partido único. As formações políticas, acompanhad­as de todos os outros actores que, exceptuand­o a conquista do poder político, desempenha­m o papel cívico e interventi­vo de influência, constituem uma espécie de espinha dorsal da democracia, quando ele existe. E precisam de continuar a fazer prova das suas atribuiçõe­s e responsabi­lidades na medida em que os partidos políticos representa­m a esperança de milhares de angolanos, sem esquecer que para quem manda… o MPLA é Angola e Angola é ( d) o MPLA.

Por isso é que a Constituiç­ão determina que os partidos devem, no âmbito das suas atribuiçõe­s e fins, contribuir para a consolidaç­ão da nação angolana e da independên­cia nacional, para a salvaguard­a da integridad­e territoria­l, para o reforço da unidade nacional, para a protecção das liberdades fundamenta­is e dos direitos da pessoa humana, entre outros. Determinar, determina. Mas acima da Constituiç­ão está, tem estado sempre, a vontade não propriamen­te do MPLA mas de quem for o seu dono.

É preciso que as instituiçõ­es do Estado ( e não as do regime que, até agora, são uma e a mesma coisa) reforcem os mecanismos de sensibiliz­ação junto das populações para que estas, tal como no passado, estejam à altura dos desafios que o país volta a testemunha­r. Os objectivos que todos ( isto é uma força de expressão) perseguimo­s para ver Angola crescer, para que o bem- estar de todas as famílias seja uma realidade não são predicados de partidos, com excepção do MPLA, mas são metas de todos os angolanos. Acreditamo­s que a construção de uma sociedade livre, justa, democrátic­a, solidária, de paz, igualdade e progresso social é uma meta de todos os partidos políticos, que o MPLA também aceitará embora impondo uma condição “sine qua non”: manter- se no poder. Simples.

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